Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/marciocavalcante/2013/02/16/execucao-provisoria-das-astreintes-segundo-a-jurisprudencia-do-stj/
O Informativo
511 do STJ noticiou um julgado que suscitou inúmeros debates entre os
processualistas. Trata-se da discussão sobre a possibilidade ou não de
execução provisória das astreintes.
O cerne do debate é o seguinte: é possível a execução provisória das astreintes fixadas em tutela antecipada?
Vou responder a essa pergunta, no entanto, antes relembremos alguns aspectos sobre as astreintes.
Se o autor
ajuíza uma ação pretendendo que o réu seja obrigado a fazer ou não fazer
alguma coisa, o juiz, atendidos os requisitos legais, poderá conceder a
tutela antecipada, na forma de tutela específica, determinando que o
réu adote o comportamento que é objeto da ação.
Exemplo
(hipotético): “A”, atriz, ingressa com ação de obrigação de fazer contra
o site “X”, especializado em celebridades, tendo como pedido (objeto)
que o referido site retire de suas páginas fotos íntimas da autora e
cuja publicação ela não autorizou.
O juiz analisa a
petição inicial e entende que é relevante o fundamento da demanda e que
há justificado receio de ineficácia do provimento final, razão pela
qual concede liminarmente a tutela antecipada determinando que o site
retire, em 24 horas, as fotos de suas páginas. Essa decisão
interlocutória está fundada no § 3º do art. 461 do CPC:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto
o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação
ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação
ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(…)
§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente
ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá
ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
O juiz, para
que a sua decisão tenha “força” e desperte no réu a ânsia de cumpri-la,
deve determinar alguma medida coercitiva. A mais conhecida delas é a
multa cominatória, prevista no § 4º do art. 461 do CPC:
§ 4º O juiz poderá, na hipótese do
parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor,
se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor,
se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
Multa cominatória (astreinte). Principais características:
- Essa multa coercitiva tornou-se conhecida no Brasil pelo nome de “astreinte” em virtude de ser semelhante (mas não idêntica) a um instituto processual previsto no direito francês e que lá assim é chamado.
- A finalidade dessa multa é coercitiva, isto é, pressionar o devedor a realizar a prestação. Trata-se de uma técnica judicial de coerção indireta.
- Apresenta um caráter híbrido, possuindo traços de direito material e também de direito processual.
- Não tem finalidade ressarcitória, tanto é que pode ser cumulada com as perdas e danos (§ 2º do art. 461).
- Pode ser imposta de ofício ou a requerimento, pelo juiz, na fase de conhecimento ou de execução.
- Apesar do CPC falar em “multa diária”, a doutrina afirma que essa multa pode ser estipulada também em meses, anos ou até em horas.
- O valor das astreintes é revertido em favor do credor, ou seja, o destinatário das astreintes é o autor da demanda (REsp 949.509-RS).
- A parte beneficiada com a imposição das astreintes somente continuará tendo direito ao valor da multa se sagrar-se vencedora. Se, no final do processo, essa parte sucumbir, não terá direito ao valor da multa ou, se já tiver recebido, deverá devolver.
O
autor pode exigir o pagamento das astreintes antes do final do processo
(antes do trânsito em julgado)? Em outras palavras, é possível a
execução provisória das astreintes fixadas em tutela antecipada?
Havia duas posições antagônicas no STJ sobre o tema:
1ª corrente:
NÃO. Não é possível a execução provisória das astreintes. É necessário
que haja o trânsito em julgado para que elas sejam exigidas. Em suma,
somente ao final do processo o beneficiário da multa poderá executá-la.
Nesse sentido: AgRg no AREsp 50.196/SP, Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª
Turma, julgado em 21/08/2012.
2ª corrente:
SIM. É possível a execução provisória das astreintes sem quaisquer
condicionamentos, ou seja, com base até mesmo em uma mera decisão
interlocutória. Logo após o descumprimento da decisão que fixou a multa é
possível ao beneficiário executá-la. Nesse sentido: AgRg no AREsp
50.816/RJ, 2ª Turma, Min. Herman Benjamin, julgado em 07/08/2012.
Como se percebe, eram duas posições em extremos opostos.
