A
decisão é incomum na Comarca de Manaus e abre possibilidade para que
outras famílias em situações semelhantes possam pedir esse direito na
Justiça. Dessa decisão ainda cabe recurso.
A união
estável simultânea de um homem com duas mulheres, após a morte dele, foi
reconhecida esta semana pelo juiz de Direito da 4ª Vara de Família e
Sucessões da Comarca de Manaus, Luís Cláudio Cabral Chaves. O processo é
de 2008, iniciado quase dois anos depois do envolvido nos
relacionamentos ter falecido.
Trata-se de uma
decisão incomum nas Varas de Família devido à predominância do
entendimento na Justiça de aplicar as mesmas regras do casamento às
uniões estáveis. As duas mulheres, após a morte do companheiro, ficaram
impedidas de receber os direitos previdenciários e de resolver questões
patrimoniais. A partir de agora, uma vez a sentença transitada em
julgado, as duas poderão requerer esse direito. A decisão também abre
possibilidade para que outras famílias em situações semelhantes possam
pedir esse direito na Justiça. Mas ainda cabe recurso da sentença.
De
acordo com o magistrado, a ideia tradicional de família, para o Direito
brasileiro, era aquela que se constituía pelos pais e filhos unidos por
um casamento, regulado pelo Estado. "A Constituição Federal de 1988
ampliou esse conceito, reconhecendo como entidade familiar a união
estável entre homem e mulher. O Direito passou a proteger todas as
formas de família, não apenas aquelas constituídas pelo casamento, o que
significou uma grande evolução na ordem jurídica brasileira,
impulsionada pela própria realidade", explicou.
Ele
disse ainda que a mesma realidade impõe hoje discussão a respeito das
famílias simultâneas. "Deixar de reconhecê-las não fará com que deixem
de existir. Não se pode permitir que em nome da moral se ignore a ética,
assim como que dogmas culturais e religiosos ocupem o lugar da Justiça
até porque o Estado brasileiro é laico, segundo a Constituição Federal",
acrescentou.
Mesmo com parecer contrário do
Ministério Público, que alegou a ausência de comprovação da existência
dos requisitos para a configuração da união estável, com base nos
artigos 1.723 e 1.724, do Código Civil Brasileiro (CCB), o juiz declarou
"a existência de uniões estáveis paralelas", uma solicitada pela
requerente, por ter vivido com o companheiro por 15 anos até sua morte,
em 2006, e a segunda para outra mulher, que conviveu com o homem desde
1980 até a data do óbito.
Durante as audiências com
o testemunho das duas mulheres e dos interessados (filhos do falecido),
além de depoimentos de vizinhos, colegas de trabalho e conhecidos dos
envolvidos no caso, ficou claro ao magistrado que as duas conviventes
não tinham conhecimento da existência uma da outra e nem dos filhos
gerados nesses relacionamentos.
O homem, que já
tinha sido casado, teve filhos com a esposa e, após separar-se, teria
ido morar com uma das conviventes, com quem teve um casal de filhos;
Enquanto estava vivendo com esta última, teve mais dois filhos com a
outra mulher (requerente).
Jurisprudência
Segundo
o magistrado, a jurisprudência nos Tribunais, quando analisa-se união
estável paralela, é variada e, de modo geral, "grande parte nega
proteção com base no Direito de Família, no princípio da monogamia, ou
com base na mera diferenciação entre concubinato e união estável, gerada
pela simples presença de um impedimento matrimonial".
Mas
há interpretações diferentes, como a apresentada pela desembargadora
aposentada gaúcha Maria Berenice Dias, em sua obra Manual de Direitos
das Famílias, citada pelo juiz em sua sentença: "Cabe questionar o que
fazer diante de vínculo de convivência constituído independente da
proibição legal, e que persistiu por muitos anos, de forma pública,
contínua e duradoura e, muitas vezes, com filhos. Negar-lhe existência,
sob o fundamento da ausência de objetivo de constituir família em face
do impedimento, é atitude meramente punitiva a quem mantém
relacionamentos afastados do referendo estatal".
Em
trecho da decisão, o juiz afirma "não ser razoável no presente caso de
simultaneidade familiar deixar de proteger a autora, gerando-lhe
injustiça, corroborando situações por vezes vexatórias a ela, pois em
não sendo reconhecida a união estável pleiteada, estaria este Juízo
ignorando a situação fática já consolidada no tempo".
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