Protesto de dívida ativa é abusivo e injustificado, por Patrícia Schoeps Silva

De acordo com dados da Receita Federal do Brasil, em 2011, o fisco bateu novo recorde de arrecadação, chegando a 993,6 bilhões de reais no período1. A magnitude da cifra reforça a ideia de que a União é um gigante cuja fome de dinheiro justifica-se pelo maciço financiamento de políticas públicas em diversos setores, tudo com o intuito de alcançar os objetivos da República Federativa do Brasil, previstos no artigo 3º da Constituição Federal.
Não obstante a ânsia da União em financiar projetos de interesse público, tal voracidade não pode servir de mote para o esmagamento do contribuinte em débito com a Fazenda Pública para além dos limites previstos em lei.
Referimo-nos ao protesto de certidão da dívida ativa, prática institucionalizada através da Portaria nº 321/2006 do Procurador Geral da Fazenda Nacional.
A despeito das inúmeras críticas contrárias à prática em questão, a Fazenda Pública Federal insistiu em defender que a medida reduziria o número de execuções fiscais ajuizadas para cobrança da dívida ativa, bem como seria “benéfica” ao devedor, pois evitaria a expropriação de bens para garantia do débito.
No entanto, tais argumentos são frágeis, eis que o protesto de dívida ativa afigura-se como mais um privilégio do crédito tributário, de toda sorte abusivo e injustificado.
Com efeito, a certidão da dívida ativa é título que goza de presunção de certeza e liquidez, tal como consta no artigo 204 do Código Tributário Nacional. Por estas características, foi elevada à categoria de título executivo extrajudicial, constante do artigo 585, inciso VII, do Código de Processo Civil, cujo procedimento para execução é previsto em lei específica, a lei 6.830/80, tudo de forma a dotar o crédito tributário de privilégios que tornem mais fácil e rápido seu recebimento pela Fazenda Pública2.
O entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema confirma a tese em questão, no sentido de ausência de interesse no protesto da dívida ativa, que por si só possui presunção de liquidez e certeza3.
Recorde-se ainda que a inscrição em dívida ativa impede a emissão de certidão negativa de débitos, tão necessária à prova de regularidade fiscal exigida nos mais diversos atos.
De outro lado, o protesto de títulos é instituto do Direito Comercial, previsto na lei 9.492/97, cujo objetivo é dar publicidade ao inadimplemento da obrigação assumida pelo devedor, e destinado primordialmente às relações travadas entre particulares, para as quais se supõe sejam minimamente simétricas.
O protesto é ainda requisito para que o credor possa constituir o título executivo, justificando-se, portanto, a sua existência no âmbito dos negócios entre particulares.
Considerando a natureza dos institutos, o protesto da dívida ativa mostra-se inicialmente despropositado, visto que o ordenamento jurídico pátrio já dispõe sobre procedimento específico para o recebimento da dívida pública, tal como previsto na lei 6.830/80. Deste modo, obviamente, não há que se falar em protesto da Certidão de Dívida Ativa para constituição do título executivo.
Mais grave é o fato de que o protesto da dívida ativa não se coaduna àquele pressuposto de simetria na relação entre credor e devedor, evidentemente por que a Fazenda Pública já possui à sua disposição norma especial para cobrança do débito, assim como diversos privilégios processuais aptos a colocá-la em posição mais vantajosa que o contribuinte devedor.
Não bastasse o uso anômalo do instituto do protesto, tal ato contraria um dos princípios basilares da execução civil, previsto no artigo 620 do Código de Processo Civil, segundo o qual na execução deve-se adotar a forma menos gravosa ao devedor.
Neste sentido, o protesto da dívida ativa afigura-se como medida excessiva para o recebimento do crédito tributário, um verdadeiro bis in idem nos meios para constranger o devedor ao pagamento, já que a inscrição produz praticamente os mesmos efeitos que o protesto.
A despeito das várias razões existentes para se considerar o protesto de dívida ativa algo estranho e incoerente com o ordenamento jurídico vigente, segue sendo amplamente utilizado pela Fazenda Pública, em desrespeito a princípios basilares do Direito.
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