É
inegável que o tempo é um elemento determinante nas relações sociais
modernas. O estudo dos efeitos do tempo na sociedade foi denominado pelo
filósofo francês Paul Virilio como “dromologia”. Notadamente nas
relações comerciais, o tempo condiciona o sucesso ou o fracasso de um
empreendimento; o estímulo ou o desestímulo a investimentos; a conclusão
ou desfazimento de um negócio. Passando para o campo do direito, o
tempo decorrido entre a lesão do direito e a consecução do remédio
jurisdicional tem drásticas implicações práticas. Esse fator é
considerado pelo empresário no planejamento de suas atividades: alocar
dinheiro em um negócio cujo descumprimento pela parte contrária pode dar
azo a um litígio excessivamente moroso é operação demasiadamente
arriscada, a aumentar os custos ou mesmo impedir a exploração da
atividade.
No campo do financiamento imobiliário, a disponibilidade de crédito
no mercado para que os cidadãos alcancem com mais facilidade o “sonho da
casa própria” depende diretamente da existência de meios que resguardem
a esfera jurídica do credor em caso de inadimplemento. Uma das formas
de garantia das operações de financiamento imobiliário é a denominada
alienação fiduciária de coisa imóvel, regida pelos artigos 22 e
seguintes da Lei 9.541/1997. Enquanto o credor fiduciário é titular da
nua-propriedade e da posse indireta sobre o bem, o devedor fiduciante
mantém apenas a posse direta, em razão do constituto possessório.
A alienação fiduciária é um tipo de negócio fiduciário. O negócio
fiduciário é aquele em que as partes se utilizam de um tipo contratual
de efeitos mais amplos do que o tipo usualmente adotado para o
atingimento de determinada finalidade. Pela alienação fiduciária, as
partes operam a transferência da propriedade, que tem efeitos muito mais
amplos que aquele que desejam atingir: a constituição de garantia.
Constitui-se a alienação fiduciária de bens imóveis pelo registro do
negócio jurídico no Registro de Imóveis competente (artigo 22, caput,
da Lei 9.541/1997). Pode ter por objeto o bem enfitêutico, o direito de
uso especial para fins de moradia, o direito real de uso, desde que
suscetível de alienação, e a propriedade superficiária.
O contrato deve prever um prazo, denominado “prazo de carência”, para
o caso de mora do devedor fiduciante, ao fim do qual o credor
fiduciário pode requerer a expedição de intimação pelo oficial do
competente Registro de Imóveis. Recebida a intimação, o devedor
fiduciante terá 15 dias para satisfazer a prestação vencida e as que se
vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades
e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive
tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das
despesas de cobrança e de intimação, sob pena de consolidar-se a
propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
Uma vez consolidada a propriedade em favor do credor fiduciário, o
ordenamento lhe assegura um procedimento especial, previsto no artigo 30
da Lei 9.541/1997, destinado à célere obtenção da reintegração na posse
do imóvel (o termo “reintegração” é o utilizado pela lei). Segundo o
dispositivo, o titular do direito (credor fiduciário ou sucessor),
comprovando a consolidação da propriedade em seu nome, tem direito à
concessão liminar da reintegração na posse para desocupação do imóvel em
60 dias. Essa comprovação deve ser realizada mediante apresentação do
contrato que serve de título ao negócio fiduciário e do documento que
ateste o recebimento da intimação pelo devedor fiduciante, seu
representante legal ou procurador regularmente constituído (normalmente
será o aviso de recebimento da intimação postal — artigo 26, parágrafo
3º).
O artigo 37-A da Lei 9.541/1997 determina que o fiduciante deve pagar
ao fiduciário uma taxa de ocupação de imóvel, até a data em que o
credor fiduciário, ou seu sucessor, vier a ser imitido na posse do bem. A
taxa de ocupação deve ser paga desde o momento em que a propriedade
concentrar-se nas mãos do credor fiduciário. Foi a posição esposada pelo
STJ no REsp 1.328.656/GO (relator ministro Marco Buzzi, 4ª Turma,
julgado em 16 de agosto de 2012) e no REsp 1.155.716/DF (relatora
ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 13 de março de 2012, DJe
22 de março de 2012).
