Um policial, de folga, efetuou disparos com uma arma de fogo pertencente à sua corporação, objetivando a prisão de um elemento que acabava de furtar uma mulher. Entretanto, por erro, acabou causando a morte de uma pessoa inocente, que passava naquele momento. Assim, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, em face do risco administrativo (Prova objetiva do concurso público para provimento de vagas para os cargos da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo).
O Estado é responsável pelos atos ou omissões de seus agentes, de qualquer nível hierárquico[1],
independentemente de terem agido ou não dentro de suas competências,
ainda que, no momento do dano, estejam fora do horário de expediente. O
preceito inscrito no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição, não
exige que o agente público tenha agido no exercício de suas funções,
mas na qualidade de agente público. Foi o que se decidiu no caso do
servidor público que, ao fazer uso da arma pertencente ao Estado, mesmo
não estando em serviço, matou um menor na via pública (STF RE 135.310);
em hipótese de assalto praticado por policial fardado (STF ARE 644.395
AgR); e no episódio de agressão praticada fora do serviço por soldado,
com a utilização de arma da corporação militar (STF RE 160.401).
Os
entes federativos também respondem subsidiariamente pelas obrigações
das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado
prestadoras de serviço público que instituírem. Há hipóteses, contudo,
em que a responsabilidade do Estado por ato de concessionário, pode ser
solidária e não meramente subsidiária, como ocorre,
por exemplo, nas ações coletivas de proteção a direitos difusos, a
despeito do que dispõe o artigo 38, parágrafo 6º da Lei 8.987/95
(concessão e permissão de serviços públicos): “não resultará para o
poder concedente qualquer responsabilidade em relação aos encargos,
ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou com empregados da
concessionária”.
As empresas públicas e sociedades de economia
mista exploradoras de atividade econômica em sentido estrito em
concorrência com a iniciativa privada não respondem objetivamente[2],
mas a doutrina diverge, nesses casos, quanto à responsabilidade
subsidiária do Estado. O posicionamento majoritário é no sentido de que
o artigo 2º, inciso II, da Lei 11.101/2005, ao excluir da falência as
estatais em geral, indica no sentido da impossibilidade de falirem, e,
consequentemente, de que o ente federativo que as criou e controla é
subsidiariamente responsável por suas dívidas[3].
É
necessária a presença dos seguintes requisitos para fazer eclodir a
responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das
pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público: a)
consumação do dano a terceiro, servidor público ou não[4]; b) ação ou omissão administrativa; c) nexo causal entre o dano e a ação ou a omissão administrativa[5]; d) a oficialidade da atividade causal e lesiva; e) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal[6]. Complementarmente, será preciso que o dano possa ser caracterizado como jurídico, devendo causar lesão a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor do sujeito;e certo[7],
ainda que atual ou futuro. Importante assinalar que nos casos de
responsabilidade do Estado por atos lícitos, não basta que o dano seja
apenas jurídico e certo, devendo ser, também, específico, de
modo a atingir uma pessoa ou um grupo de pessoas determinadas, que
sofrem dano não experimentados pelos demais membros da sociedade; e anormal, de modo a superar os inconvenientes normais da vida em sociedade[8].
A responsabilidade imputável às pessoas jurídicas de direito público será objetiva
quando o dano for causado pelo próprio Estado. No caso das pessoas
jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, essa
modalidade de responsabilização alcança, inclusive, os terceiros não
usuários do serviço (STF RE 591.874), conforme se vê em casos como os
da concessionária de transporte público proprietária de veículo que
atropela pedestre no momento em que atravessava a rua (STF RE 302.622);
e o de automóvel de terceiro abalroado por ônibus de uma
concessionária de serviço público de transporte (STF RE 262.651).
Para
a configuração da responsabilidade objetiva do Estado não se exige
culpa ou dolo, mas apenas uma relação de causa e efeito entre o ato
praticado pelo agente e o dano sofrido por terceiro. Também não é necessário
que o ato praticado seja ilícito, muito embora deva ser antijurídico.
Ilustram a hipótese o caso de estado vegetativo decorrente de parada
cardiorrespiratória durante cirurgia cesariana realizada em hospital
público (STF AgR-RE 456.302), bem como o episódio envolvendo a
construção de viaduto que teria provocado poluição sonora, visual e
ambiental, com a consequente desvalorização de imóvel residencial (STF
RE 113.587).
