Liquidação da pretensão individual correspondente (art. 97 do CDC): a questão dos expurgos inflacionários de janeiro/1989, por Fernando da Fonseca Gajardoni
"Caros amigos e alunos
Constantemente sou cobrado, especialmente por candidatos a concursos
públicos da Magistratura e MP, a disponibilizar modelos de sentenças
que, de certo modo, possam contribuir para o estudo e aperfeiçoamento.
E, com o propósito evidente de pagar a promessa tantas vezes feita (e
nunca cumprida), valho-me do fantástico espaço do Portal Atualidades do
Direito para matar a curiosidade de muitos em relação ao funcionamento
da liquidação/execução das sentenças coletivas.
Vale rememorar que o sistema processual coletivo trabalha com três
modelos de liquidação/execução da pretensão individual tutelada na ação
coletiva (direitos individuais homogêneos):
a) liquidação/execução da pretensão individual correspondente (art. 97 do CDC), feita com base em certidão extraída dos autos da ação coletiva (art. 98, § 1o, do CDC), em que a vítima ou sucessores provarão, além do nexo de causalidade com o evento tutelado na ação coletiva, o próprio quantum debeatur.
b) execução coletiva da pretensão individual correspondente (art. 98 do CDC), ocorrente nas situações em que as vítimas e sucessores, já tendo liquidado separadamente os danos individualmente experimentados, unem esforços perante um representante processual (MP, Defensoria, etc.) a fim de promover conjuntamente a execução;
c) execução da pretensão coletiva residual (fluid recovery) (art. 100 do CDC), que ocorre nas situações em que se admite, decorrido o prazo de 01 (um) ano sem que as vítimas e sucessores se habilitem em número compatível com a gravidade do dano, a propositura da liquidação/execução dos danos experimentados pelos ausentes (estimativa) por qualquer legitimado coletivo (art. 82 CDC), destinando-se o valor da indenização para o fundo de reparação de bens e direitos lesados (art. 13 da Lei 7.347/85).
a) liquidação/execução da pretensão individual correspondente (art. 97 do CDC), feita com base em certidão extraída dos autos da ação coletiva (art. 98, § 1o, do CDC), em que a vítima ou sucessores provarão, além do nexo de causalidade com o evento tutelado na ação coletiva, o próprio quantum debeatur.
b) execução coletiva da pretensão individual correspondente (art. 98 do CDC), ocorrente nas situações em que as vítimas e sucessores, já tendo liquidado separadamente os danos individualmente experimentados, unem esforços perante um representante processual (MP, Defensoria, etc.) a fim de promover conjuntamente a execução;
c) execução da pretensão coletiva residual (fluid recovery) (art. 100 do CDC), que ocorre nas situações em que se admite, decorrido o prazo de 01 (um) ano sem que as vítimas e sucessores se habilitem em número compatível com a gravidade do dano, a propositura da liquidação/execução dos danos experimentados pelos ausentes (estimativa) por qualquer legitimado coletivo (art. 82 CDC), destinando-se o valor da indenização para o fundo de reparação de bens e direitos lesados (art. 13 da Lei 7.347/85).
Abaixo disponibilizo sentença de minha autoria, relativa ao primeiro
modelo de liquidação/execução supra referido (liquidação/execução da
pretensão individual correspondente), em que poupador domiciliado na
Comarca onde atuo transportou, in utilibus, sentença coletiva
proferida na ação civil pública promovida pelo IDEC em favor dos
poupadores do extinto Banco Nossa Caixa (sucedido pelo Banco do Brasil).
Nela procurei tratar (didaticamente) de todas as questões mais
recentes relativas ao tema, especialmente no âmbito do STJ e TJSP.
Saudações a todos
I. RELATÓRIO
Vistos.
PARTE, devidamente qualificada, ajuizou a presente
ação de liquidação da pretensão individual correspondente à tutelada na
sentença coletiva proferida contra BANCO DO BRASIL S.A
(sucessor do Banco Nossa Caixa), em suma, aduzindo que nos autos da ação
civil pública n. 0403263-60.1993.8.26.0053, que teve curso perante a 6ª
Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital (SP), a liquidada foi
condenada a pagar a todos os poupadores a diferença da aplicação da
correção monetária nas contas de caderneta de poupança mantidas pela
requerida, iniciadas e renovadas entre 01 a 15.01.89; que a liquidante,
conforme documentação que acosta, mantinha junto à instituição requerida
contas poupança em tais condições (conta 15.003.558-0, com saldo de R$
1.905,14 em 1989); que devidamente aplicado o índice de 42,72% sobre o
saldo referido (descontado o valor já creditado), acrescidos de: a)
juros remuneratórios de 0,5% ao mês, capitalizados; b) juros de mora
desde a citação para a ação coletiva, no percentual de 0,5% até a
entrada em vigor do NCCC, e após 1% ao mês; e c) mais verbas honorária
de 10% do valor da condenação; alcança-se o valor de R$ 20.000,00 (vinte
mil reais), o qual deve ser fixado como o devido.
Após as adequadas emendas do pedido inicial, foi determinado o
processamento do pedido na forma de liquidação de sentença por artigos.
Devidamente citado na forma do art. 475-N, parágrafo único c.c. art.
97 do CDC (art. 103, § 3º, do CDC), o banco requerido ofertou resposta.
