O Conselho Regional de
Medicina de Minas Gerais apresenta em Brasília, no próximo dia 16,
proposta para ampliar a gestação por substituição aos parentes do
marido, sem autorização dos conselhos. Já o Conselho Regional de
Medicina paulista já vem autorizando, nos últimos meses, a substituição
uterina para gerar filhos, através de doadoras que não são
necessariamente parentes da mãe biológica. Para tratar desse assunto e
aprofundar na polêmica da comercialização da barriga de aluguel, do
ponto de vista jurídico, convidamos a advogada familiarista e presidente
do IBDFAM-PA, Nena Sales Pinheiro.
1- O CONSELHO
REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE MINAS GERAIS QUER ESTENDER A
POSSIBILIDADE DE PARENTES DE ATÉ SEGUNDO GRAU DO MARIDO CEDER O ÚTERO
PARA GESTAÇÃO SEM A NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DOS CONSELHOS REGIONAIS
DE MEDICINA. COMO A SENHORA AVALIA A PROPOSTA? A DEMANDA POR ÚTERO DE
SUBSTITUIÇÃO TEM AUMENTADO NO PAÍS?
No Brasil, não existe nenhuma lei que regulamente a doação temporária do útero para gestação, sendo essa questão regida pela Resolução nº 1.957/2010,
do Conselho Federal de Medicina, que dispõe as normas éticas para a
utilização de todas as técnicas de reprodução assistida. Entre essas
normas, consta que as doadoras temporárias do útero devem pertencer à
família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo
este um requisito limitador para aquelas que não possuem parentes de
primeiro e segundo grau. Nestes casos, a gestação por substituição
torna-se inviável para as mulheres que não possuem parentes em condições
de substituí-las, as quais ficam na dependência da aprovação expressa
dos conselhos regionais de Medicina para a prática por parte de parentes
do marido.
Assim, penso que a iniciativa do
conselho regional de Medicina de Minas Gerais, em ampliar a gestação por
substituição aos parentes do marido, vem dar um tratamento isonômico
aos casais, diminuindo substancialmente a procura de doadoras de útero
fora do grupo familiar. Aliás, o Cremesp - conselho regional de Medicina
paulista já vem autorizando, nos últimos meses, a substituição uterina
para gerar filhos, através de doadoras que não são necessariamente
parentes da mãe biológica.
Por fim, a demanda por
útero de substituição aumentou consideravelmente diante da modernização
das práticas de reprodução assistida, decorrente do progresso
biotecnológico. De igual forma, o reconhecimento da união estável entre
casais do mesmo sexo, por certo impulsionará mais ainda a procura pela
gestação por substituição.
2 - COMO A RESOLUÇÃO 1.957 DE 2010 DO CFM, QUE REGULAMENTA A REPRODUÇÃOASSISTIDA NO PAÍS, TRATA A QUESTÃO DA BARRIGA DE ALUGUEL?
Esta
resolução é a única existente no país que trata da matéria e promove a
regulamentação para a utilização de útero alheio objetivando gerar filho
próprio. Para tanto, somente autoriza a utilização da gestação por
substituição se houver comprovado problema médico que impeça ou contra
indique a gestação pela doadora genética, e, desde que, exista
probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de
saúde para a paciente ou o possível descendente.
As
doadoras temporárias do útero devem ter um laço de parentesco até o 2º
grau, com a doadora genética, ou seja, irmãs, mães, tias, avós ou
primas, por exemplo. Qualquer caso que não esteja dentro dessa classe de
pessoas, precisa ser aprovado pelo Conselho Regional de Medicina, que
será feito em cada estado.A doação temporária do útero, sob nenhuma
hipótese poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
É
obrigatório a todas às pacientes submetidas às técnicas de gestação por
substituição, que assinem documento de consentimento, após exposição
detalhada da referida técnica, assim como os resultados obtidos na
unidade de tratamento com a técnica proposta, de modo que as
participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidas sobre
o mesmo.
Essa resolução não tem força de lei,
porém é a que tem dado respaldo aos magistrados para bem aplicar a
justiça aos casos da maternidade de substituição.
Destaco,
que a Lei de Registros Públicos, editada em 1973, não podia prever a
hipótese de registro de filhos pelos doadores genéticos, restando, aos
pais biológicos, recorrerem à Justiça para garantir o direito ao
registro de nascimento do filho, razão pela qual, entendo ser urgente a
atualização legislativa nessa questão do registro civil.
