O imóvel dado a penhora pelos executados, sócios da empresa onde
trabalhava o reclamante, credor na ação na 4ª Vara do Trabalho de São
José do Rio Preto, era o único imóvel da família e onde residiam os
sócios. Por isso, foi defendido pelos executados como sendo bem de
família. A propriedade, uma casa de 747 metros quadrados, construída em
um terreno com área de 1.110 metros quadrados, está localizada no Jardim
dos Estados, na cidade de São Paulo, e foi avaliada em R$ 1,8 milhão.
O juízo de primeira instância liberou da penhora o único imóvel de propriedade dos executados.
Inconformado com a decisão que acolheu os embargos à execução e
julgou insubsistente a penhora, recorreu o exequente. Em síntese,
sustentou que o imóvel não pode ser considerado bem de família porque
foi dado em caução para garantia das dívidas assumidas pela empresa.
Além disso, afirmou que o agravado admitiu ter vendido imóvel de menor
valor e ter utilizado o capital para a compra de outro suntuoso, o que é
vedado pela Lei nº 8.009/1990.
O recorrente ainda salientou que o direito de propriedade não pode
prevalecer sobre a proteção ao trabalhador e que o produto obtido em
hasta pública será suficiente para a satisfação do crédito e para
aquisição de moradia digna para o agravado. Concluiu dizendo que a
interpretação da lei não pode levar ao absurdo de garantir uma moradia
luxuosa para o devedor e nenhuma moradia para o trabalhador.
O relator do acórdão da 5ª Câmara do TRT, desembargador Samuel Hugo Lima, concordou com os agravantes e lembrou que o artigo 4º da Lei nº 8.090/1990
estabelece que: Não se beneficiará do disposto nesta Lei aquele que,
sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para
transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da residência
antiga. E, por isso, entendeu o magistrado que a má-fé ficou
caracterizada.
Consta dos autos que o imóvel foi adquirido em 20 de setembro de
1994, e, conforme os executados admitiram, parte dos recursos decorreu
da venda de outro imóvel. O acórdão ressaltou, porém, que se é que se
valeram do numerário obtido com a venda do antigo imóvel para adquirir o
que agora constitui objeto de cizânia, e se de fato pretendiam gozar do
benefício legal, não teriam caucionado o imóvel, já em 1996, para
garantia das obrigações assumidas pela empresa. Essa situação, segundo o
acórdão, pode ser verificada do que está registrado na matrícula do
imóvel, ato esse que sem dúvida implica renúncia ao benefício da
impenhorabilidade.
Depois da compra do imóvel, época em que a empresa ainda gozava de
boa saúde financeira, a situação se inverteu, a ponto de a personalidade
jurídica ter de ser desconsiderada, transferindo-se a responsabilidade
aos sócios, com quem certamente se encontrava o patrimônio da empresa,
observou o relator. Estes nem sequer alegaram ter outras fontes de
renda, suficientes para a aquisição de um imóvel de valor tão
significativo, completou o magistrado.
O acórdão destacou que foi no ano de 2007 que os exequentes foram
incluídos no polo passivo, quando a dívida trabalhista totalizava R$
19.331,18. A pesquisa no sistema BacenJud foi negativa, porém as
declarações de imposto de renda que ambos apresentaram espontaneamente
nos autos comprovaram que, ao final daquele ano-base, os dois sócios
possuíam dinheiro para quitar a dívida.
A decisão colegiada ressaltou que não bastasse a evidente má-fé dos
executados, a suntuosidade do bem penhorado também justifica a penhora.
Quanto ao termo suntuoso, o acórdão lembrou que o artigo 2º da Lei nº 8.090/1990
estabelece: Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte,
obras de arte e adornos suntuosos. E como o agravante pretendeu, em sua
defesa, ampliar a exceção legal para excluir da impenhorabilidade também
o imóvel, atribuindo-lhe a qualidade de suntuoso, o acórdão buscou
definir um sentido para o adjetivo suntuoso utilizado pelo legislador.
Pelo Novo Dicionário Aurélio, suntuoso tem dois significados: 1 com que
se faz grande despesa; 2 em que há grande luxo, pomposo, magnificente,
aparatoso, suntuário, derivada do substantivo sumpto, que significa
total das despesas, gasto. E, com base nisso, concluiu que a
suntuosidade ou a modéstia do bem podem ser aferidas a partir do seu
valor.
O oficial de justiça avaliou o imóvel em R$ 1,8 milhão. Tal valor,
segundo o acórdão, não foi impugnado pelos exequentes, a quem,
evidentemente, não interessava diminuí-lo. Porém, a decisão considerou
que é necessário estabelecer um critério ou parâmetro que seja ao mesmo
tempo objetivo, justo e equânime, o que foi conseguido com base no
Sistema Financeiro da Habitação, que financia imóveis residenciais até o
limite de R$ 500 mil. Ainda segundo o acórdão, esse é o valor máximo
que é acessível à universalidade das pessoas e, por isso, pode ser
utilizado como limite a partir do qual um imóvel pode ser considerado
suntuoso.
Em conclusão, o acórdão julgou subsistente a penhora do imóvel de
propriedade do sócio, determinando o prosseguimento da execução. Em seu
entendimento, amplamente demonstrado, foram considerados em conjunto o
princípio da dignidade da pessoa humana, que inspira a Lei 8.090/1990
a fim de garantir moradia digna ao devedor e à sua família, sendo
também o princípio maior que orienta o legislador a criar todo um
sistema de proteção do trabalhador, até porque o salário é a única
garantia do seu sustento e da sua família. Também foi considerado que se
o devedor tem direito à propriedade (Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXII), esta deve atender a função social (Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXIII).
Por fim, salientou ao devedor que o direito constitucionalmente
garantido é à moradia digna, não à propriedade de imóvel à sua escolha,
muito menos se são trabalhistas os credores que padecem aguardando o
cumprimento do julgado, não obstante tenham direito, além da dignidade
humana, à duração razoável do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição).
O acórdão concluiu que não há conflito de princípios, senão conflito
entre dois interesses resguardados por um único princípio
constitucional, e que a solução desse aparente conflito se resolve por
intermédio da equidade, garantindo-se a ambos a parcela de dignidade
possível. E resumiu, considerando que se os sócios não quiseram pagar a
dívida, conquanto tivessem caixa para tanto, não podem desvirtuar a
finalidade social da propriedade para aniquilar o sacro direito
decorrente da relação de trabalho. (Processo 0221600-70.2005.5.15.0133)
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