O artigo 52, III, da lei 11.101/05
dispõe de forma imperativa que "estando a documentação em termos, o
juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato,
ordenará a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor".
Trata-se de ato
da maior importância nos processos de recuperação judicial, pois é com o
deferimento inicial do pedido que a empresa passa a ter, durante até
180 (cento e oitenta) dias, relativa tranquilidade financeira e
operacional para se reorganizar e elaborar seu plano de recuperação.
Como o Direito
constitui ciência humana e a norma jurídica está sujeita à interpretação
pelos operadores do Direito, em determinados casos o Poder Judiciário,
especialmente no Estado de SP, tem relativizado o caráter objetivo da
exigência inicial para deferimento do pedido. Assim é que a 1ª câmara
Reservada de Direito Empresarial do TJ paulista, ao apreciar o AI 0194436-42.2012.8.26.0000,
decidiu que é legítima a realização de perícia prévia para auxiliar o
juízo na apreciação da documentação contábil e constatar a real situação
de funcionamento da empresa.
De acordo com o
julgamento mencionado, trata-se de exame preliminar sobre a idoneidade
da documentação que ampara o pedido e sobre a viabilidade econômica da
recuperação, ainda que em sede sumária.
O precedente
jurisprudencial versa sobre situação sui generis, de empresa de pequeno
porte (apenas um funcionário e capital social de quinze mil reais) e
dívida pequena para justificar o pedido de recuperação judicial. Além
disso, a decisão aponta "elementos robustos a apontar a inviabilidade da
recuperação ou mesmo a utilização indevida e abusiva da benesse legal".
Embora esses
requisitos tenham sido enfatizados pelo TJ/SP, esse julgamento tem sido
invocado como justificativa para se alterar o sentido e o alcance do
mencionado artigo 52, III da LC/00.
Tem-se visto, em vez de aplicação excepcional dessa possibilidade, a
quase adoção como regra, sob o argumento de que a decisão que defere o
processamento deve ser tomada com mínima cautela e rigor, ao que se
acrescenta a ausência de conhecimentos técnicos suficientes para o juiz
apreciar a regularidade da documentação contábil apresentada.
Esse exemplo de
ativismo judicial, embora em alguns caso seja digno de elogios, é às
vezes profundamente danoso à empresa em recuperação. A notícia do
ajuizamento do pedido alastra-se quase que imediatamente, impulsionada
pela divulgação em jornais especializados em economia e também pelo
fluxo instantâneo de informações pela internet. Em seguida, é comum que
muitos credores se apressem para tomar medidas judiciais que não
tomariam em situação normal, sendo emblemáticos pedidos de busca e
apreensão, feitos por instituições financeiras, de bens, maquinários e
equipamentos muitas vezes imprescindíveis a manutenção das atividades da
empresa, agravando-se a situação de crise que justifica o próprio
socorro ao regime de recuperação judicial.
O lapso de tempo
entre o ajuizamento do pedido e o deferimento da recuperação constitui
verdadeiro limbo jurídico, inclusive porque o STJ vem assentando o
entendimento de que o despacho tem efeito 'ex nunc', ou seja, com
eficácia daquele momento em diante, sem retroagir à data da distribuição
da petição inicial, como se dá em situações processualmente análogas.
Esse vácuo, que
ultrapassa facilmente 20 dias se determinada a realização de perícia
prévia, em situações extremas é capaz de comprometer a própria
viabilidade da recuperação, pois nesse período podem ser tomadas
quaisquer medidas contra a empresa, por mais drásticas que sejam, sem a
devida proteção. A interpretação e aplicação da lei, por mais nobres que
sejam as justificativas, pode torná-la letra morta, em sacrifício do
princípio constitucional da preservação da empresa, que gera emprego,
tributos e riquezas.
A relevância dos
efeitos decorrentes despacho inicial no processo de recuperação exige
extrema cautela do juiz, não para deferi-lo, consequência natural caso
estejam satisfeito os requisitos legais, mais sim para determinar
quaisquer providências prévias que condicionem o processamento. É
preciso recordar que a idoneidade das informações apresentadas
inicialmente será checada pelo administrador judicial e pelo comitê de
credores, com significativas consequências caso não observados os
deveres legais de probidade e boa-fé.
A par da
interpretação razoável e teleológica da lei, a concessão de medidas de
urgência que se equiparem à proteção legal dada pelo artigo sexto da lei
de falências é o mínimo que se pode fazer para prevenir danos e
assegurar a superação da crise econômico-financeira que atinge as
empresas em recuperação judicial.
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