Decisão da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que mudança do domicílio do menor no curso de processo pode alterar a competência, descolocando o feito para outra comarca, onde ele venha residir

A decisão supera dogma do processo civil.
O paradigma consignado no art. 87 do CPC é rompido, relativizando-se o princípio da perpetuação da jurisdição (“perpetuatio jurisdictionis”).
Este princípio opera a estabilidade da lide, e o princípio do juiz natural, sem a alteração de competência do juízo onde proposta a demanda diante de uma eventual mudança domiciliar posterior.
No caso, a decisão adotada fez prevalecer o melhor interesse da criança, isto porque garante a maior aproximação do juiz onde ela venha situar-se então residente (princípio do juiz imediato) e, de consequência, atividades dialogais do processo mais céleres e eficientes, na prestação prioritária da justiça esperada.
Em bom rigor, processos de famílias não apenas resolvem a lide, mas resolvem, sobretudo, as pessoas e esse diferencial supera o dogma.
Competência para decidir em disputas de guarda de filho é sempre atribuída ao juízo do local onde a criança tem fixada a sua residência. Isto faz defini-la.
O caso julgado, no conflito de competência, referiu-se a uma ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com guarda de filho.
No curso da ação, as partes mudaram de endereço e o juiz inicial determinou, de ofício, a remessa para a nova comarca da residência do infante.
A inovação verificada consistiu na alteração da competência, ante o elemento decisor de mudança superveniente do local da residência da criança.
O processo, então, acompanha o infante, porque é processo do seu maior interesse, acima do interesse das partes (os pais). O comando do art. 87 do CPC, cristalizado pelo ajuizamento da demanda, não pode ser dominante. A criança é sempre o principal protagonista, porquanto a decisão repercute direta e objetivamente em sua vida.
Predomina, então, a disposição especial do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando dispõe:
“Art. 147. A competência será determinada: I - pelo domicílio dos pais ou responsável; II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável.” (...).

Esta, entretanto, não é a primeira decisão do STJ nessa linha. A mesma Relatora, Ministra Fátima Nancy Andrigui, decidindo Conflito de Competência nº 111130-SC, em 08.09.2010, na 2ª Seção do STJ também assim refletiu, para admitir a mudança de competência, acentuando naquele julgamento o seguinte:
“O princípio do juízo imediato, previsto no art. 147, I e II, do ECA, desde que firmemente atrelado ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, sobrepõe-se às regras gerais de competência do CPC.”.
Mais precisamente: “A regra estabelecida no art. 87 do CPC, cede lugar à solução que oferece tutela jurisdicional mais ágil, eficaz e segura ao infante, permitindo, desse modo, a modificação da competência no curso do processo, sempre consideradas as peculiaridades da lide”.
É bom lembrar, contudo, que anos antes a mesma 2ª Seção decidia, em sentido exatamente oposto:
“Prevalece o art. 87 do CPC sobre a norma do art. 147, I, do ECA, que tem natureza absoluta quando, em curso a ação originária, proposta regularmente no foro de residência do menor, o detentor da guarda altera seu domicílio.” (Conflito de Competência nº 94723-RJ, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, julgado em 24.09.2008).
A importância da decisão em comento consiste, topicamente, nos pontos seguintes:
(i) colocar o processo civil sempre como instrumento de garantia do resultado material de justiça, ele não é um fim em si mesmo;
(ii) os dogmas do processo podem ser relativizados, com a funcionalidade primordial de garantias de uma justiça plena, princípio da efetividade ótima em prestígio do ideal do direito.
(iii) a aplicação subsidiária do CPC em face do Estatuto da Criança e do Adolescente, este último pergaminho legal de tutela máxima, prevalecendo, daí, os seus princípios de especialidades, as suas normas especiais.
Bem observado, o STJ tem sido um tribunal de efetividade da cidadania, por seus julgados paradigmas.
Imperativo, porém, realçar que a jurisprudência tem evoluído também nos juízos de origem, em comarcas mais distantes.
Exemplo: Com o art. 475-P, par. único, do CPC, que permite o deslocamento de foro no caso da execução, por interesse do credor, não se tem como justificar a “perpetuatio” nos casos que envolvem pessoas especialmente protegidas, como menores, idosos etc.,
No ponto, muitos juízes tem atuado conforme esse entendimento. O magistrado Iure Pedroza, de Petrolina (PE), já faz isso há algum tempo.
A decisão serve de ruptura de conceitos clássicos do processo.
É dizer, então, que a lei deve servir, sempre ao direito, e aplicá-la com justiça é realizá-lo.

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