No
Informativo 511 do STJ foi noticiado o REsp 1.347.726-RS, que se
constitui em uma terceira corrente, intermediária entre as duas posições
acima explicadas. O que ela preconiza?
É possível a execução provisória das astreintes fixadas em tutela antecipada desde que cumpridos dois requisitos:
a) o pedido a que se vincula a astreinte seja julgado procedente na sentença ou acórdão;
b) o recurso interposto contra essa sentença ou acórdão não tenha sido recebido no efeito suspensivo.
Voltando ao nosso exemplo. O juiz concedeu liminarmente a tutela antecipada para que o site retirasse as fotos em até 24 horas, sob pena de multa de R$ 1 mil por cada hora de descumprimento.
A direção do site
recebeu a intimação, mas somente retirou as fotos 48 horas depois.
Logo, terá que pagar uma multa de R$ 24 mil pelo atraso no cumprimento
da obrigação de fazer estabelecida pela decisão judicial. O processo
continua e ainda não foi sentenciado.
É possível a execução provisória dessa multa de R$ 24 mil?
Para a 1ª corrente: NÃO. Somente será possível a execução da multa se o pedido do autor for julgado procedente e houver o trânsito em julgado.
Para a 2ª corrente:
SIM. É possível a execução provisória das astreintes sem quaisquer
condicionamentos, ou seja, com base até mesmo em uma mera decisão
interlocutória ainda não confirmada, como foi o caso do exemplo acima.
Para a 3ª corrente: ainda não, considerando que não houve sentença julgando procedente o pedido do autor.
Imagine,
então, que é proferida sentença julgando procedente o pedido do autor. O
réu recorre e a apelação é recebida em seu duplo efeito (devolutivo e
suspensivo), mas ainda não julgada. Será possível a execução provisória
das astreintes?
Para a 1ª corrente: NÃO.
Para a 2ª corrente: SIM.
Para a 3ª corrente:
ainda não, considerando que houve sentença julgando procedente o pedido
do autor, no entanto, foi interposto recurso contra essa decisão, tendo
ele sido recebido no efeito suspensivo.
A
apelação é improvida, sendo mantida, portanto, a sentença. O réu não se
conforma e interpõe recurso especial e recurso extraordinário, que são
recebidos apenas no efeito devolutivo. Será possível a execução
provisória das astreintes?
Para a 1ª corrente: NÃO.
Para a 2ª corrente: SIM.
Para a 3ª corrente:
SIM, considerando que houve sentença julgando procedente o pedido do
autor, confirmada por um acórdão e os recursos interpostos não gozam de
efeito suspensivo.
Resumindo:
É POSSÍVEL A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS ASTREINTES FIXADAS EM TUTELA ANTECIPADA?
|
||
1ª corrente: NÃO
Não é possível a execução provisória das astreintes.
É necessário o trânsito em julgado para que elas sejam exigidas.
|
2ª corrente: SIM
É possível a
execução provisória das astreintes sem quaisquer condicionamentos, ou
seja, com base até mesmo em uma mera decisão interlocutória ainda não
confirmada.
|
3ª corrente: SIM
É possível a execução provisória das astreintes desde que:
a) o pedido a que se vincula a astreinte seja julgado procedente na sentença ou acórdão;
b) o recurso interposto contra essa sentença ou acórdão não tenha sido recebido no efeito suspensivo.
|
Principais argumentos:
A multa só deve ser paga à parte que sagrar-se definitivamente vencedora na demanda. Logo, deve-se aguardar o final do processo.
A mera ameaça de aplicação da multa, ao final, já é suficiente para provocar uma pressão psicológica no devedor.
|
Principais argumentos:
Para que a multa possa cumprir sua
função coercitiva é necessário que ela possa ser exigida imediatamente.
Condicionar a exigência da multa ao
trânsito em julgado iria enfraquecer a pressão psicológica que as astreintes devem causar. |
Principais argumentos:
Os dispositivos
legais que exigem o trânsito em julgado referem-se apenas aos processos coletivos. Desse modo, não há determinação legal para que se aguarde o fim do processo para se cobrar as astreintes.
