O ser humano utiliza há séculos a agricultura, a fim de poder
satisfazer suas necessidades alimentares. Todavia, a forma de plantio
que se dava mais para a própria subsistência, a partir dos anos 1950 foi
substituída. As práticas tradicionais da enxada e do arado deram lugar a
tratores e colheitadeiras. O adubo orgânico cedeu espaço a produtos
químicos usados para combater as pragas. Estas mudanças foram chamadas
de “Revolução Verde”.
A exploração do campo passou a ser um
negócio mais complexo e rentável. Por outro lado, a produção de
alimentos em larga escala fulminou a previsão catastrófica de Malthus,
para quem o aumento populacional significaria o fim da humanidade. No
entanto, outros problemas surgiram. Entre eles o uso exacerbado de
produtos químicos, sendo o Brasil o maior consumidor do mundo.
Os
agrotóxicos, ensina Paulo A. Brum Vaz, “são toxinas utilizadas para
matar, controlar ou afastar os organismos indesejados da lavoura, tais
como: os herbicidas (que matam plantas invasoras) e pesticidas,
divididos em inseticidas (que matam diversas espécies de insetos),
fungicidas (que matam fungos), acaricidas (que matam ácaros),
bactericidas (que matam bactérias), algicidas (que matam algas),
rodenticidas (que matam roedores), formicidas (que matam formigas),
molusquecidas (que matam moluscos) e outros” (O Direito Ambiental e os Agrotóxicos, Livraria do Advogado, página 22).
Apesar
de beneficiar a agricultura, eles trazem consigo uma carga de perigo. O
alerta veio da biologista norte-americana Rachel Carson, no livro
“Primavera Silenciosa”, em 1962. Em linguagem simples e argumentos
convincentes, Carson atacou o uso elevado de pesticidas, em especial o
DDT, atribuindo-lhes a origem de doenças como o câncer, além de danos ao
meio ambiente. Apesar de atacada pelas grandes corporações da área, ela
conseguiu abolir o DDT e influenciar na criação da poderosa Agência de
Proteção Ambiental.
No Brasil, o agronegócio assumiu um papel de
grande relevância na economia nacional. Segundo Roberto Rodrigues,
ex-Ministro da Agricultura, no ano passado foi ele a causa de
exportações no valor de US$ 95,8 bilhões. Na outra ponta, os problemas
ambientais agravaram-se, atribuindo-se ao uso excessivo ou irregular dos
agrotóxicos a poluição do solo, dos rios, morte de espécimes da fauna,
além de fundadas suspeitas de aumento de doenças, como o câncer, nos
seres humanos.
Que fazer diante desse cenário complexo e de difícil visualização? E o Direito, qual a sua importância nesse contexto?
A
agricultura, tal qual a economia, está vinculada à proteção do meio
ambiente, conforme dispõe o artigo 186, inciso II, da Constituição, e
artigo 3º, inciso IV, da Lei 8.171/91, que trata da Política Agrícola.
Partindo deste pressuposto, cumpre saber como os agrotóxicos entram no
mercado. A autorização para a venda depende da aprovação do Comitê
Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos (CTA), que é composto por
representantes do Ibama , Ministério da Agricultura e da Anvisa. São
decisões complexas. Vejamos alguns exemplos.
Noticiou a Folha de S.Paulo,
de 7 de abril de 2013, que a Anvisa não liberava agrotóxicos mais
danosos à saúde do que outros já presentes no mercado com o mesmo fim e
princípio ativo, chamados de produtos de referência. Todavia, com base
em parecer emitido pela AGU, foi atendido pedido da CCAB Agro, com o
registro do Acetamiprid. O fato foi analisado no Ministério
Público Federal, que recomendou à Anvisa suspender o registro dos
produtos liberados com base na nova interpretação. O desfecho certamente
se dará no Judiciário.
O jornal O Estado de S. Paulo, de
10 de abril de 2013, informou que o Ministério da Agricultura liberou o
uso de um agrotóxico contendo benzoato de emamectina não registrado no
Brasil, para combater lagartas nas lavouras de algodão e soja. Ocorre
que, em 2007, a Anvisa havia proibido essa substância por considerá-la
tóxica para o sistema neurológico. Provavelmente, a questão irá terminar
nos Tribunais.
