Exclusão do condômino por reiterado comportamento antissocial à luz do novo Código Civil - Atualidades
A matéria do título deste artigo já foi por mim tratada logo após a edição do Código Civil de 2002, e inserida no livro de minha autoria "Condomínio no Novo Código Civil" (ed. Juarez de Oliveira, atual Del Rey)
desde sua primeira edição, e desde então, com a esperança de que a tese
da exclusão do condômino antissocial, do convívio dos demais condôminos
pudesse vicejar.
Com efeito, o
Código Civil de 2002, ao legislar sobre o condomínio edilício, trouxe
diversas inovações: em relação à legislação anterior, tais como a
criação de multa para o condômino antissocial, mas por outro lado,
verificam-se várias omissões do legislador no que tange às questões
igualmente cruciais da vida em condomínio, tais como, a relativa à
restrição aos direitos do condômino inadimplente, à não atribuição de
personalidade jurídica ao Condomínio edilício, e relativa à exclusão do
condômino antissocial.
Quanto à exclusão
do condômino, a mim me parece que, um olhar mais atento à nova lei
civil - deixa claro caber ao juiz tal decisão, ante certos
acontecimentos no microcosmo condominial.
Se não vejamos, o Código Civil de 2002 no seu artigo 1337, parágrafo único estabelece que:
"O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar o correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição, até ulterior deliberação da assembleia".
Atenhamo-nos ao
caso do condômino antissocial. Antissocial quer dizer contrário à
sociedade (condominial); aquele que, se opõe ao convívio social;
insociável, contrário à organização, costumes ou interesses da sociedade
(Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa e Dicionário da
Língua Portuguesa Larousse).
Imaginemos a
hipótese de um condômino dado ao exacerbado alcoolismo, frequentemente é
encontrado nas escadas do condomínio em desalinho, bem como desfalecido
nos elevadores, expelindo vômitos e dejetos. Ante tal fato, o
condomínio, através de seu síndico, convoca uma Assembleia Geral
Extraordinária (art. 1.354 do CC), em cuja pauta convocativa destina a
aplicação do constrangimento de até 10 (dez) vezes a taxa condominial ao
proprietário da "unidade X", ante reiterado comportamento antissocial,
gerando incompatibilidade de convivência com a sociedade condominial já
desgastada em decorrência de tal comportamento.
A assembleia por ¾
(três quartos) de seus condôminos restantes (art. 1.337, do CC),
excluindo assim o condômino do "apartamento X", que convocado e presente
à assembleia defendeu-se alegando que haveria de mudar seu
comportamento, aplicou no ato assemblear a multa com fundamento no art.
1.337, parágrafo único, de 10 (dez) vezes o "quantum" da contribuição
condominial (s.m.j., o quorum exigido na lei civil, nas hipóteses:
reiteradamente inadimplente, infrator e antissocial é simples, restando
entender pela aplicação das multas com muita facilidade pelo
condomínio).
Posteriormente,
foi paga a multa, contudo, o condômino prosseguiu em seu exacerbado
alcoolismo, e até mesmo agudou este comportamento antissocial
(codificação-direito de vizinhança, arts. 1.277 e 1.279, do CC). O
condomínio ingressa com pedido de tutela jurisdicional antecipada,
colimando a exclusão do condômino do condomínio, trazendo inequívoca
prova dos fatos ocorridos, demonstrando a verossimilhança das alegações e
preenchendo todos os demais pressupostos legais exigidos (art. 273, do CPC), requerendo a exclusão do condômino daquele condomínio.