Por outro lado, não é admissível a
execução da multa com base em mera decisão interlocutória (que tem cognição sumária e precária), sendo necessário que a liminar que as fixou seja confirmada em sentença ou acórdão para garantir maior segurança. |
Na jurisprudência:
“Nos termos da reiterada
jurisprudência do STJ, a multa diária somente é exigível com o trânsito em julgado da decisão que, confirmando a tutela antecipada no âmbito da qual foi aplicada, julgar procedente a demanda.”
(AgRg no AREsp 50.196/SP, 1ª T, DJe 27/08/2012)
|
Na jurisprudência:
“É
desnecessário o trânsito em julgado da sentença para que seja executada
a multa por descumprimento fixada em antecipação de tutela” (AgRg no
AREsp 50.816/RJ, 2ª T., DJe 22/08/2012)
(…) É possível a execução da decisão interlocutória que determinou o pagamento de astreintes no caso de descumprimento de obrigação (…) (AgRg no REsp 1299849/MG, 3ª T, DJe 07/05/2012)
|
Na jurisprudência:
“As
astreintes serão exigíveis e, portanto, passíveis de execução
provisória, quando a liminar que as fixou for confirmada em sentença ou
acórdão de natureza
definitiva (art. 269 do CPC), desde que o respectivo recurso deduzido contra a decisão não seja recebido no efeito suspensivo. A pena incidirá, não obstante, desde a data da fixação em decisão interlocutória.”
(REsp 1347726/RS, 4ª T, DJe
04/02/2013) |
Na doutrina:
Cândido Rangel Dinamarco
Luiz Guilherme Marinoni
|
Na doutrina:
Cássio Scarpinella Bueno
Fredie Didier Jr.
|
Na doutrina:
Não encontrada referência.
|
Para fins de
concurso, essa pergunta não poderia ser cobrada em uma primeira fase por
ainda representar divergência jurisprudencial. Para provas discursivas,
é importante que você conheça a existência das três correntes.
Particularmente, entendo como mais razoável a 3ª posição. De qualquer
forma, havendo mudança no panorama acima, eu aviso a vocês.
Previsões em leis especiais
Atenção. A explicação dada acima refere-se ao regramento do processo individual regulado pelo CPC. Existem, contudo, previsões
em leis especiais estabelecendo que as astreintes somente podem ser exigidas após o trânsito em julgado. Confira:
em leis especiais estabelecendo que as astreintes somente podem ser exigidas após o trânsito em julgado. Confira:
Lei n.° 7.347/85 (Lei da ACP):
Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.
(…)
§
2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o
trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde
o dia em que se houver configurado o descumprimento.
Esse dispositivo é aplicado pelo STJ:
(…) A
exigibilidade da multa cominada liminarmente em ação civil pública fica
condicionada ao trânsito em julgado da decisão final favorável ao autor
(art. 12, § 2º, da Lei 7.347/85) (…) (EDcl no AgRg no REsp 756.224/MG,
Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em
27/09/2011, DJe 04/10/2011)
Lei n.° 8.069/90 (ECA):
Art.
213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente
ao do adimplemento.
§
1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio
de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela
liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu.
§
2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença,
impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for
suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o
cumprimento do preceito.
§
3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da
sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se
houver configurado o descumprimento.
O CESPE, em um concurso realizado em 2012, exigiu essa previsão específiVeja:
(Juiz
de Direito/AC – 2012) A respeito da proteção judicial dos interesses
individuais, difusos e coletivos das crianças e dos adolescentes,
assinale a opção correta conforme disposição do ECA e entendimento do
STJ:
A)
Ao deferir liminar ou proferir sentença, o juiz poderá impor,
independentemente de pedido do autor, multa diária ao réu, suficiente ou
compatível com a obrigação. Nesse caso, o pagamento da multa será
exigível somente após o trânsito em julgado da sentença favorável ao
autor, mas o valor será devido desde o dia em que tiver sido configurado
o descumprimento da obrigação. (alternativa considerada CORRETA)
Lei n.° 10.741/2003 (Estatuto do Idoso):
Art.
83. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou
não-fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente
ao adimplemento.
§
1º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio
de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela
liminarmente ou após justificação prévia, na forma do art. 273 do Código
de Processo Civil.
§
2º O juiz poderá, na hipótese do § 1º ou na sentença, impor multa
diária ao réu, independentemente do pedido do autor, se for suficiente
ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento
do preceito.
§
3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da
sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se
houver configurado.
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