Preliminarmente aduziu inépcia da inicial e ilegitimidade passiva. No
mérito, após aventar prescrição dos juros (art. 205, § 3º, III, do CC e
art. 178, § 10, III, do CC/16) e decadência do pedido à luz da
legislação consumerista (art. 26 do CDC), sustentou teses de: a) não há
título executivo em favor do autor em virtude da limitação da base
territorial da sentença coletiva (art. 16 da Lei 7.347/85); b) que a
prévia liquidação não pode ser feita nesta Comarca (embora não aponte o
local onde deveria ser, então, feita); c) que a poupança do polo ativo
aniversaria na 2ª quinzena do mês, sendo, por conseguinte, indevidos os
valores cobrados; d) que é mister a citação do banco requerido para o
procedimento de liquidação de sentença, nos termos do art. 475-E do CPC;
e) que o índice a ser aplicado em fevereiro de 1989 é o de 10,14%, por
decorrência lógica da aplicação do índice 42,72% em janeiro de 1989; f)
que os juros moratórios são devidos apenas a partir da citação para a
liquidação, e não desde a citação para a ação civil pública; g) que os
juros remuneratórios devem ter incidência única no mês de fevereiro de
1989, sob pena de violação ao disposto no art. 468 do CPC (já que a
sentença liquidada não é expressa quanto à incidência nos demais meses);
h) que a atualização monetária se deve dar com base nos índices de
correção da caderneta de poupança, e não os índices da tabela prática
dos débitos judiciais do TJSP (que tem aplicação subsidiária, afastada
por regras contratuais estabelecidas pelas partes); e i) que há excesso
de execução, vez que a condenação coletiva não previu atualização do
débito pela tabela prática do TJSP. Requereu a extinção do processo ou a
improcedência do pedido de liquidação.
Houve réplica do liquidante, em síntese sustento o acerto de sua pretensão e valores reclamados.
II. FUNDAMENTAÇÃO
INÉPCIA DA INICIAL
A inicial do procedimento liquidatório não é inepta, vez que
diversamente do alegado pelo liquidado, consta do processo (fls. 09)
extrato indicativo do saldo em janeiro/1989, na conta-poupança mantida
pelo polo ativo no banco sucedido pelo liquidado.
ILEGITIMIDADE PASSIVA
A questão da ilegitimidade passiva da instituição financeira restou
expressamente apreciada e afastada pelo juízo da sentença coletiva, o
que de per si já seria suficiente para desacolher a alegação do polo
passivo, à luz do art. 475-G do CPC (regra da fidelidade da liquidação
ao título executivo).
Mas mesmo que não tivesse sido apreciada, de todo modo a
ilegitimidade arguida estaria afastada, por conta da regra do
dedutível-deduzido, do art. 474 do CPC.
De fato, passado em julgado a sentença (inclusive coletiva),
reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a
parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.
Em suma, o banco liquidado – na esteira de jurisprudência uniforme
dos Tribunais Superiores -, foi expressamente declarado responsável pelo
pagamento dos valores relativos ao expurgo inflacionários do fracassado
plano econômico governalmental do ano de 1989.
Nada mais pode se fazer quanto a isso.
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PRINCIPAL
Conforme já ponderei na decisão que admitiu o processamento da
liquidação, o STJ tem jurisprudência consolidada no sentido de que a
execução da pretensão individual prescreve no mesmo prazo da ação
coletiva de objeto correspondente (súmula 150 do STF), no caso, 05
(cinco) anos (STJ, Resp. 1.070.896-SC e Resp. 1.275.215-RS).
De acordo, ainda, com o STJ, esses 05 (cinco) anos (os mesmos
indicados no art. 27 do CDC, se preferir o liquidado) devem ser contados
do trânsito em julgado da sentença coletiva, ou, como no caso presente,
da data em que definidos os critérios para liquidação/execução das
pretensões individuais correspondentes.
No caso, a sentença coletiva transportada in utilibus (art. 103, §
3º, do CDC), conforme certidão acostada na inicial e referida no art.
98, § 1º, do CDC, tornou-se liquidável individualmente em 03.06.2011,
tendo transitado em julgado, conforme se infere, mais ou menos nesta
época.
Por conseguinte não há prescrição da pretensão
liquidatória/executória na forma do art. 97 do CDC, vez que entre a data
do suposto trânsito em julgado e o ajuizamento da presente
liquidação/execução individual da pretensão coletiva de objeto
correspondente (31.08.2012) não decorreram 05 anos.
Não se aplica ao caso, ademais, o prazo decadencial de 90 (dias) previsto no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor.
A jurisprudência do STJ já firmou entendimento no sentido de que
referido dispositivo destina-se a vícios aparentes ou de fácil
constatação e a vícios ocultos, regulando a decadência, não tendo
aplicação em caso de pretensões como a presente, em que se busca revisar
ou questionar os lançamentos efetuados em conta-poupança (STJ, Edcl no
Ag 1130640/PR, Rel. Massami Yueda, 3ª Turma, j. 09.06.2009).
PRESCRIÇÃO DOS JUROS
Anda que o juízo local seja simpático à tese (minoritária) do banco
liquidado no âmbito das ações individuais que aqui tiveram curso, não há
espaço para a aventada prescrição dos juros na liquidação presente
(art. 205, § 3º, III, do CC e art. 178, § 10, III, do CC/16).
De fato, a prescrição para toda a pretensão (inclusive juros) restou
interrompida com a citação do banco liquidado na ação coletiva, com
retroação à data da distribuição da ação junto à 6ª Vara da Fazenda
Pública da Capital (SP), conforme regra do art. 219 e §§ do CPC.
