Nova Lei de Lavagem trará problemas à Justiça, por Pierpaolo Cruz Bottini - LEI Nº 12.683, DE 9 DE JULHO DE 2012.
A
melhor política de combate ao crime organizado não é endurecer as
penas, mas bloquear o capital que o financia e sustenta. Mais do que a
prisão, a pedra de toque para o enfrentamento da moderna criminalidade é
o combate à lavagem de dinheiro.
Lavar dinheiro é o ato de
ocultar bens, valores e direitos provenientes de infrações penais, para
sua posterior reinserção na economia formal com aparência licita. O
termo “money laundering” foi usado pela primeira vez por
autoridades policiais norte-americanas nos anos 30 do século XX para
descrever o uso, pela máfia, do serviço de máquinas de lavar roupa
automáticas para justificar seus recursos ilícitos. A expressão foi
usada pela primeira vez em um processo judicial nos EUA, em 1982, e a partir de então ingressou na literatura jurídica e em textos normativos nacionais e internacionais.
O
desenvolvimento da criminalidade organizada sofisticou o processo de
lavagem de dinheiro. O uso de pequenos negócios para encobrir o capital
sujo foi substituído por complexas movimentações financeiras em âmbito
internacional. O rastreamento dos bens provenientes de ilícitos penais —
muitas vezes mascarados em paraísos fiscais — exigiu o aprimoramento
das estratégias de fiscalização e controle. A partir do final dos anos
1980, tratados e convenções sobre lavagem de dinheiro foram assinados, e
diversos países aprovaram leis especificas para enfrentar essa prática.
No
Brasil, a primeira lei sobre o tema data de 1998. Previa a punição do
ato de ocultar valores provenientes de alguns crimes graves, como o
tráfico de drogas, de armas, e a extorsão mediante sequestro, com pena
de três a dez anos de prisão. A mesma lei criou o Coaf, órgão
responsável pela sistematização de informações sobre operações
suspeitas, atividade fundamental para o conhecimento dos métodos de
lavagem de dinheiro e o desenvolvimento de políticas de prevenção e
repressão. Em decorrência da lei foram instituídas varas judiciais
especializadas para o julgamento desses crimes, encabeçadas por juízes
com capacitação e treinamento especifico para isso.
Hoje foi
publicada uma nova lei sobre lavagem de dinheiro, que traz grandes
mudanças. Algumas oportunas, como a ampliação do controle de
movimentações financeiras suspeitas e regras que facilitam a
identificação de bens sujos. Agora, juntas comerciais, registros
públicos, e agências de negociação de direitos de transferência de
atletas e artistas, deverão comunicar às autoridades públicas qualquer
operação suspeita de lavagem de dinheiro, dificultando as atividades
criminosas.
Outras alterações, no entanto, preocupam, como a
ampliação do conjunto das condutas puníveis. Antes apenas bens
provenientes de alguns crimes graves — como tráfico de drogas e
contrabando de aras — eram laváveis. Agora, a ocultação do produto de
qualquer delito ou contravenção penal, por menor que seja, constitui
lavagem de dinheiro. Ainda que bem intencionada, a norma é
desproporcional, pois punirá com a mesma pena mínima de três anos o
traficante de drogas que dissimula seu capital ilícito e o organizador
de rifa ou bingo em quermesse que oculta seus rendimentos. Não parece
adequado ou razoável.
Ademais, a ampliação citada pode
inviabilizar as varas judiciais especializadas em lavagem de dinheiro.
Se a maior parte dos crimes ou contravenções pode gerar lavagem de
dinheiro, haverá ampliação vertiginosa do número de processos remetidos a
tais órgãos para julgamento. O que era exceção passa a ser regra.
Assim, ou bem se aumenta a estrutura e o número de juízes nesses
setores, ou a falta de quadros resultará na morosidade e na consequente
impunidade pela prescrição.
Por outro lado, merece as mais severas
críticas e desperta apreensão o dispositivo que determina o afastamento
automático do servidor público indiciado por lavagem de dinheiro.
Atrelar o mero indiciamento policial a uma cautelar de tal gravidade
macula profundamente a presunção de inocência e deixa sem controle
judicial a aplicação de uma das medidas restritivas de direito mais
agressivas: aquela que impede o servidor de exercer seu múnus, seu
trabalho, sua função. É bom ter sempre em mente as críticas reiteradas
ao ato de indiciamento em si, até hoje não regulado pela legislação
processual penal.
Enfim, a nova lei, como todas em geral, tem
aspectos positivos e negativos. Esperemos que seus exageros sejam
compensados com uma aplicação cautelosa, pautada pela percepção de que o
combate à lavagem de dinheiro tem por objeto o grande crime organizado,
e que sua banalização e desvio de foco pode comprometer todos os
avanços alcançados nos últimos anos.
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