É
prática comercial no Brasil o não exercício de direitos estabelecidos
em contrato por não se vislumbrar prejuízos imediatos gerados pela
inércia de ação. Contudo, os contraentes devem ficar atentos aos
princípios consagrados pelo Código Civil de 2002, que reforçaram ou até
ditaram novas condutas que penalizam a passividade das pessoas que
celebram contratos.
Podemos ressaltar, nesse sentido, dois institutos: a
proibição do comportamento contraditório e o dever de mitigar o próprio
prejuízo.
O primeiro trata da manutenção da coerência nas
condutas em determinada relação negocial. Ou seja, diz respeito à
confiança despertada na outra parte, no sentido de que aquele
comportamento inicial será mantido1. O comportamento contraditório,
nestes termos, se configura pela ausência de exercício de um direito
contratualmente estabelecido por um período suficiente para criar a
expectativa de que ele jamais será posto em prática.
Isto é, a parte que tolera o recebimento de
contraprestações em atraso sem o devido acréscimo de juros e correção
monetária, ou mesmo deixa de aplicar reajustes contratuais no tempo
devido, corre sério risco de ser impedido de fazê-lo no futuro, por
culpa de sua inércia reiterada no tempo. Diante da inércia, tais
juros e correções, assim como os reajustes, não mais poderão ser
cobrados (referentes ao passado) por colocar em xeque a confiança gerada
na outra parte.
Em 2004, a autora Véra Fradera2 antecipou a discussão
sobre o tema ao relatar um caso decidido na França – e que causou
grande impacto no Brasil – em que o locador foi impedido de invocar a
cláusula resolutória em um contrato de locação por permitir que o
locatário ficasse 11 (onze) anos sem pagar o aluguel! O caso - conhecido
como Bailleux c. Jaretty - exemplifica a privação de um direito sob a proibição de ato contraditório ao comportamento anterior.
É possível encontrarmos diversas decisões judiciais
de Tribunais brasileiros no mesmo sentido. Nesse sentido, a recente
decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), em
28/06/2012, na qual a locatária foi impedida de pleitear o pagamento de
reajuste contratual por ter recebido durante 04 (quatro) anos o
pagamento dos alugueis sem a sua inclusão. Vejamos:
“(...) Aluguéis recebidos pela locadora, durante mais de quatro anos, sem a incidência do reajuste anual previsto no contrato. Impossibilidade de se pleitear tais verbas. Direito não exercido pela locadora-apelada. Exercício neste momento que se revela contraditório com a postura adotada outrora. Princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do CC). Institutos do “venire contra factum proprium" e da "supressio". Possibilidade de ser considerada suprimida determinada obrigação contratual ante o não exercício do direito correspondente pela locadora. Postura que gera, na locatária, a legítima expectativa de que esse não exercício prorrogar-se-á no tempo. (...) “3
Observa-se que a proibição ao comportamento
contraditório enfatiza figura cada vez mais exigida nas relações atuais:
o dever de lealdade4, ou seja, a exigência de que as partes se
comportem de maneira honesta e confiável nas relações jurídicas em que
estão envolvidas.
Já o dever de mitigar o próprio prejuízo, instituto importado da doutrina Norte-Americana - lá conhecido como “duty to mitigate the loss”
- se relaciona ao dever de se adotar todas as medidas e precauções
possíveis e necessárias para que o seu prejuízo não se agrave. Tal
prerrogativa foi incluída no Enunciado 169 do Conselho da Justiça
Federal – CJF, senão vejamos:
“Enunciado 169 – Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.5”
Nesse sentido, o credor que não cuida de minimizar o
seu prejuízo pode ver reduzido eventual pagamento de perdas e danos pelo
devedor, por ter contribuído de forma culposa para a majoração do
prejuízo.
Em 2010 foi proferida a primeira decisão nesse
sentido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)6, na qual foi
reconhecido o dever de mitigar o próprio prejuízo. O caso trata de um
contrato de Compra e Venda no qual o comprador permaneceu na posse do
imóvel por 07 (sete) anos sem pagar o preço negociado na venda. Na
referida decisão, o Superior Tribunal frisou o dever dos contraentes em
seguir uma conduta pautada pela lealdade, probidade e cooperação, de
forma que estes devem tomar as medidas necessárias para que o dano não
seja agravado. Assim, como o vendedor permaneceu inerte por vários anos
sem tomar nenhuma medida contra o comprador/devedor, foi privado da
cobrança de 01 (um) ano de prejuízo.
É fácil identificar que a jurisprudência e
doutrina atuais estão se adaptando para não mais aceitar manipulações de
concessões anteriormente realizadas como ferramentas de estratégia
negocial. Na mesma linha, a visão jurídica passou a penalizar também aquele que aceita de forma passiva a condição de inadimplência.
Sendo assim, os contraentes devem efetivamente
exercer seus direitos sempre que necessário ou, não o querendo, tomarem
todas as medidas necessárias para que tal conduta não enseje a perda do
direito.
Em face do exposto, comunique o seu advogado sobre
qualquer infração contratual cometida ou mesmo o exercício de obrigações
contrárias ao estabelecido no contrato, para que sejam tomadas as
providências necessárias para resguardar os direitos envolvidos.
___________
1 Schreiber, Anderson. A proibição de comportamento contraditório. Tutela da confiança venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 96.
2 FRADERA, Véra Maria Jacob de. Pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo? Revista trimestral de direito civil. Rio de Janeiro: Padma, v. 19 (julho/setembro), 2004.
3 TJSP.
Apel. 0023257-11.2010.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Occhiuto Júnior,
32ª Câmara de Direito Privado, Julgado em 28/06/2012.
4 Expressão
utilizada pelo Luciano de Camargo Penteado no artigo “Figuras
parcelares da boa-fé objetiva e venire contra factum proprium” que nada
mais é que sub figura da boa-fé objetiva.
5 Enunciado elaborado na III Jornada de Direito Civil.
6 STJ. REsp 758.518/PR, Rel. Ministro Vasco Della Giustina, Terceira Turma, julgado em 17/06/2010, Pub. DJe 28/06/2010.
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