Assim, considerando a propositura da ação coletiva pelo IDEC em
26.03.1993; e considerando, ainda, o prazo de prescrição dos juros de 05
(cinco) anos conforme era regra vigente ao tempo (art. 178, § 10, III,
do CC); bem se vê que não há espaço para se falar em prescrição dos
juros da pretensão coletiva, que só ocorreria caso a ação coletiva
tivesse sido ajuizada após 31.01.94.
Tampouco há prescrição dos juros na presente liquidação da pretensão
individual correspondente, cujo termo inicial – convém repetir – é o
trânsito em julgado da sentença coletiva liquidada ou a data em que ela
se tornou liquidável individualmente. Como isso se estima ocorrido em
03.06.2011, seja aplicando o extinto prazo do art. 178, § 10, III, do
CC/16 (05 anos), seja o novo prazo do art. 205, § 3º, III, do CC/02 (03
anos), bem se vê que não houve o termo em vista do ajuizamento da
presente liquidação em 31.08.2012.
INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO DIANTE DA LIMITAÇÃO TERRITORIAL DO ART. 16 DA LEI 7.347/85
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do
Resp 1.243.887-PR (Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 19.10.2011) – no
mais importante precedente relativo a processo coletivo nos últimos 20
(vinte) anos -, estabeleceu que uma vez fixada a validade da sentença
sobre território diverso daquele em que situado o órgão prolator, não
compete ao juízo da liquidação/execução negar a existência de título na
execução aforada fora daqueles limites, verbis: “1.1. A liquidação e a
execução individual de sentença genérica proferida em ação civil
coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário,
porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a
lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi
decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a
qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468,
472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC). 1.2. A sentença genérica proferida na
ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o Banestado ao
pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de
poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da
instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração
do seu alcance em sede de liquidação/execução individual, sob pena de
vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação
contida no art. 2º-A, caput, da Lei n. 9.494/97”.
E esse entendimento superior vem sido reverberado no âmbito do TJSP,
inclusive, para os casos de liquidação imprópria decorrentes da mesma
sentença ora liquidada (Agravo de Instrumento 0046921-03.2012.8.26.000,
Rel. Paulo Pastore Filho, 17ª Câmara de Direito Privado, j. 30.06.2012).
No caso, o título executivo deixou patenteado que poderão
liquidar/executar a sentença todo e qualquer poupador do Banco Nossa
Caixa (sucedido pela liquidada), ainda que não associado do IDEC, que
tenha poupança em janeiro de 1989, com aniversário na primeira quinzena.
Diante, portanto, da ausência de restrição aos limites territoriais
da sentença liquidada, não é lícito ao juízo se imiscuir na questão,
forte no impedimento do art. 475-G do CPC.
Convém destacar, ademais, que o juízo prolator da sentença liquidada é
sediado na Capital do Estado, com competência, portanto, para prolação
de sentenças relativas a danos nacionais como o presente (art. 93, II,
do CDC), o que afasta qualquer nulidade do título executivo liquidado.
Mesmo que não por isso, vale sempre apontar a existência de fundadas
dúvidas sobre a constitucionalidade, oportunidade e eficácia do art. 16
da Lei 7.347/85 (e art. 2º-a da Lei 9.494/97), conforme razões
constantes de trabalho acadêmico que publicamos, e que pedimos venia
para transcrever:
“O art. 16 da Lei 7.347/85 e o art. 2º-A da Lei 9.494/97 são as
maiores provas de que a legislação processual coletiva brasileira
avançou nos últimos 30 anos. Mas também teve grandes retrocessos.
De fato, sendo o poder público o maior demandado em sede de processo coletivo (de todas as naturezas), mais que depressa o Poder Executivo Federal, com o absoluto beneplácito do Congresso Nacional, deu um jeito de limitar o alcance da tutela coletiva (especialmente quando ele for o demandado).
O art. 16 da Lei 7.347/85, com a redação que lhe foi emprestada pela Lei 9.494/97 (que antes foi Medida Provisória 1570-4), estabelece que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de prova nova”.
A regra, por assim dizer, quebra por completo o espírito do processo coletivo, de tutelar molecularmente o conflito e ampliar a abrangência da decisão para beneficiar todos os interessados. Pois ao restringir o alcance da decisão “aos limites de competência do órgão prolator”, a disposição faz com que os efeitos da coisa julgada coletiva só valham dentro do território (Comarca ou da Subseção Judiciária) sobre qual tem o órgão prolator (juízo ou Tribunal) competência, obrigando ao ajuizamento de um sem número de ações civil públicas para a tutela de todos os prejudicados pela ofensa aos direitos e interesses coletivos.
A doutrina é uniforme ao indicar a inconstitucionalidade, a ineficácia e a falta de lógica do dispositivo.
Inconstitucional porque quebra a regra da proporcionalidade, e ao assim fazer viola o princípio do devido processo constitucional na sua faceta material (art. 5º, LIV, da CF), que impõe ao legislador o dever de elaborar normas de acordo com os interesses sociais. Afinal, todo o poder emana do povo (art. 1º, parágrafo único, da CF), não sendo lícito ao legislador estabelecer regras contrárias ao interesse público (primário).
