O Tribunal Penal Internacional (TPI), criado pelo Estatuto de Roma e
estabelecido em Haia, é considerado por muito internacionalistas a
principal conquista do Direito Internacional depois da criação das
Nações Unidas, em 1945. Apesar disso, dez anos após a criação, a corte,
que aniversaria neste domingo, 1, é alvo de críticas sobre a real
eficácia, com apenas um caso encerrado e mandados de prisão ignorados.
estadão.com.br: Líderes de países que não firmaram ou
ratificaram o Estatuto de Roma, como Líbia e Sudão, não podem ser
julgados pelo TPI, a menos que o caso seja enviado pelo Conselho de
Segurança da ONU. Essa influência do CS prejudica a independência da
corte?
Sylvia Steiner: Acho que existe um sistema de
cooperação recíproca do tribunal com a ONU. O envio de casos pelo
Conselho de Segurança ao TPI está dentro das atribuições do órgão e é
previsto pelo Estatuto de Roma. Está coberto pelo princípio da
legalidade. Em termos de conveniência ou interferência, quando o
Conselho de Segurança remete um caso ao TPI, isso não significa que ele
imponha uma investigação. Então, não acredito que seja uma influência
política, porque a corte não está subordinada ao Conselho de Segurança.
estadão.com.br: Mas seria muito improvável que fossem
encaminhados para investigação, por exemplo, crimes cometidos por George
W. Bush.
Sylvia Steiner: Sim. Dentro da atual estrutura do
Conselho de Segurança, que vem desde o pós-guerra, há sempre espaço para
decisões políticas. Por exemplo, se cinco Estados têm o poder de veto, é
muito difícil imaginar que haverá o envio de um caso ao TPI que envolva
algum desses países. Mas não acho que isso comprometa a legitimidade do
tribunal. Isso pode colocar em discussão possíveis reformas da
estrutura da ONU.
estadão.com.br: O presidente do Sudão, Omar Bashir tem um
mandado de captura emitido pelo TPI. No ano passado, ele foi recebido
pela China, que não assinou o Estatuto de Roma e não entregou o ditador.
Como isso foi visto?
Sylvia Steiner: Em princípio, todos os países do
Conselho de Segurança teriam o compromisso moral de cooperar com o TPI
nos casos enviados pelo órgão. Mas, como a China não é signatária do
Estatuto de Roma, a corte não pode tomar nenhuma medida. O problema mais
sério, no entanto, é em relação aos países que ratificaram o Estatuto
de Roma, que têm obrigação de cooperar com o tribunal e executar as
ordens de prisão que são requisitadas.
Nós analisamos duas visitas feitas por Bashir a ao Chade e a Malauí e
concluímos que os dois países descumpriram a obrigação de cooperar com o
TPI, sem motivo razoável. Sendo assim, enviamos um parecer ao Conselho
de Segurança da ONU e também à Assembleia dos Estados Partes, que tem
competência para tomar qualquer medida em termos de sanção.
estadão.com.br: Quais serão as sanções?
Sylvia Steiner: A Assembleia dos Estados Partes
ainda não estabeleceu regras com relação a isso, porque é a primeira vez
que ocorre. Mas, de acordo com o direito internacional, qualquer Estado
que descumpre uma obrigação de um tratado ratificado comete um ilícito
internacional e é sujeito a sanções previstas pelo próprio tratado, pela
ONU ou, no nosso caso, pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
estadão.com.br: A investigação dos crimes de Bashir e de
outros ditadores árabes fica mais difícil pelo fato de esses países não
serem membros do TPI?
Sylvia Steiner: Dificulta bastante para o promotor,
porque quando um Estado não é membro, ele não tem a obrigação de
facilitar as investigações.
estadão.com.br: Qual é o peso para o Tribunal o fato de Estados Unidos, China e Rússia não serem membros do TPI?
Sylvia Steiner: O TPI foi criado com um objetivo
muito claro de se transformar em um tribunal penal universal. Então o
objetivo maior é que, um dia, a longo prazo, todos os Estados sejam
partes do Estatuto de Roma. Seria o ideal contar com esses Estados, que
são fortes e têm poder, mas a ausência deles não tem comprometido a
legitimidade do Tribunal.
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