Interpretação das normas à luz dos princípios jurídicos, direito pós-positivo (ou neopositivo) e a citação por edital do devedor que muda de endereço sem informar seu credor
É
corriqueiro na pratica da advocacia um fato que, por infortunado que
seja, não tem sempre uma consequência jurídica que merecia. Se trata da
reiterada prática do devedor que deixa de informar seu credor de sua
mudança de endereço, ou seja, quando da diligência para tentativa de
citação, o devedor não é encontrado no endereço que informou seu credor
quando da formalização do negócio jurídico.
Deste fato,
decorre a imputação de tentativa do credor por todos os meios de busca
que sejam disponíveis até que se localize o devedor. Tal prática traz
transtorno processual, pois traz a necessidade de diversas diligências,
muitas vezes distribuição de inúmeras cartas precatórias para citação,
entre outras medidas que têm desacerto com a atual feição de celeridade
que toma a máquina judiciária. Após inúmeras e incansáveis tentativas de
localização do astuto devedor, pode ser determinada a citação por
edital, prevista no artigo 231 do Código de Processo Civil.
Contudo, numa
análise deveras profunda deste contexto, vemos a discrepância da
imputação dos ônus decorrentes do ato do devedor (no caso, sua mudança
de endereço sem a comunicação ao credor) ao credor e à máquina
judiciária. Não é justo que o credor tenha prejuízos por ato de má-fé do
devedor.
Tal problemática
pode solver-se, a partir de uma análise de melhor sensibilidade da norma
processual, cogente, de natureza pública, à luz dos princípios
jurídicos de direito, acompanhada de uma exegese teleológica. In casu, o princípio da boa-fé contratual.
Pois bem.
O artigo 231 do
Código de Processo Civil, que trata da Citação por edital, modalidade de
citação ficta, que é medida de exceção, menciona que poderá ser
determinada a citação por edital quando desconhecido ou incerto o réu,
quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar que se encontrar, ou nos
casos expressos em lei.
Assim, deverá ser
certificado nos autos estar o réu em lugar incerto e não sabido para
que seja determinada a citação por edital do devedor que se mudou de
endereço sem informar seu credor de seu novo endereço. Ocorre que, na
prática, também é exigido (e com acerto) o exaurimento de todos os meios
disponíveis para localização do réu (dentre estes, pesquisas em órgãos
oficiais mediante distribuição de ofícios, tentativas em diversos
endereços, muitas vezes em outras comarcas, o que demanda distribuição
de carta precatória, etc.).
Tal demanda tem o
condão de premiar o devedor que se esquiva de seus compromissos, pelo
quê, a imputação ao credor do ônus de localizar o devedor, nestes casos,
é medida de injustiça processual. E não deve ser este o condão da lei.
E à luz do princípio da boa-fé contratual, esta prática poderá ser condenada.
Ou seja, a
prática do devedor, em deixar de informar ao seu credor fere ao
princípio da boa-fé contratual, pois que a informação de mudança do
endereço até o término da execução do negócio jurídico é medida de
confiança entre os contratantes, podendo haver estipulação expressa no
contrato de tal obrigação.
Segundo Ruy Rosado de Aguiar1
podemos definir boa-fé como "um princípio geral de Direito, segundo o
qual todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança
e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes
comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos
contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das
justas expectativas surgidas em razão da celebração e da execução da
avenca".
Assim, é de bom grado exigir-se como medida de lealdade contratual a mudança de endereço.
Ademais, a interpretação das normas a partir de princípios é medida muito acertada em busca da justiça.
Mas qual seria a alcançabilidade dos princípios jurídicos no nosso ordenamento?
A interpretação
do direito a partir de princípios jurídicos é de longa data e ganhou
impulso com os movimentos constitucionalistas americano e francês
ocorridos no século XVIII. Como dito por Uadi Lammêgo Bulhões2 "(...) vale
observar que o período do constitucionalismo moderno coincide com a
fase do pós-positivismo jurídicos, por alguns chamado de neopositivismo,
que promoveu a superação do normativismo exarcebado. (...) Pós
positivismo jurídico – movimento que atribui importância aos princípios
do Direito, e não somente às leis".
Ou seja, os
princípios jurídicos ganharam status de normas vinculantes com as
revoluções constitucionalistas, o que coincidiu com a eclosão do direito
póspositivo, ou neopositivismo jurídico.
Lembre-se que o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro
menciona que princípios jurídicos são aplicáveis na omissão da lei. Tal
assertiva merece inteligência cautelosa, pois os princípios não são
aplicáveis somente na omissão da lei, mas são paradigma exegético de
qualquer norma.
Desta forma,
temos que a citação por Edital do devedor que deixa de informar seu
endereço ao seu credor, tão logo seja certificado de que aquele não fora
encontrado no endereço informado, tem respaldo no princípio da boa-fé
contratual, e é medida que coíbe as injustiças legais.
Resta aos juízes
desapegarem da interpretação puramente literal e peremptória das normas
jurídicas para que se faça efetiva justiça processual, pois mera
aplicação do texto frio e estático dá lei não faz justiça, faz no máximo
repetição de normas que faria vergonha até aos glosadores do direito
medieval.
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1
Cláusulas abusivas no Código do Consumidor, in Estudos sobre a proteção
do consumidor no Brasil e no Mercosul) in MELO, Lucinete Cardoso de. O
princípio da boa-fé objetiva no Código Civil. Jus Navigandi, Teresina,
ano 9, n. 523, 12 dez. 2004 . Acesso em: 19 ago. 2012.
2Bulhões, Uadi Lammêgo.Curso de Direito Constitucional. São Paulo. Editora Saraiva: 2011, p. 72 e 73.
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Mário Henrique da Luz do Prado é advogado do escritório JBM Advogados
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