Ineficaz, pois quando houve alteração do art. 16 da Lei 7.347/85 – aplicável especialmente à tutela dos direitos difusos – não se acautelou o legislador em reformar, também, a regra do art. 103 e incisos do CDC. Como é da composição da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor que temos o núcleo do nominado microssistema processual coletivo – cujas regras, mais do que se subsidiarem, se interpenetram formando um todo harmônico e único (vide item 7.9 supra) – a alteração não surtiu efeitos. Afinal, diante da redação do art. 103, I, do CDC, no sentido de que a coisa julgada é erga omnes, sem menção a limitação territorial alguma, de certo que em vista do princípio da máxima efetividade do processo coletivo (vide item 7.6 supra), o sistema preferirá a aplicação desta regra em detrimento do art. 16 da LACP. Assim, não haverá limitação territorial alguma à coisa julgada coletiva.
Finalmente, a regra seria ilógica porque o legislador misturou, em absoluta falta de técnica, os conceitos de coisa julgada e competência. Isto porque os efeitos emanados da decisão e imutabilizados pela coisa julgada, não são contidos pela competência (capacidade de aplicar o direito ao caso concreto) do órgão jurisdicional. A sentença proferida por um Juiz de Direito da menor Comarca do país, tem efeitos em todo o território nacional e, em determinados casos, até fora do país. Ninguém cogitaria que um casal divorciado nesta Comarca, ou um devedor aí condenado a pagar determinada quantia em dinheiro, deixasse de ser divorciado ou não mais tivesse a dívida no exato instante que cruzasse fisicamente a fronteira da Comarca. Não faz o mínimo sentido, assim, que uma decisão proferida em um processo coletivo esteja adstrita aos limites do território do órgão prolator, quando no processo individual o modelo é totalmente contrário.
A jurisprudência, especialmente do STJ, tem inúmeros precedentes enfrentando a problemática do art. 16 da LACP. Dois, contudo, merecem especial destaque.
A Corte Especial do STJ tinha precedente consolidado no sentido da eficácia do art. 16 da Lei 7.347/85 (EREsp 293.407/ SP, Rel. Min. João Otávio Noronha, DJ 01/08/2006; no mesmo sentido: STJ, Resp. 399.357/SP, j. 05.10.2009, 2ª Seção).
Este entendimento da Corte Especial pela eficácia do art. 16 da Lei 7.347/85, contudo, sofreu forte baque recentemente. No julgamento do Resp. 1.24.887-PR, a mesma Corte Especial do STJ reformulou seu entendimento e passou a admitir – com a mais absoluta propriedade – que a limitação dos efeitos da coisa julgada no processo coletivo não é feita à luz desta disposição, mas sim do pedido do autor acolhido pelo Judiciário. Em outros termos, o que o STJ estabelece doravante é que os efeitos da coisa julgada coletiva para fora dos limites da competência do órgão territorial têm a ver com aquilo que ficou decidido na sentença, e não com o disposto no art. 16 da Lei 7.347/85. Assim, observada a regra de competência para o processamento de ações cujos danos (ou prováveis danos) tenham âmbito local, regional ou nacional (art. 91 do CDC), a coisa julgada coletiva poderá valer, inclusive, para fora dos limites de competência territorial do órgão prolator, beneficiando indistintamente a todas as vítimas (e sucessores) do evento.
(…)
Com este entendimento – o mais importante precedente de processo coletivo dos últimos 20 anos – o STJ corrige os rumos do processo coletivo brasileiro e resolve, de quebra, dois problemas práticos que, até então, não tinham solução aparente. Primeiro, ratifica a possibilidade de reunião, para julgamento conjunto por um único juízo, de ações coletivas conexas e litispendentes (item 10 infra), com a possibilidade de a decisão proferida pelo juízo prevento valer, inclusive, na Comarca ou Subseção Judiciária de onde proveio um ou mais processos reunidos. E segundo, permite que a decisão proferida na ação civil pública para a tutela dos direitos difusos – que pela sua própria natureza tem como titulares sujeitos indeterminados e indetermináveis, muitos deles domiciliados em Comarcas e Subseções Judiciárias diversas – possam, todos, ser beneficiados pela tutela coletiva“.
(GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Direitos difusos e coletivos: teoria geral do processo coletivo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 76/80)
De fato, sendo o poder público o maior demandado em sede de processo coletivo (de todas as naturezas), mais que depressa o Poder Executivo Federal, com o absoluto beneplácito do Congresso Nacional, deu um jeito de limitar o alcance da tutela coletiva (especialmente quando ele for o demandado).
O art. 16 da Lei 7.347/85, com a redação que lhe foi emprestada pela Lei 9.494/97 (que antes foi Medida Provisória 1570-4), estabelece que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de prova nova”.
A regra, por assim dizer, quebra por completo o espírito do processo coletivo, de tutelar molecularmente o conflito e ampliar a abrangência da decisão para beneficiar todos os interessados. Pois ao restringir o alcance da decisão “aos limites de competência do órgão prolator”, a disposição faz com que os efeitos da coisa julgada coletiva só valham dentro do território (Comarca ou da Subseção Judiciária) sobre qual tem o órgão prolator (juízo ou Tribunal) competência, obrigando ao ajuizamento de um sem número de ações civil públicas para a tutela de todos os prejudicados pela ofensa aos direitos e interesses coletivos.
A doutrina é uniforme ao indicar a inconstitucionalidade, a ineficácia e a falta de lógica do dispositivo.