3
- HOJE, A DOADORA DO ÚTERO PRECISA FAZER UMA DECLARAÇÃO ALTRUÍSTICA
DIZENDO QUE NÃO HÁ CARÁTER COMERCIAL ENVOLVIDO NA GESTAÇÃO. VOCÊ ACHA
QUE A BARREIRA DE SE COMERCIALIZAR A BARRIGA DE ALUGUEL, COBRANDO UM
VALOR PARA EXERCER A GESTAÇÃO EM NOME DE OUTRA PESSOA, SERÁ QUEBRADA?
Acho
que dificilmente a barreira de se comercializar a barriga de aluguel
será quebrada. Primeiramente, porque a Constituição Federal tratou da
utilização de órgãos humanos, vedando todo tipo de comercialização, como
se vê no art. 199, § 4º, CF/88:"Art.
199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 4º - A lei
disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de
órgãos tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e
seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização. (grifamos).
Observa-se
que a utilização do útero não se encontra incluída no referido
dispositivo constitucional, tendo em vista que o procedimento do
empréstimo do útero não se assemelha ao transplante de órgão, nem à
pesquisa. Como de igual modo, não ocorre remoção de órgão, tecidos e
substâncias humanas, o que pode dar abertura para a comercialização da
chamada barriga de aluguel. A dois, o artigo 13 do Código Civil
veda a disposição de parte do corpo, a não ser em casos de exigência
médica e desde que tal disposição não traga inutilidade do órgão ou
contrarie os bons costumes. A três, do ponto de vista criminal, a
questão também é controversa, porque alguns entendem que oferecer o
serviço de barriga de aluguel não há tipificação legal por não se
enquadrar no conceito de comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do
corpo humano. Enquanto outros asseveram que a comercialização do
empréstimo do útero é crime tipificado no artigo 15 da Lei 9.437/97.
Destaco, por fim, que o projeto de lei sobre essa matéria, que tramita
no Congresso Nacional, dispõe de forma taxativa que é crime a
comercialização da chamada barriga de aluguel, consolidando a barreira
para a sua comercialização.
4 - VOCÊ ACHA QUE A RESTRIÇÃO À COMERCIALIZAÇÃO DO ÚTERO ATENDE APENAS ÀS QUESTÕES MORAIS?
Não
apenas às questões morais, mas ainda às questões éticas, religiosas,
sociais e econômicas. A restrição à comercialização do útero visa evitar
a generalização e a banalização da procriação tecnológica, havendo um
temor que essa prática de reprodução assistida aumente a demanda por
mães de aluguel, ocasionando a exploração de mulheres pobres e
caracterizando um ato imoral e ilegal. No que diz respeito ao aspecto
jurídico, a questão que se levanta grande discussão e que diz respeito a
um forte aspecto social, trata sobre o direito de um casal, ou uma
pessoa, investir altos valores financeiros para ter um filho, enquanto
há inúmeras crianças abandonadas ou vivendo em miséria absoluta,
envolvendo questões de cunho ético, social, psicológico, religioso e
jurídico. Será que a adoção não seria mais ética e socialmente justa?
Por outro lado, faz-se necessário questionar-se a respeito do
significado da esterilidade para a pessoa humana e sobre a existência ou
não de um direito a procriar.
5 - APESAR DA
PROIBIÇÃO, MULHERES SE OFERECEM NA INTERNET PARA A GESTAÇÃO DE BEBÊS
COBRANDO ENTRE 50MIL E 100MIL REAIS. SABEMOS QUE A COMERCIALIZAÇÃO DO
ÚTERO DE SUBSTITUIÇÃO TRARIA MUITAS REPERCUSSÕES JURÍDICAS. JOÃO UBALDO
RIBEIRO EM ARTIGO PUBLICADO NO ESTADÃO PREVÊ ALGUNS QUESTIONAMENTOS
COMO: "O ALUGUEL DA BARRIGA ENVOLVE SOMENTE A OBRIGAÇÃO DE PORTAR O FETO
NO ÚTERO? A LOCADORA NÃO TEM TAMBÉM DE AMAMENTAR A CRIANÇA, OU ISSO
SERIA CLASSIFICADO COMO ADICIONAL DE PEITO E PAGO SEPARADAMENTE? O PREÇO
DA BARRIGA É SOCIAL E, NOS CASOS DE LOCATÁRIAS DE BAIXA RENDA, DEVE SER
SUBSIDIADO PELO ESTADO?
Note-se que a própria
pergunta traz questões polêmicas e difíceis de serem respondidas neste
momento. Trata-se de repercussões e consequências que advirão da prática
da utilização do novo método de reprodução humana, e que deverão ser
analisadas com ponderação e levando-se em consideração não só a
dignidade humana na solução desses conflitos, mas, sobretudo,
priorizando o melhor interesse do nascituro e da criança. É o que eu
penso.
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