Tratando-se de ato omissivo do poder público, a
responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou
culpa, em sentido estrito, não sendo, entretanto, necessário
individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de
forma genérica, a falta do serviço. Vide os casos de preso assassinado
na cela por outro detento (STF RE 170.014 e STF RE 81.602); dano
causado a aluno por outro aluno igualmente matriculado na rede pública
de ensino (STF RE 109.615); erro de junta médica que considerou
policial militar apto para participar da instrução policial de tropa,
embora sofresse de cardiopatia (STF RE 140.270); vítima de disparo de
fogo, que se encontrava detido, por ocasião de motim e tentativa de
fuga por parte dos detentos (STF RE 382.054).
Nos casos de
responsabilização do Estado por culpa, será sempre exigida a presença
do binômio dever de agir-possibilidade de agir. Nesse sentido, o caso fortuito ou força maior e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros
são apontados, respectivamente, como causas excludentes e causas
atenuantes da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito
público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de
serviço público. A caracterização de um fato como caso fortuito ou força maior
decorre de um elemento subjetivo (ausência de culpa) e outro objetivo
(inevitabilidade do evento), de forma que determinado evento pode até
ser previsível, mas deve ser inevitável, mesmo diante de toda a
diligência que empregue o poder público. É preciso considerar, para a
imputação de responsabilidade ao ente estatal se existem meios
materiais disponíveis, e a possibilidade efetiva de sua utilização. Não
se reclama, para tanto, a imprevisibilidade do evento. Esse é o
raciocínio comumente empregado nos casos de suicídio de pacientes
internados em hospitais públicos (STF RE 318.725 AgR); acidentes
rodoviários em que há colisão de veículos, com muitas vítimas fatais
(STF AI 113.722 AgR); e de menores eletrocutados no teto de vagões
ferroviários (STF RE 209.137).
Ressalte-se que a qualificação do
tipo de responsabilidade imputável ao Estado — se objetiva ou subjetiva
— constitui circunstância de menor relevo se ficar demonstrado pelo
acervo probatório que a inoperância estatal injustificada foi condição
decisiva para a produção do resultado danoso, como, por exemplo,
aqueles causados por invasores em propriedade particular em decorrência
do descumprimento de mandado judicial de reintegração de posse (STF RE
237.561 e STF AgR-AI 600.652).
Em matéria de transporte público,
a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o
passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação
regressiva (Súmula STF 187). Isso significa que, em casos tais, o
Estado não pode se eximir da responsabilidade invocando a culpa de
terceiro; ele responde objetivamente, porém tem direito de regresso
contra o terceiro responsável pelo dano. O fato de terceiro que exonera
a responsabilidade é aquele que com o transporte não guarde
conexidade.
Nessa seara, não elide a responsabilidade do
transportador: o roubo do talonário de cheques durante o transporte por
empresa contratada pelo banco, pois trata-se de caso fortuito interno
(STJ REsp 685662); o roubo de veículo e de carga sujeita a imposto de
importação ocorrido no transporte de mercadoria já desembaraçada pelo
pagamento do valor apurado em auto de infração (STJ REsp 1172027); se
for demonstrado que a transportadora não adotou as cautelas que
razoavelmente dela se poderia esperar, o roubo de carga (STJ REsp
435865); a explosão de pacote contendo artefatos pirotécnicos dentro de
ônibus, assim a de assalto, de pedras atiradas contra o veículo e,
ainda, a de assassino que, dissimulados de passageiros, praticam atos
de violência no interior do transporte coletivo (STJ REsp 78458);
incêndio ocorrido no interior do coletivo derivado da combustão de
material explosivo carregado por passageira que adentrou o ônibus
conduzindo pacote de volume expressivo, cujo ingresso se deu,
excepcionalmente, pela porta da frente, mediante prévia autorização do
motorista (STJ REsp 168.985); o fato de terceiro, motorista de outro
veículo, após discussão provocada pelo condutor do coletivo, disparar
sua arma contra este e atingir o passageiro (STF RE 73.294); a
existência de assaltos diuturnos a coletivos, na região em que a firma
explora sua atividade lucrativa (STF RE 88.407); motorista do caminhão,
que empurrou o carro para baixo do ônibus e fez com que este
atropelasse os pedestres, causando-lhes morte e ferimentos severos (STJ
REsp 469.867).