Inconstitucional porque quebra a regra da proporcionalidade, e ao assim fazer viola o princípio do devido processo constitucional na sua faceta material (art. 5º, LIV, da CF), que impõe ao legislador o dever de elaborar normas de acordo com os interesses sociais. Afinal, todo o poder emana do povo (art. 1º, parágrafo único, da CF), não sendo lícito ao legislador estabelecer regras contrárias ao interesse público (primário).
Ineficaz, pois quando houve alteração do art. 16 da Lei 7.347/85 – aplicável especialmente à tutela dos direitos difusos – não se acautelou o legislador em reformar, também, a regra do art. 103 e incisos do CDC. Como é da composição da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor que temos o núcleo do nominado microssistema processual coletivo – cujas regras, mais do que se subsidiarem, se interpenetram formando um todo harmônico e único (vide item 7.9 supra) – a alteração não surtiu efeitos. Afinal, diante da redação do art. 103, I, do CDC, no sentido de que a coisa julgada é erga omnes, sem menção a limitação territorial alguma, de certo que em vista do princípio da máxima efetividade do processo coletivo (vide item 7.6 supra), o sistema preferirá a aplicação desta regra em detrimento do art. 16 da LACP. Assim, não haverá limitação territorial alguma à coisa julgada coletiva.
Finalmente, a regra seria ilógica porque o legislador misturou, em absoluta falta de técnica, os conceitos de coisa julgada e competência. Isto porque os efeitos emanados da decisão e imutabilizados pela coisa julgada, não são contidos pela competência (capacidade de aplicar o direito ao caso concreto) do órgão jurisdicional. A sentença proferida por um Juiz de Direito da menor Comarca do país, tem efeitos em todo o território nacional e, em determinados casos, até fora do país. Ninguém cogitaria que um casal divorciado nesta Comarca, ou um devedor aí condenado a pagar determinada quantia em dinheiro, deixasse de ser divorciado ou não mais tivesse a dívida no exato instante que cruzasse fisicamente a fronteira da Comarca. Não faz o mínimo sentido, assim, que uma decisão proferida em um processo coletivo esteja adstrita aos limites do território do órgão prolator, quando no processo individual o modelo é totalmente contrário.
A jurisprudência, especialmente do STJ, tem inúmeros precedentes enfrentando a problemática do art. 16 da LACP. Dois, contudo, merecem especial destaque.
A Corte Especial do STJ tinha precedente consolidado no sentido da eficácia do art. 16 da Lei 7.347/85 (EREsp 293.407/ SP, Rel. Min. João Otávio Noronha, DJ 01/08/2006; no mesmo sentido: STJ, Resp. 399.357/SP, j. 05.10.2009, 2ª Seção).
Este entendimento da Corte Especial pela eficácia do art. 16 da Lei 7.347/85, contudo, sofreu forte baque recentemente. No julgamento do Resp. 1.24.887-PR, a mesma Corte Especial do STJ reformulou seu entendimento e passou a admitir – com a mais absoluta propriedade – que a limitação dos efeitos da coisa julgada no processo coletivo não é feita à luz desta disposição, mas sim do pedido do autor acolhido pelo Judiciário. Em outros termos, o que o STJ estabelece doravante é que os efeitos da coisa julgada coletiva para fora dos limites da competência do órgão territorial têm a ver com aquilo que ficou decidido na sentença, e não com o disposto no art. 16 da Lei 7.347/85. Assim, observada a regra de competência para o processamento de ações cujos danos (ou prováveis danos) tenham âmbito local, regional ou nacional (art. 91 do CDC), a coisa julgada coletiva poderá valer, inclusive, para fora dos limites de competência territorial do órgão prolator, beneficiando indistintamente a todas as vítimas (e sucessores) do evento.
(…)
Com este entendimento – o mais importante precedente de processo coletivo dos últimos 20 anos – o STJ corrige os rumos do processo coletivo brasileiro e resolve, de quebra, dois problemas práticos que, até então, não tinham solução aparente. Primeiro, ratifica a possibilidade de reunião, para julgamento conjunto por um único juízo, de ações coletivas conexas e litispendentes (item 10 infra), com a possibilidade de a decisão proferida pelo juízo prevento valer, inclusive, na Comarca ou Subseção Judiciária de onde proveio um ou mais processos reunidos. E segundo, permite que a decisão proferida na ação civil pública para a tutela dos direitos difusos – que pela sua própria natureza tem como titulares sujeitos indeterminados e indetermináveis, muitos deles domiciliados em Comarcas e Subseções Judiciárias diversas – possam, todos, ser beneficiados pela tutela coletiva“.
(GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Direitos difusos e coletivos: teoria geral do processo coletivo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 76/80)
Diante de todos esses termos, há sim título executivo em favor do
liquidante, de modo que falece razão ao argumento do banco liquidado.
POSSIBILIDADE DE LIQUIDAÇÃO/EXECUÇÃO EM FORO DIVERSO DA CONDENAÇÃO
Os artigos 103, § 3º e 104, do CDC, possibilitam à vítima (ou
sucessores) do evento narrado na ação coletiva para a tutela dos
interesses e direitos individuais homogêneos, transportar in utilibus,
para o plano individual, a sentença lá proferida.
No caso, a ação coletiva fixou os direitos dos poupadores do banco
sucedido pelo liquidado, a receber correção monetária não aplicada aos
saldos existentes à época. Podem, por conseguinte, os correntistas ou
seus sucessores liquidar/executar a sentença coletiva para apurar o
valor que individualmente será recebido (art. 97 do CDC).