Tramitou na Vara Ambiental da Justiça Federal em
Curitiba, PR, ação civil pública proposta pelo Ministério Público
Estadual e a Associação XAMA contra a Anvisa e o Ibama. Os autores
pediram a proibição, cancelamento e impedimento de novo registro de
qualquer agrotóxico que na sua composição química tivesse o produto
2,4-D. Após processada, decidiu a Juíza Sílvia Brollo, em 19 de
fevereiro de 2013, referendar a atuação do Poder Público e a prova
técnica realizada, julgando improcedente a ação (processo
2005.70.00.022808-4/PR).
A entrada de um produto autorizado no
mercado dá-se através da venda, pelas grandes companhias do setor, que
entregarão o material a revendedores que os estocarão, aguardando o
comprador. Estas e outras medidas devem ser feitas com as cautelas
previstas na Lei 7.802/89, no Decreto 4.074/02, Resolução Conama 334/03 e
outros atos administrativos. Não estão nesta fase os problemas. As
multinacionais cumprem as regras de cautela determinadas, não querem
problemas. As dificuldades começam no momento posterior.
Os
adquirentes dos produtos químicos, ou seja, os agricultores, estão
obrigados a utilizá-los com toda cautela. Por exemplo, as embalagens
devem ser devolvidas aos estabelecimentos comerciais revendedores no
prazo de um ano (artigo 53 da Lei 4.074/02). O motivo é claro, elas
podem conter resíduos que venham a envenenar o solo ou a água. Portanto,
o intermediário os receberá do agricultor e os repassará à empresa de
produtos químicos para que sejam reciclados.
Como se dá a
fiscalização de tais atos, em fazendas espalhadas pelo imenso território
nacional? Terão todos os estados meios de fiscalizar com o necessário
rigor? São quase inexistentes precedentes judiciais discutindo as
multas.
A fiscalização é feita por fiscais estaduais
agropecuários, via de regra vinculados às Secretarias da Agricultura. No
Paraná cabe à Adapar (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná),
vinculada à Secretaria da Agricultura e Abastecimento, a liberação do
comércio destes produtos e a fiscalização no campo da correção do uso,
uma vez que eles devem ser prescritos e usados com a estrita observância
das recomendações de rótulo e bula que acompanham os produtos no
mercado.
No âmbito civil, ou seja, ações inibitórias ou
indenizatórias, a dificuldade persiste. Poucos são os precedentes. A
jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul mostra que a
dificuldade maior está em provar o nexo causal entre o uso dos
defensivos e o dano ambiental causado (ACiv. 70007930837, julgada em 24
de maio de 2004), que é possível transferir ao réu o ônus da prova em
casos de pulverização feita por aviões, que causem danos a vizinhos e ao
meio ambiente (AI 70052261971, julgada em 28 de janeiro de 2013) e que o
possuidor de área poluída não pode eximir-se da responsabilidade
alegando não ser proprietário (AI 70034056036, julgado em 31 de março de
2010).
No âmbito penal também são poucos os julgamentos. A
Polícia Civil, exceto em Delegacias especializadas, tem dificuldades em
investigar este tipo de delito. Se não há investigação, não há
precedentes. É rara a jurisprudência, sendo que boa parte diz respeito à
importação irregular de agrotóxicos (v.g., TRF-4, HC 5005492-79.2013.404.0000,
julgado em 21 de março de 2013). Em caso de capina química em lavoura,
crime do artigo 15 da Lei 7.802/89, os réus foram absolvidos no TJ-RS
por falta de perícia (ACr 70.030.511.372, j. 11 de março de 2010).
Vê-se,
pois, que o uso dos agrotóxicos e seus efeitos eventualmente nocivos é
ainda ignorado pela maioria da população e não tem merecido a atenção da
comunidade jurídica. Pouco se sabe sobre o limite do risco, pelos
efeitos cumulativos em nosso organismo, sobre os danos ambientais e à
saúde. Tudo isto está a exigir discussões e debates mais claros, maior
publicidade nas licenças e autorizações.
É necessário: a)
conhecermos a posição da União Europeia, dos Estados Unidos e também dos
nossos vizinhos mais próximos sobre a autorização para a venda de
certos produtos; b) que os autos de infração administrativa dos fiscais
agropecuários sejam remetidos à Polícia ou ao MP para apurar-se a
responsabilidade penal; c) estender-se a competência para fiscalizar à
Polícia Ambiental e aos órgãos municipais; d) o Judiciário ter
jurisprudência consolidada sobre as questões mais polêmicas.
Enfim, necessitamos mais conhecimento e segurança.
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