A uniformização nos Juizados Federais, por Marcelo Alves Dias de Souza

Seguindo a trilha aberta semana passada, hoje vou novamente tratar da temática da uniformização das decisões judiciais. Desta feita, falarei sobre o incidente de uniformização previsto para os Juizados Especiais Federais (que inexiste nos Juizados Especiais Estaduais, coisa que colabora, segundo já me reclamaram alguns amigos juízes e advogados, para a não uniformização das decisões judiciais ali proferidas).
Bom, na Lei 10.259/2002, conhecida como Lei dos Juizados Especiais Federais, em seu art. 14, caput, consta que: "Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei". Trata-se do incidente de uniformização de jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, que: a) se fundado em divergência entre Turmas da mesma região, será apreciado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do juiz coordenador (art. 14, § 1º); b) se fundado em divergência entre decisões de Turmas de diferentes Regiões ou proferida em contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, será apreciado por Turma de Uniformização, integrada por Juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal (art. 14, § 2º). Excepcionalmente, poderá a parte interessada provocar a manifestação do STJ, que dirimirá a divergência, quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante deste tribunal (art. 14, § 5º). O objetivo deste incidente é o mesmo do seu precursor, previsto no nosso CPC, arts. 476 a 479: com a uniformização da jurisprudência nos juizados especiais, manter-se-á uma unidade do Direito, evitando, assim, o descrédito que sempre enseja uma volubilidade na prestação jurisdicional.Quanto ao modo de operar, ele deve seguir - até porque se aplicam subsidiariamente aos juizados as disposições do CPC que não são incompatíveis com a lei especial - a mesma lógica do modelo do Código (arts. 476 a 479), com as devidas adaptações. No julgamento do caso concreto numa Turma Recursal, verificando-se que existem decisões divergentes sobre a mesma questão de direito material, submete-se, previamente, a requerimento da parte, do Ministério Público ou mesmo de ofício, a análise da questão de direito material (não dos fatos do caso concreto) ao órgão uniformizador competente. Ou seja, submete-se à Reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do juiz coordenador, se fundado o conflito em divergência entre Turmas da mesma região, ou à Turma de Uniformização, integrada por Juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal, se fundado o conflito em divergência entre decisões de Turmas de diferentes Regiões ou da proferida em contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante do STJ. O julgamento na Turma Recursal fica sobrestado até que o órgão uniformizador decida o incidente. Decidido o incidente, o seu resultado será aplicado, em seguida, obrigatoriamente, pela Turma Recursal ao julgar o caso concreto. É muito importante atentar que o objeto material deste incidente de uniformização é mais limitado que o do seu congênere do CPC, posto que somente recai sobre "questões de direito material", diferentemente daquele que pode recair, também, sobre questão de direito processual.A decisão da tese jurídica (questão de direito material) produz uma dupla ordem de efeitos. Primeiramente, como já foi dito, deve ser observada pela Turma competente no julgamento do caso concreto. Em segundo lugar, para dar sentido ao instituto, a tese jurídica estabelecida pela Turma Uniformizadora (§ 2º) e pelo STJ (§ 4º) no incidente, necessariamente deve vincular o julgamento de novos processos em que se discuta a mesma tese jurídica ("questão de direito material"). Apesar de isso não estar expresso na Lei dos JEF, é uma questão de bom senso e economia processual, pois seria pouco razoável decidir em sentido contrário ou mesmo suscitar um novo incidente em cada novo processo em que se veicula a mesma questão de direito material, quando essa questão já está nacionalmente pacificada através do procedimento previsto para tanto.Por último, a título de complementação, apenas algumas palavras quanto à constitucionalidade, tida como duvidosa, da possibilidade de a parte interessada provocar a manifestação do STJ quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante desse Tribunal (§ 4º do art. 14). Atribui-se, aqui, uma competência (recursal?) para o STJ que, olhando atentamente, não é prevista em nossa Constituição (cf. art. 105). É verdade que o móvel para a criação deste mecanismo foi, certamente, o fato de que, para as decisões das turmas recursais, no julgamento do caso concreto, não há previsão de recurso especial. E, buscando evitar a consolidação, no âmbito dos juizados, de tese em desconformidade com súmula ou jurisprudência dominante do STJ (a quem a guarda da uniformidade da lei federal é conferida constitucionalmente), possibilita-se a manifestação dele, através do que ousamos chamar de um "recurso especial anômalo". Mas se diz que a lei não poderia assim laborar porque a competência do STJ é taxativamente prevista na Constituição Federal, não podendo norma infraconstitucional restringi-la nem ampliá-la. Será?

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