Tratando-se de direitos individuais liquidados/executados, os
beneficiários são as vítimas e sucessores. Não há, em princípio, valores
vertidos ao fundo de reparação de bens e direito lesados (art. 13 da
Lei 7.347/85), vez que nos direitos e interesses individuais homogêneos
os seus titulares são identificáveis (ao menos nesta fase de
liquidação/execução).
Por conseguinte, a ação poderá ser ajuizada no domicílio da vítima
ou sucessores dela, na forma do art. 101, I, do CDC (vez que se trata de
ação de responsabilidade civil), ou mesmo no juízo da ação coletiva
(art. 98, § 2º, I, CDC).
Esse é o entendimento atual do STJ, que “considerando o princípio da
instrumentalidade das formas e do amplo acesso à Justiça, desponta como
um consectário natural dessa eficácia territorial a possibilidade de os
agravados, consumidores titulares de direitos individuais homogêneos,
beneficiários do título executivo havido na Ação Civil Pública,
promoverem a liquidação e a execução individual desse título no foro da
comarca de seu domicílio. Não há necessidade, pois, que as execuções
individuais sejam propostas no Juízo ao qual distribuída a ação
coletiva” (STJ, AgRg no Resp755.429-PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª
Turma, j. 17.12.2009).
Entendimento contrário, ademais, inviabilizaria a própria existência
do juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital, que ocupada com as
milhares de liquidações/execuções das pretensões individuais
correspondentes à tutela na sentença coletiva, não teria nem estrutura
física e nem mental para o processamento das demais ações que,
naturalmente, lhe competem.
A POUPANÇA DO POLO ATIVO ANIVERSARIA NA 2ª QUINZENA DO MÊS DE JANEIRO/89
A poupança do polo ativo, conforme extrato de fls. 09, aniversaria na primeira quinzena de janeiro de 1989.
Resta, portanto, afastada a tese do banco requerido.
NECESSIDADE DE PRÉVIA CITAÇÃO DO BANCO REQUERIDO PARA O PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA POR ARTIGOS
Há alguns julgados do TJSP dispensando a liquidação de sentença de
casos como o presente, sob o fundamento de que a apuração do quantum
devido depende, exclusivamente, de cálculos realizáveis pelo próprio
credor, na forma do art. 475-B do CPC (Agravo de Instrumento
0207810-62.2011.8.26.0000, 17ª Câmara de Direito Privado, Rel. Paulo
Pastore Filho, j. 25.04.2012) (Agravo de Instrumento
0014469-66.2011.8.26.0451, 37ª Câmara de Direito Privado, Rel. Sérgio
Gomes, j. 23.04.2013).
Esse, contudo, não é o entendimento do juízo local.
Primeiro, porque o título executivo liquidado é expresso no sentido
da necessidade de prévia liquidação, o que impede que essa outra
instância deliberem em sentido contrário, na forma do art. 475-G do CPC.
E segundo, porque é da essência do modelo da liquidação da pretensão
individual correspondente havida no processo coletivo (individuais
homogêneos) o prévio processo de liquidação (imprópria), na forma do
art. 97 e ss. do CDC, onde o liquidante, com base na certidão da
extraída da sentença coletiva (art. 98, § 1º, do CDC) deve provar não só
o quantum debeatur, mas também que se enquadra nos parâmetros
estabelecidos na sentença coletiva.
No sentido do exposto há precedentes do TJSP sustentando a
imprescindibilidade do processo de liquidação (imprópria) de sentença
para os casos decorrentes da sentença coletiva obtida pelo IDEC contra o
Banco do Brasil, oportunidade em que deverá o liquidante comprovar não
só atender aos critérios estabelecidos na ação coletiva, mas também o
quantum debeatur (Agravo de Instrumento 0012798-76.2012.8.26.0000, Rel.
Fernandes Lobo, 22ª Câmara de Direito Privado, j. 27.09.2012).
Assim, a tese do liquidado fica prejudicada, vez que o juízo local
determinou o regular processamento da liquidação por artigos (art. 475-E
e F do CPC), oportunizando ao liquidado, então, o controle da adequação
da situação do liquidante às balizas estabelecidas na sentença
coletiva.
O ÍNDICE EM FEVEREIRO DE 1989 DEVE SER DE 10,14% POR DECORRÊNCIA LÓGICA DA APLICAÇÃO DO ÍNDICE DE 42,72% EM JANEIRO DE 1989
A tese da instituição financeira de que deverá haver uma suposta
compensação entre os valores reclamados e reconhecidos na sentença
coletiva relativos a janeiro/1989 (42,72%), com os valores pagos a maior
pela aplicação do índice de 18,3540% de fevereiro/1989 (que na verdade
deveria ser de 10,14%), extravasa por completo os limites do decidido no
âmbito coletivo.
Com efeito, para que se operasse a suposta compensação era
indispensável que tal questão fosse debatida na ação que teve curso na
6ª Vara da Fazenda Pública da Capital (SP), e que a sentença coletiva
expressamente a destacasse, algo que, lendo e relendo a certidão
acostada à inicial (art. 98, § 1º, do CDC), não encontrei.
Assim, se eventualmente houve pagamento a maior no mês de fevereiro
(18,3540% em detrimento de 10,14%), não será por essa via da liquidação
de sentença que o banco terá o reconhecimento da ocorrência.
Fica afastada, portanto, a inovadora arguição.
