A Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu o valor de indenização - de
R$ 120 mil para 96 mil - a ser paga por médico oncologista em virtude de
erro profissional no tratamento de câncer de mama. O colegiado,
seguindo o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, aplicou ao caso a
teoria da perda da chance.
"Admitida a indenização
pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção
sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo,
jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução
proporcional", assinalou a ministra.
No caso, a
família da vítima ajuizou ação de indenização contra o médico alegando
que, durante o tratamento do câncer na mama, ele teria cometido uma
série de erros, como falta de recomendação da quimioterapia, realização
de mastectomia parcial em vez da radical e falta de orientação para não
engravidar.
A família afirmou ainda que, com o
reaparecimento da doença, novamente o tratamento foi inadequado, e houve
metástase que foi negada pelo médico. Em medida cautelar de produção de
provas ajuizada previamente, os erros foram confirmados.
Contestação
O
médico negou todos os fatos, defendendo a adequação do tratamento por
ele prescrito, e impugnou o laudo pericial. Também apresentou
reconvenção, alegando que o processo conteria apologia ao erro médico e
que a indenização seria devida a ele, tanto pelo abalo psicológico, como
pelo suposto dano de imagem decorrente da acusação feita pela família.
O
juízo de primeiro grau condenou o médico ao pagamento de R$ 120 mil
pelo dano moral, mais a reparação do dano material alegado pela família.
No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR)
manteve a condenação, considerando que a falecida teve chances objetivas
perdidas por conta do erro médico.
Oportunidade frustrada
Em
seu voto, a ministra Nancy Andrighi afirmou que o STJ vem enfrentando
diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda da chance em sua
versão tradicional, na qual o agente tira da vítima uma oportunidade de
ganho.
Segundo a ministra, nos casos em que se
discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado,
principalmente nas situações em que a vítima vem a morrer. "A incerteza
está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em
princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de
tratamento", disse ela.
A ministra destacou que, no
caso, a extensão do dano já está definida, e o que resta saber é se
esse dano teve como causa também a conduta do réu.
"A
incerteza, portanto, não está na consequência. Por isso ganha relevo a
alegação da ausência de nexo causal. A conduta do médico não provocou a
doença que levou a óbito, mas, mantidas as conclusões do acórdão quanto
às provas dos autos, apenas frustrou a oportunidade de uma cura
incerta", disse a relatora.
Doutrina
No
julgamento do processo foi exposta a controvérsia acerca do assunto
existente entre a doutrina francesa e a americana. Muitos autores
franceses entendem que, nas situações em que a conduta adequada do réu
teria potencial de interromper um processo danoso, não seria possível
aplicar a teoria da perda da chance.
Haveria,
nesses casos, um dano conhecido e a necessidade de comprovação da
responsabilidade do réu por esse dano. O julgamento, assim, teria de ser
realizado mediante um critério de tudo ou nada: se o nexo entre a
conduta do réu e o dano fosse comprovado, a indenização deveria ser
integral. Se o nexo não fosse comprovado, nenhuma indenização seria
devida.
Nos Estados Unidos, por outro lado, a
doutrina, aplicando à hipótese os princípios da análise econômica do
direito, vê a chance perdida como uma "commodity" autônoma, passível de
indenização. O nexo, assim, seria estabelecido entre a conduta do réu e a
perda desse direito autônomo à chance. Contornam-se, com isso, os
desafios que a apreciação do nexo causal suscita e toda a dificuldade do
trato da questão seria resolvida no âmbito da quantificação do dano.
A
Terceira Turma, acompanhando o voto da relatora, posicionou-se no
sentido da doutrina americana, reconhecendo a autonomia do dano. Tendo
isso em vista, e ponderando todas as circunstâncias do caso, a Turma
concluiu que as chances perdidas, por força da atuação do médico, têm
conteúdo econômico equivalente a 80% do valor fixado pela sentença e
mantido pelo TJPR a título de indenização.
REsp 1254141
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