Por outro lado, constitui causa excludente da
responsabilidade da empresa transportadora: a ocorrência de assalto em
interior de ônibus, por tratar-se de fato de terceiro inteiramente
estranho à atividade de transporte (STJ AGREsp 620.259); o assalto à
mão armada no interior de ônibus coletivo (STJ REsp 726.371); pedra
atirada contra composição férrea, por ser ato de terceiro, estranho ao
contrato de transporte (STJ AgRg no REsp 1.060.288); o roubo, por ser
equiparado ao fortuito externo, visto que a segurança é dever do Estado
(STJ REsp 927.148); e o roubo de carga (STJ REsp 663.356).
Em matéria de serviços notariais, o Estado responde, objetivamente,
pelos atos que causem dano a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa. O
tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a
responsabilidade pessoal do titular da serventia. Somente o tabelião e o
Estado possuem legitimidade passiva. A propósito do tema, pululam
julgados relacionados a escrituras passadas com base em procuração
falsa (STF RE 209.354 AgR); à anulação de compra e venda, efetivada com
base em instrumento de mandato falso, lavrado em tabelionato de notas
(STF AI 522.832 AgR); ao reconhecimento de firma falsa por serventuário
de cartório (STF RE 201.595); à confecção, ainda que por tabelionato
não oficializado de substabelecimento falso que veio a respaldar
escritura de compra e venda (STF RE 175.739); e à alienação de terminais
telefônicos por meio de firmas falsas reconhecidas indevidamente por
cartório (STJ REsp 545.613).
Em matéria de estacionamentos,
o Estado deve assumir a guarda e responsabilidade do veículo quando
este ingressa em área pertencente a estabelecimento público apenas
quando dotado de vigilância especializada para esse fim. Em tal
hipótese, a responsabilidade se funda no descumprimento de uma
obrigação contratual. É o que se verifica nas situações envolvendo furto
de automóvel em estacionamento mantido por município (STF RE 255.731),
e em estacionamento público, cuja organização e controle foram
delegados à empresa pública (STJ AgRg no Ag 1.009.559).
Em matéria de presos foragidos,
o Estado só responderá pelo crime praticado se o nexo de causalidade
for demonstrado. É necessário que haja um intervalo de tempo pequeno
entre a fuga e o ato lesivo. O tema é frequentemente abordado pela
jurisprudência dos tribunais de superposição a partir de episódios
envolvendo estupro cometido por condenado submetido a regime prisional
aberto que pratica, em várias ocasiões, falta grave de evasão, sem que
as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida
de regressão do regime prisional aplicável à espécie (STF RE 573.595
AgR); fuga de preso atribuída à incúria de guarda que o acompanhava ao
consultório odontológico fora da prisão, preordenada ao assassínio de
desafeto a que atribuía a sua condenação, na busca dos quais, no
estabelecimento industrial de que fora empregado, veio a matar o vigia,
marido e pai dos autores da ação indenizatória (STF RE 136.247); dano
decorrente de assalto por uma quadrilha de que participava um dos
evadidos da prisão meses após a evasão (STF RE 130.764); latrocínio
praticado por preso foragido meses após a fuga (STF RE 172.025); dano
decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido
vários meses antes (STF RE 130.764).
Em matéria de atos judiciais,
muitas teorias têm sido elaboradas para defender a tese da
irresponsabilidade do Estado. É o caso, dentre outras, das seguintes
teorias: a) soberania do Poder Judiciário, por ser a função jurisdicional uma manifestação da soberania estatal; b) incontrastabilidade da coisa julgada,
segundo a qual o reconhecimento da responsabilidade acarretaria ofensa
à coisa julgada; c) falibilidade dos juízes, que argumenta que quem
litiga em juízo corre os riscos inerentes às falhas humanas; d) independência da magistratura,
que inexistiria se o juiz tivesse que se preocupar com a possibilidade
de suas decisões acarretarem a responsabilidade civil do Estado e a
sua própria responsabilidade, em ação regressiva; e) risco assumido pelo jurisdicionado,
segundo a qual as partes correm os riscos de danos da atuação do Poder
Judiciário ao provocá-la, inobstante o a inevitabilidade da jurisdição[9].