INCIDÊNCIA DE JUROS REMUNERATÓRIOS APENAS EM FEVEREIRO DE 1989
A sentença da ação coletiva previu claramente, através da decisão
proferida em 08.06.2011, a aplicação de juros contratuais
(remuneratórios) de 0,5%, tendo tal disposição transitada em julgado.
Assim, mencionado encargo deve compor o cálculo do pedido de liquidação
em todo o período de inadimplemento.
Afinal, os juros remuneratórios são devidos durante todo o período
contratual, porquanto é sabido que eles integram a obrigação principal
do contrato de depósito (poupança).
Por conseguinte, eles devem incidir mês a mês sobre a diferença entre
os índices de atualização devidos e aplicados, contados a partir de
quando deveriam ter incidido, até o momento de seu efetivo pagamento.
Não é demais lembrar que o banco-depositário tem, desde 1989, em seu
poder, para seu uso e benefício, e durante todo o tempo e até que se dê o
pagamento correto, o valor que deveria ter pago ao depositante, de
forma que a devolução pura e simples, sem a remuneração contratada,
equivalerá a enriquecimento sem causa, em detrimento do patrimônio do
poupador.
O TJSP, apreciando casos idênticos ao presente, tem assim se
posicionado majoritariamente, o que confirma o acerto do ponto de vista
ora defendido (Agravo de Instrumento 0280460-10.2011.8.26.0000, Rel.
Paulo Pastore Filho, 17ª Câmara de Direito Privado, j. 24.10.2012)
(Agravo de Instrumento 0216573-18.2012.8.26.0000, Rel. Afonso Bráz, 17ª
Câmara de Direito Privado, j. 16.04.2013).
Portanto, não há espaço para a estapafúrdia tese de que os juros só
incidiriam em fevereiro/1989 simplesmente porque a sentença não afirmou,
expressamente, que deveriam incidir durante todo o período.
Tampouco há sentido para a tese de que os embargos de declaração
opostos pelo MP na ação coletiva, não poderiam extravasar os limites do
pedido inicial do próprio IDEC, vez que eventual nulidade foi sanada
pela coisa julgada material e não pode ser objeto de inovação em sede
liquidatória (art. 475-G do CPC).
INCIDÊNCIA DE JUROS MORATÓRIOS DESDE A CITAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
Com a mais absoluta propriedade o banco liquidado afirma que os juros
de mora, na liquidação de sentença coletiva, deve ter por termo inicial
a data da citação do incidente/ação.
E duas são as razões para justificar tal entendimento.
Primeiro, porque não se pode afirmar que a instituição financeira
liquidada estivesse em mora, quando o polo ativo não havia sequer
exercido a pretensão creditícia objeto da presente demanda (art. 396 do
CC).
E segundo, pois sendo a condenação coletiva genérica (art. 95 do
CDC), não se positiva obrigação líquida (exatamente o que se busca no
presente incidente), o que afasta a mora enquanto não ocorrente a
competente interpelação (art. 397 e parágrafo único, do CC), que no caso
se deu com a citação para a presente medida.
Esse, aliás, o entendimento atual do STJ a respeito do tema, verbis:
“Reconhecida a procedência do pedido em ação civil pública destinada a
reparar lesão a direitos individuais homogêneos, os juros de mora
somente são devidos a partir da citação do devedor ocorrida na fase de
liquidação de sentença, e não a partir de sua citação inicial na ação
coletiva. De acordo com o art. 95 do CDC, a sentença de procedência na
ação coletiva que tenha por causa de pedir danos referentes a direitos
individuais homogêneos será, em regra, genérica, dependendo de
superveniente liquidação. Essa liquidação serve não apenas para apuração
do valor do débito, mas também para aferir a titularidade do crédito,
razão pela qual é denominada pela doutrina de “liquidação imprópria”.
Assim, tratando-se de obrigação que ainda não é líquida, pois não
definidos quem são os titulares do crédito, é necessária, para a
caracterização da mora, a interpelação do devedor, o que se dá com a sua
citação na fase de liquidação de sentença” (STJ, AgRg no REsp
1.348.512-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/12/2012).
O raciocínio supra desenvolvido, contudo, não pode ser utilizado no caso presente.
Isso porque a sentença coletiva liquidada é expressa no sentido de
que os juros de mora de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do CC/02, e
depois de 1% ao mês, devem incidir desde a citação.
Assim, ainda que em dissonância com a jurisprudência superior, em
vista da regra da fidelidade da execução ao título (art. 475-G do CPC), e
em respeito à própria garantia constitucional da coisa julgada (art.
5º, XXXVI da CF), prevalece o comando constante da sentença coletiva
transitada em julgado.
No exato sentido do exposto há vários precedentes do TJSP afirmando
que os juros nos casos de liquidação da sentença coletiva obtida pelo
IDEC contra o Banco do Brasil incidem desde a citação para a ação
coletiva, nos termos do que ficou expressamente consignado no título
executivo liquidado (Agravo de Instrumento 0216573-18.2012.8.26.0000,
Rel. Afonso Bráz, 17ª Câmara de Direito Privado, j. 16.04.2013) (Agravo
de Instrumento 0280460-10.2011.8.26.0000, Rel. Paulo Pastore Filho, 17ª
Câmara de Direito Privado, j. 24.10.2012).
ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA PELOS ÍNDICES DA TABELA PRÁTICA DO TJSP
Alega a instituição financeira liquidada que o índice de correção
monetária a ser aplicado é o da própria caderneta de poupança, vez que a
aplicação dos índices da tabela prática do TJSP – além de subsidiários
aos índices contratuais pactuados -, acarretaria desigualdade entre
jurisdicionados de diversas unidades da federação, com prejuízo à regra
constitucional da igualdade (art. 5º, caput, da CF).
