A lei geral da Copa
é uma lei temporária e tem vigência até o dia 31/12/14. Por ser uma lei
temporária que traz em seu texto a data de sua revogação, ela é dotada
de ultratividade. Na prática e em tese, isso significa que os crimes
tipificados nesta lei e praticados durante a sua vigência, mesmo que
venham a ser julgados posteriormente, a partir de 1/1/15 deverão
observar para fins de aplicação da pena a cominação prevista na lei
geral da Copa, ainda que haja previsão de aplicação de pena posterior
menor.
Mas quais são os
crimes previstos na lei geral da Copa? As disposições penais estão nos
artigos 31 a 35, e, sem exceção, todos os dispositivos penais ali
transcritos tratam de crimes na seara da propriedade intelectual,
consubstanciados na violação de símbolos oficiais e marcas da FIFA, além
do marketing de emboscada, que é a prática de atividade promocional
e/ou divulgação e exposição de marcas, negócios, estabelecimentos,
produtos, serviços, durante os eventos sem a autorização da FIFA ou de
pessoa por ela indicada quando há intenção de obter vantagem econômica
ou publicitária, ou ainda na hipótese de induzir terceiros a acreditar
que tais produtos ou serviços são autorizados ou endossados pela FIFA.
A pena de todos
os crimes previstos na lei geral da Copa é de detenção, de 3 (três)
meses a 1 (um) ano ou multa. No que diz respeito à multa, quando os
delitos forem relacionados às competições, na fixação do valor o juiz
poderá acrescer ou reduzir em até 10 (dez) vezes o limite previsto no
§1º do art. 49 do CP, devendo levar em conta as condições financeiras do autor da infração e da vantagem indevidamente auferida por ele.
A nossa atual lei 9.279/96
(lei da propriedade industrial), por sua vez, em seus artigos 189 e
190, dispõe sobre os crimes contra as marcas. De acordo com a lei da
propriedade industrial, aquele que reproduz marca registrada ou a imita
sem autorização do titular, ou ainda aquele que altera marca registrada
de outrem já aposta em produto colocado no mercado, incorrerá na pena de
detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Já aquele que
importa, exporta, vende, oferece à venda, oculta ou tem em estoque
produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada de
outrem, segundo a lei 9.279/96 responderá por uma pena de detenção
aplicável de 1 (um) mês até 3 (três) meses, ou multa (art. 190).
Se considerarmos
que uma determinada empresa comete um crime contra um dos símbolos
oficiais da FIFA, incorrendo no art. 31 da lei geral da Copa, que
corresponde ao artigo 190 da lei 9.279/96 e, se ainda considerarmos que
essa suposta situação venha a ser decidida no dia 1/1/15, após a
revogação da lei geral da Copa, devemos nos perguntar: qual a lei
aplicável - a lei geral da Copa ou a lei da propriedade industrial
(vigente na data da sentença)?
A questão é
bastante controvertida por se tratar de matéria penal e envolver direito
e garantia constitucional. A despeito de a lei prever a possibilidade
de criação de leis temporárias no campo penal, já destacando aqui a sua
característica quanto à ultratividade (são aplicadas mesmo após sua
auto-revogação), nossa CF/88
dispõe em seu artigo 5º, inciso XL (direito e garantia fundamental),
que a lei penal mais benéfica retroagirá em benefício do réu. É o que a
doutrina denomina de princípio constitucional da retroatividade da lei
penal benéfica.
Assim fica a
dúvida: como serão aplicadas as penas de crimes cometidos durante a
vigência da lei geral da Copa e sentenciados após a sua revogação? Será
que em prol dos interesses da FIFA deveríamos negar vigência às
garantias e direitos fundamentais dos cidadãos, deixando de observar a
primazia dos princípios constitucionais. É um caso a se pensar...
Não podemos
prever o que acontecerá após o encerramento dos eventos esportivos da
Copa de 2014 e não sabemos como o Poder Judiciário irá lidar com este
conflito. Devemos, contudo, debater e exigir que as garantias
constitucionais sobressaiam sobre os interesses particulares e privados
da FIFA, certos de que a população aguarda ansiosa por uma manifestação
do STF neste sentido.
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