Seguindo
a trilha aberta semana passada, hoje vou novamente tratar da temática
da uniformização das decisões judiciais. Desta feita, falarei sobre o
incidente de uniformização previsto para os Juizados Especiais Federais
(que inexiste nos Juizados Especiais Estaduais, coisa que colabora,
segundo já me reclamaram alguns amigos juízes e advogados, para a não
uniformização das decisões judiciais ali proferidas).
Bom, na Lei
10.259/2002, conhecida como Lei dos Juizados Especiais Federais, em seu
art. 14, caput, consta que: "Caberá pedido de uniformização de
interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões
sobre questões direito material proferidas por Turmas Recursais na
interpretação da lei". Trata-se do incidente de uniformização de
jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, que: a) se fundado em
divergência entre Turmas da mesma região, será apreciado em reunião
conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do juiz coordenador
(art. 14, § 1º); b) se fundado em divergência entre decisões de Turmas
de diferentes Regiões ou proferida em contrariedade à súmula ou
jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, será apreciado
por Turma de Uniformização, integrada por Juízes de Turmas Recursais,
sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal (art. 14, § 2º).
Excepcionalmente, poderá a parte interessada provocar a manifestação do
STJ, que dirimirá a divergência, quando a orientação acolhida pela Turma
de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou
jurisprudência dominante deste tribunal (art. 14, § 5º). O
objetivo deste incidente é o mesmo do seu precursor, previsto no nosso
CPC, arts. 476 a 479: com a uniformização da jurisprudência nos juizados
especiais, manter-se-á uma unidade do Direito, evitando, assim, o
descrédito que sempre enseja uma volubilidade na prestação
jurisdicional.Quanto ao modo de operar, ele deve seguir - até
porque se aplicam subsidiariamente aos juizados as disposições do CPC
que não são incompatíveis com a lei especial - a mesma lógica do modelo
do Código (arts. 476 a 479), com as devidas adaptações. No julgamento do
caso concreto numa Turma Recursal, verificando-se que existem decisões
divergentes sobre a mesma questão de direito material, submete-se,
previamente, a requerimento da parte, do Ministério Público ou mesmo de
ofício, a análise da questão de direito material (não dos fatos do caso
concreto) ao órgão uniformizador competente. Ou seja, submete-se à
Reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do juiz
coordenador, se fundado o conflito em divergência entre Turmas da mesma
região, ou à Turma de Uniformização, integrada por Juízes de Turmas
Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal, se
fundado o conflito em divergência entre decisões de Turmas de diferentes
Regiões ou da proferida em contrariedade à súmula ou jurisprudência
dominante do STJ. O julgamento na Turma Recursal fica sobrestado até que
o órgão uniformizador decida o incidente. Decidido o incidente, o seu
resultado será aplicado, em seguida, obrigatoriamente, pela Turma
Recursal ao julgar o caso concreto. É muito importante atentar
que o objeto material deste incidente de uniformização é mais limitado
que o do seu congênere do CPC, posto que somente recai sobre "questões
de direito material", diferentemente daquele que pode recair, também,
sobre questão de direito processual.A decisão da tese jurídica
(questão de direito material) produz uma dupla ordem de efeitos.
Primeiramente, como já foi dito, deve ser observada pela Turma
competente no julgamento do caso concreto. Em segundo lugar, para dar
sentido ao instituto, a tese jurídica estabelecida pela Turma
Uniformizadora (§ 2º) e pelo STJ (§ 4º) no incidente, necessariamente
deve vincular o julgamento de novos processos em que se discuta a mesma
tese jurídica ("questão de direito material"). Apesar de isso não estar
expresso na Lei dos JEF, é uma questão de bom senso e economia
processual, pois seria pouco razoável decidir em sentido contrário ou
mesmo suscitar um novo incidente em cada novo processo em que se veicula
a mesma questão de direito material, quando essa questão já está
nacionalmente pacificada através do procedimento previsto para tanto.Por
último, a título de complementação, apenas algumas palavras quanto à
constitucionalidade, tida como duvidosa, da possibilidade de a parte
interessada provocar a manifestação do STJ quando a orientação acolhida
pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar
súmula ou jurisprudência dominante desse Tribunal (§ 4º do art. 14).
Atribui-se, aqui, uma competência (recursal?) para o STJ que, olhando
atentamente, não é prevista em nossa Constituição (cf. art. 105). É
verdade que o móvel para a criação deste mecanismo foi, certamente, o
fato de que, para as decisões das turmas recursais, no julgamento do
caso concreto, não há previsão de recurso especial. E, buscando evitar a
consolidação, no âmbito dos juizados, de tese em desconformidade com
súmula ou jurisprudência dominante do STJ (a quem a guarda da
uniformidade da lei federal é conferida constitucionalmente),
possibilita-se a manifestação dele, através do que ousamos chamar de um
"recurso especial anômalo". Mas se diz que a lei não poderia assim
laborar porque a competência do STJ é taxativamente prevista na
Constituição Federal, não podendo norma infraconstitucional restringi-la
nem ampliá-la. Será?
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