Contudo, o uso dos índices da própria poupança trará nova discussão
acerca dos índices de março, abril e maio de 1990, já solvida pela
jurisprudência, razão pela qual, para que não se eternize o litígio, a
adoção da Tabela Prática Bandeirante é de rigor.
A inclusão dos índices dos demais planos econômicos, que não o objeto
da ação civil pública, ademais, decorre da atualização do poder
aquisitivo da moeda, sem representar acréscimo ao quantum devido pelo
banco e sem importar desvirtuamente da regra da fidelidade da liquidação
ao título (art. 475-G do CPC).
Note-se, inclusive, que na esteira da condicionante havida no título
liquidado, o presente entendimento não autoriza poupadores com saldo em
caderneta de poupança nos períodos relativos aos demais planos
econômicos frustrados (Bresser, Collor I e Collor II) a promover
liquidação com base na sentença aqui tratada, que se limita a condenar o
banco embargante ao pagamento de expurgos inflacionários relativos às
perdas de 1989.
Também no âmbito do TJSP já se encontram posicionamentos no sentido
da aplicação da tabela prática para correção dos créditos decorrentes da
sentença coletiva promovida pelo IDEC, firma na tese de que não há
violação alguma às premissas estabelecidas no título liquidado, ou mesmo
ao princípio da igualdade constitucional (Agravo de Instrumento
0204306-14.2012.8.26.0000, Rel. Afonso Bráz, 17ª Câmara de Direito
Privado, j. 16.04.2013) (Embargos de Declaração
0207810-62.2011.8.26.00000, Rel. Paulo Pastore, 17ª Câmara de Direito
Privado, j. 04.07.2012) (Agravo de Instrumento
0578586.48.2010.8.26.0000, Rel. Antonio Ribeiro, 15ª Câmara de Direito
Privado, j. 26.04.2011).
ABSOLUTA GENERALIDADE DA CONTESTAÇÃO AO PRESENTE PROCEDIMENTO
LIQUIDATÓRIO E PREVALÊNCIA DOS CÁLCULOS APRESENTADOS PELO POLO ATIVO
A contestação ao presente procedimento liquidatório é absolutamente
genérica, fugindo da regra da impugnação especificada prevista no art.
302 do CPC.
Por conseguinte, presumem-se como incontroversos os cálculos de
liquidação apresentados pelo polo ativo (art. 334, III, do CPC), que,
ademais, simplesmente espelham o comando da sentença coletiva ora
liquidada.
É um engano pensar, ademais, que o procedimento de liquidação
(imprópria) da pretensão individual correspondente à tutelada na
sentença coletiva não possa ser julgado antecipadamente, sem a
realização de perícia ou prova em audiência.
Primeiro, porque conforme regra do art. 475-F do CPC, aplica-se ao
procedimento da liquidação por artigos, ainda que adaptada às nuances do
processo coletivo, o procedimento comum, onde há previsão expressa do
julgamento antecipado do mérito (art. 330, I, do CPC).
E segundo, porque já tendo o polo ativo, documentalmente, comprovado
se enquadrar nos parâmetros estabelecidos na sentença coletiva, bem como
demonstrado, analiticamente, a correção de sua conta, não há sentido
para que se postergar a prolação da decisão neste feito, ainda mais
diante da regra da tempestividade prevista no art. 5º, LXXVIII, da CF.
Fica dispensada, por isso, qualquer providência instrutória outra
(especialmente perícia contábil) para determinar o quantum devido, que
só depende de cálculo aritmético não impugnado adequadamente pelo banco
liquidado.
III. DECISÃO
Poso isso, JULGO PROCEDENTE a presente liquidação da
pretensão individual correspondente (por artigos), fixando o valor
indenizatório devido em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para
janeiro/2012, em valores que serão objeto de atualização conforme
sentença liquidada ao tempo do pagamento; e assim o faço com resolução
do mérito da liquidação, nos termos do art. 269, I, do Código de
Processo Civil.
Tratando-se de liquidação autônoma (art. 475-E e F c.c. art. 475-J,
parágrafo único, ambos do CPC, e art. 97 do CDC) – em que pese a
natureza interlocutória da decisão (art. 475-H do CPC) -, não resta
dúvida de que há sucumbência do banco liquidado, que pagará as despesas
processuais (custas antecipadas) e honorários da parte adversa, ora
fixados (inclusive nos termos da sentença liquidanda) em 10% do valor
devido (atualizado). Tais valores, ao tempo do cumprimento de sentença,
serão acrescidos ao valor principal reconhecido para execução conjunta.
Aguarde-se o decurso de prazo para eventual agravo e/ou a comunicação da concessão de efeito suspensivo por 30 (trinta) dias.
Após, intime-se por minuta o doravante exequente a apresentar cálculo
atualizado do crédito nos termos do aqui decidido e, via advogado
constituído, intime-se o devedor para pagamento em 15 dias, sob pena de
multa de 10% (art. 475-J do CPC).
Int.
Local e data
FERNANDO DA FONSECA GAJARDONI
Juiz de Direito"
Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/fernandogajardoni/2013/05/07/liquidacao-da-pretensao-individual-correspondente-art-97-do-cdc-a-questao-dos-expurgos-inflacionarios-de-janeiro1989/
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