O condomínio,
então autor, pode também, com base no art. 461, § 5º, do Código de
Processo Civil, requerer ao Juiz concessão da tutela específica da
obrigação, e, assim, de ofício ou a requerimento, poderá determinar a
remoção de pessoas e coisas (art. 273 e 461, do CPC, confronte-se com
Código de Processo Civil Comentado, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de
Andrade Nery, Revista dos Tribunais, 6ª edição , de 15.3.2002 e Código
de Processo Civil e legislação processual em vigor, Theotônio Negrão,
Saraiva, 347ª edição, de 4.6.2003, art. 461 e acréscimos, inclusive §
5º, consoante a lei 10.444, de 7.5.2002)
Vê-se, neste
exemplo e outros, bem assim, tráfico de drogas, prostituição em
condomínio residencial; à evidência, o comportamento antissocial
desfigurando e agredindo a sociedade condominial, e então poderá o juiz,
de plano ou durante o desenrolar da ação, desalojar, excluir o
coproprietário da convivência condominial.
O legislador
civil, quanto ao condomínio edilício, trouxe limitação social no direito
de propriedade criando um direito complexo, um binômio
propriedade-exclusiva e propriedade-comum (art. 1.331, do CC). Na
vertente hipótese, salvo melhor juízo, o comportamento antissocial
extravasa o lar, a propriedade exclusiva do coproprietário para as áreas
comuns edilícias, também denominadas frações ideais, de impossível
divisão, levando o condomínio à impossibilidade de corrigir tal
comportamento, mesmo após a imposição do constrangimento legal.
Pode o Juiz,
então, ante a evidência dos fatos, da prova inequívoca e do
convencimento da verossimilhança, decidir pela exclusão do
coproprietário da unidade condominial, continuando este com seu
patrimônio, podendo locá-lo, emprestá-lo ou vendê-lo, perdendo, porém, o
direito de convivência naquele condomínio.
Há mais porém, o art. 5º, inciso X, da Constituição Federal arrola o direito à intimidade (privacidade) e o direito à honra.
O Código Civil,
em seu art. 12, autoriza que o interessado vá a juízo pedir que "cesse a
ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e
danos...", o art. 21 do mesmo códex, demonstrando que a vida privada da
pessoa natural é inviolável, permite que o juiz adote a providência que
se mostra necessária ao caso concreto.
Então, na
hipótese do condômino antissocial violando o direito de personalidade de
outro condômino, ou dos condôminos em geral, no âmbito do próprio
condomínio, como a privacidade, o juiz poderá adotar as providências
necessárias na evitação da continuidade do comportamento.
Se estas
ponderações estiverem corretas, podemos dizer que o legislador do Código
Civil cuidou, de modo implícito, até mesmo da exclusão do condômino por
reiterado comportamento antissocial após a comprovação da continuidade
do comportamento e da impossibilidade do condomínio na defesa de seus
direitos, corrigir a incompatibilidade de convivência.
Em recente publicação no site do Migalhas em o artigo intitulado "A função social da propriedade e a exclusão do condômino antissocial",
o advogado André Motoharu Yoshino, comunga as mesmas ponderações deste
articulista, no sentido da necessidade de se buscar soluções mais
drásticas para o problema do condômino antissocial, tais como a sua
exclusão ou afastamento do convívio condominial, trazendo a lume
julgados que já denotam uma discreta inclinação da jurisprudência nesse
sentido, embora nenhum dos julgados colacionados contemplem a medida em
si, apenas acenam com sua possibilidade, através de procedimentos
futuros.
O que se observa é
que a jurisprudência ainda tem muitas reservas em admitir medidas mais
drásticas para a solução dos problemas da difícil convivência entre
condôminos quando exista dentre eles, alguém de natureza antissocial,
até mesmo para a imposição da multa prevista na lei para a hipótese,
exigindo sempre a perfeita caracterização para que possa ser aplicada a
penalidade.
Enfim,
aguarda-se, que no futuro, possam tais situações de convívio condominial
receber um tratamento mais eficaz, por parte dos julgadores que não a
simples aplicação da multa criada na lei civil em vigor, mas sobretudo a
correção do comportamento antissocial.
Relevante
consignar, à medida em que se consolida o conhecimento e a interpretação
do Código Civil, pelos seus operadores, o inestimável trabalho
elaborado pelo seu grande artífice Miguel Reale, que pontifica a
magnitude da lei civil e sua operabilidade, dando aos julgadores maior
espaço para a sua aplicação.
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