Os termos usados em decisão prolatada em ação popular e em
manifestação pública (STF RE 228.977); a indenização decorrente da
condenação, desconstituída em revisão criminal, da prisão preventiva e
da declaração difamatória de agente do Ministério Público (STF RE
505.393); perdas e danos sofridos em consequência de flagrante
ilegalidade, reparada por mandado de segurança (STF RE 69.568); e a
prisão injusta decorrente de erro e má-fé na investigação policial,
consubstanciado em homonímia (STF RE 429.518 AgR), são algumas das
situações concretas que ensejam discussões sobre o tema.
Em matéria de atos legislativos,
há uma tendência no sentido de aceitar a responsabilidade civil do
Estado por atos normativos pelo menos nas seguintes hipóteses: a) leis
inconstitucionais; b) atos normativos do Poder Executivo e de entes
administrativos com função normativa, com vícios de
inconstitucionalidade, em que o pedido de indenização deve ser precedido
de declaração de inconstitucionalidade, ou ilegalidade, em que não há
necessidade de prévia declaração pelo Judiciário; c) leis de efeitos
concretos, que causam dano específico e anormal; e d) omissão do poder
de legislar e regulamentar[10].
Ilustram-nas episódios como o do pedido de reparação de danos sofridos
no período em que esteve suspenso o tráfego dos ônibus dos quais a
empresa era proprietária, por determinação das autoridades policiais do
Estado, com base em regulamento de trânsito julgado inconstitucional
(STF RE 8.889); o pleito de inconstitucionalidade de lei estadual que
determinou a reforma, por ato unilateral do poder público, de diversas
concessões contratuais (STF RE 21.504); e a declaração de mora
legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito à reparação
econômica contra a União, outorgada pelo artigo 8º, parágrafo 3º do
ADCT (STF MI 283).
Por fim, em matéria de proteção ambiental,
há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento
adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a
concretização ou o agravamento do dano causado pelo seu causador
direto. Trata-se, todavia, de responsabilidade subsidiária,
cuja execução poderá ser promovida caso o degradador direto não cumprir
a obrigação, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou
insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, por qualquer
razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente
imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso, com a
desconsideração da personalidade jurídica (STJ REsp 1.071.741).
[1] Cf. Alexandre Santos de Aragão. Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 562.
[2] Cf. Aragão, Curso…, p. 563.
[3] Cf. Aragão, Curso…, p. 564.
[4]
O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que descabe
ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo "terceiro" contido
no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, devendo o Estado responder
pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a vítima,
servidor público ou não (AgR-AI 473381). Cf., a propósito, o caso de
policial militar que foi morto porque atingido por disparos feitos por
um meliante que, detido por seu companheiro de farda, não foi revistado
e nem convenientemente dominado (STF RE 176564).
[5] A teoria adotada quanto ao nexo de causalidade foi a do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal.
Cf., na jurisprudência, as hipóteses de roubo cometido por bando, cujo
mentor é preso condenado e foragido (STF RE 130764); de presidiário
morto por outro presidiário (STF RE 179147); de acidente de trânsito
entre veículo oficial e automóvel de propriedade do segurado indenizado
por seguradora (STF RE 11633); de fixação de preços em valores abaixo
da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor
sucro-alcooleiro, decorrente de tabelamento de preço (STF RE 422941); e
de latrocínio praticado por quadrilha integrada por apenado foragido
da prisão (STF RE 369820).
[6] Cf. STF, AgR-RE 481110, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 06/02/2007, DJ 09/03/2007, p. 50.
[7] Cf. Aragão, Curso…, p. 569.
[8] Cf. Aragão, Curso…, p. 570.
[9] Cf. Maria Sylvia Zanella di Pietro. Responsabilidade do estado por atos jurisdicionais. In: Boletim de direito administrativo, v. 12, n. 11, p. 715-723, nov. 1996.
[10] Cf. Walber de Moura Agra. Responsabilidade Civil do Estado por Ato Legislativo.
In: Otavio Luiz Rodrigues Junior, Gladston Mamede, Maria Vital da
Rocha. (orgs.). Responsabilidade Civil Contemporânea. São Paulo: Atlas,
2011, pp. 433-439.
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