Apesar
de inserida em grande número dos contratos, o tratamento jurídico da
cláusula penal ainda gera inúmeras controvérsias, sendo seu estudo
sempre atual e relevante para a prática jurídica. Como já se teve
oportunidade de afirmar (Migalhas 17/9/12),
a jurisprudência do STJ tem sido reiteradamente chamada à resolução de
relevantes questões no que toca a este pacto acessório. Dentro das
inúmeras discussões atuais, o presente texto fixa-se no estabelecimento
das diferentes funções da penalidade contratual e, a partir delas, na
possibilidade de exigir-se indenização suplementar.
O pano de fundo da discussão está no julgamento do REsp 1.355.554,
noticiado em destaque no sítio eletrônico do STJ em janeiro de 2013, no
qual o Tribunal confirmou a possibilidade de cumulação da cláusula
penal moratória e a indenização por perdas e danos, independentemente da
estipulação contratual acerca desta possibilidade. Tratava-se de
discussão envolvendo uma relação de consumo, no qual o casal adquirente
de um imóvel, cuja entrega atrasara, exigia tanto o pagamento da multa
moratória como a indenização por lucros cessantes, estes consistentes no
aluguel que se deixou de ganhar.
A compreensão do
entendimento tomado em referido julgamento perpassa o estudo das
diferentes funções exercidas pela cláusula penal. Em verdade, dadas as
peculiaridades de cada espécie, melhor seria falar-se em cláusulas
penais, no plural. Quer dizer que, pese embora a denominação única, o
conteúdo de cada uma das figuras é diverso, pelo que o tratamento
diferenciado é justificado.
Os contratantes
podem estipular cláusula penal, sendo esta sempre voluntária. Uma vez
contratada, no entanto, sua aplicação é cogente. O art. 409 do CC/02
deixa clara a possibilidade de contratação de cláusula penal incidente
sobre diferentes situações, em especial, o não cumprimento da obrigação
ou a mora, simplesmente. O rol é nitidamente exemplificativo, pois, não
infringindo a lei, a autonomia das partes pode criar cláusulas penais
especiais. Mas limitemo-nos a duas espécies: moratória e compensatória.
Na primeira,
decorrente da mora no cumprimento da obrigação, o devedor moroso haverá
de pagar a prestação (pois continua a ela obrigado) acrescido do valor
estipulado a título de multa moratória. Resta evidente que o mero
pagamento da cláusula penal não tem o condão de satisfazer do credor, o
que se dará com o cumprimento da prestação. É o típico exemplo da multa
estipulada para atraso no pagamento de determinada prestação, como
aquela derivada de cotas condominiais em atraso, ou mesmo de pagamento
referente à locação de imóveis: o pagamento da multa não afasta o
pagamento do valor principal, que permanece devido.
Em situação
diametralmente oposta está a chamada cláusula penal compensatória.
Nesta, o pagamento da multa correspondente exonera o devedor do
cumprimento da obrigação principal, sendo, portanto, dela substitutiva
(sendo este o sentido da alternatividade disposta no art. 410,
CC/02). Trata-se de uma cláusula que pré-liquida a indenização devida
pelo descumprimento da obrigação, havendo ou não danos.
Não se pode deixar
de notar, no entanto, que também a cláusula penal moratória é devida
independentemente de qualquer efetivo dano, o que poderia levar à
compreensão aproximada de sua função de também pré-liquidar danos. É
dizer: os contratantes ajustam valor anteriormente determinado de
indenização que será devido de forma cumulativa à prestação principal.
Ainda que não seja sua função primordial, seria possível seu
reconhecimento e, mais, este afastaria a possibilidade de reparação
suplementar de danos?
No caso supra
mencionado, a discussão cingia-se justamente à complementação da multa
com as perdas e danos. Ao entendimento do ministro relator Sidnei
Benetti, o cumprimento da obrigação (no caso, a entrega do imóvel), o
pagamento da multa moratória e a indenização por perdas e danos são
cumuláveis. A fundamentação está no fato de que a reparação de danos
decorre naturalmente do próprio sistema de responsabilidade civil, não
sendo afastada pela contratação da cláusula penal de natureza moratória.
Na visão do
julgado, e da jurisprudência do STJ, a cláusula penal em casos de mora
não teria função de pré-liquidação de danos como se dá na compensatória
(que afasta a indenização suplementar), daí porque poderia ser cumulada
com a indenização a este título. A questão é interessante e, dado o teor
da decisão, permite que sejam traçadas algumas importantes conclusões e
reflexões.
Salvo estipulação
em contrário, o valor da cláusula penal não poderá ser complementado. É
este o disposto no art. 416, parágrafo único, CC/02. Ao assim proceder,
estar-se-ia quebrando a lógica do sistema, em especial quanto à função
de pré-liquidação de danos, e transformando a cláusula penal em um fim
em si mesmo, cuja incidência seria adicional à garantia legal de
reparação de danos. O artigo legal não faz distinção entre as cláusulas
compensatória e moratória. Adotado o entendimento do julgado, a
conclusão seria pela incidência do disposto apenas à cláusula
compensatória, afastada sua aplicação nos casos de multa moratória.
Ao assim proceder,
distingue-se de maneira precisa as funções de cada cláusula, tornando
evidente que suas hipóteses de incidência são diversas, tal como a
lógica de cada qual. À cláusula compensatória, restaria a função
primordial de pré-fixar o valor da indenização; à cláusula moratória,
restaria a função única de prevenir o descumprimento da obrigação, sem
que se possa falar em pré-liquidação de danos (sendo esta função,
portanto, desconsiderada).
A delimitação de
tais funções é relevante para a prática jurídica, especialmente para o
entendimento acerca da viabilidade e alcance da aposição da multa
moratória em contratações. Não se pode esquecer, por oportuno, que a
temática em torno da cláusula penal há de ser vista sob dois aspectos:
tanto do ponto de vista do credor, que possui facilidade de recebimento
de valores independentemente de comprovação de prejuízos, como do ponto
de vista do devedor, que sabe de antemão a limitação do valor a ser pago
em caso de descumprimento.
Dado que o
entendimento exarado fixa os parâmetros de compreensão da função da
cláusula moratória, independentemente de seu destinatário, não se pode
descurar que também o consumidor pode vir a ser demandado pelo pagamento
cumulado da penalidade pela mora e por perdas e danos (outrossim, a
cláusula penal é, salvo justificativa idônea, bilateral). Foi o que se
deu, por exemplo, no REsp 134445/MS, julgado em 2010 e de relatoria da
ministra Nancy Andrighi, no qual se fez constar: “A multa prevista
pela cláusula penal não deve ser confundida com a indenização por perdas
e danos pela fruição do imóvel, que é legítima e não tem caráter
abusivo quando há uso e gozo do imóvel”.
Por fim, e a título
de provocação, à medida que se entende que a cláusula moratória não
fixa danos previamente, mas apenas serve para punir o atraso, as perdas e
danos que podem ser exigidas incluem ou não o valor já pago a título de
punição? Em outras palavras, a indenização cumulada, sem caráter
suplementar, importaria bis in idem?A elucidação jurisprudencial desta
situação é tão importante quanto a consolidação do entendimento no que
toca às funções exercidas pela penalidade contratual.
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