A Lei não esclarece se a liminar para imissão na posse do imóvel deve ser concedida inaudita altera parte
ou após manifestação do demandado. Poder-se-ia alegar que o silêncio da
Lei impõe a oitiva do réu antes do deferimento da medida. Todavia,
deve-se considerar que outro diploma que versa sobre alienação
fiduciária, o Decreto-Lei 911/1969, ao tratar da busca e apreensão de
bem móvel fiduciariamente alienado, é claro ao estabelecer que a
concessão de liminar deve ocorrer sem a oitiva do réu (artigo 3º,
parágrafo 3º). Questiona-se, contudo, a constitucionalidade da previsão,
à luz do princípio do contraditório (artigo 5º, LV, da CRFB). Na
situação, frise-se, não há risco de grave dano de difícil reparação a
embasar uma tutela de urgência com fulcro no artigo 273 do CPC.
Luiz Guilherme Marinoni, ao apreciar o procedimento do Decreto-Lei 911/1969, afirma que a concessão da liminar inaudita altera parte
é inconstitucional, pois a postergação da defesa não é imprescindível
para a efetividade da tutela do direito. Assim, segundo o autor, não há
qualquer legitimidade em subordinar o direito de o devedor apresentar
defesa à entrega do bem objeto do contrato (MARINONI, Luiz Guilherme.
Antecipação de tutela. 11ª ed. São Paulo: RT, 2009. p. 33).
Entretanto, a análise da imprescindibilidade do diferimento do
contraditório para a efetividade do provimento final é própria das
tutelas de urgência. No processo civil moderno, adequado às relações
sociais dinâmicas do mundo atual, multiplicam-se mecanismos de tutela de
evidência, que dispensam a comprovação do periculum in mora.
Legisladores pátrios e estrangeiros constataram que o tempo é um mal
necessário para o processo e que as suas consequências desfavoráveis
devem ser partilhadas de forma justa entre as partes, evitando que seu
peso recaia todo sobre o autor, o que se afigura especialmente iníquo
naqueles casos em que este muito provavelmente logrará êxito ao final.
Se o demandante comprova categoricamente o inadimplemento culposo de
negócio garantido por alienação fiduciária, a experiência prática indica
ser baixa a probabilidade de que o réu aduza argumentos e provas aptos a
afastar o direito do credor fiduciário à reintegração na posse do bem.
Disso decorre que a decisão liminar tem poucas chances de ser revogada
por sentença posterior, quando já consideradas as alegações da defesa.
Enquanto o risco de erro judiciário no provimento liminar é
reduzidíssimo, tem-se, por outro lado, que é demasiadamente elevado o
risco de morosidade na realização do direito do autor, constituindo essa
protelação, só por si, um dano injustificado. Sob um ângulo econômico, o
sopesamento entre esses dois riscos recomenda seja albergada de plano a
pretensão do autor. Em tais casos, a inexistência de um mecanismo
célere de tutela do direito comprometeria sobremaneira o princípio
constitucional da razoável duração dos processos (artigo 5º, LXXVIII, da
Constituição), além de desestimular a injeção de crédito na economia
para a aquisição de imóveis. Não se pode esquecer, ainda,
especificamente quanto ao regime da Lei 9.541/1997, que o demandado
possui um prazo de 60 (sessenta) dias para desocupar o imóvel, afora a
quinzena que lhe é garantida após a intimação por oficial do Registro de
Imóveis na fase pré-processual, dentro dos quais poderá fazer uso de
todos os meios processuais adequados para combater qualquer tipo de
ilegalidade manifesta. Por isso, deve-se concluir pela absoluta
constitucionalidade da previsão legal que permite a concessão de liminar
inaudita altera parte, atribuindo ao réu os ônus decorrentes do tempo do processo.
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