Nos últimos dias, a
imprensa divulgou amplamente a morte do empresário Marcos Matsunaga, em
São Paulo, assassinado e esquartejado por sua mulher, Elize Matsunaga.
Do casamento, adveio
uma única filha, atualmente com um ano de idade. Elize era prostituta e
conheceu o marido, homem abastado, no exercício de sua profissão, pela
internet.
Segundo noticiado, uma
das razões para o cometimento do crime foram as constantes ameaças,
feitas por Matsunaga, de divórcio e exposição do passado meretrício da
mulher, para justificar o pedido de guarda da criança.
As notícias instigam algumas indagações.
O passado de
prostituição da mãe (ou do pai) constitui elemento suficiente para
atribuir a guarda do filho menor ao outro genitor, em caso de divórcio?
Como o juiz deve decidir sobre a guarda em situações como essa?
Quanto à guarda de
filhos, a lei 11.698, de 13 de junho de 2008, inovou ao determinar que,
não havendo acordo entre a mãe e o pai, deve ser aplicada, sempre que
possível, a guarda compartilhada (art. 1584, parágrafo segundo, do CC).
Embora seja mais uma
lei com propósito elevado, na prática nem sempre a guarda compartilhada é
a melhor opção. Os conflitos constantes entre os progenitores do menor
muitas vezes contaminam a saúde psíquica da criança de forma ainda mais
nefasta.
A maturidade dos pais,
para não utilizar a criança como arma, de defesa ou de ataque, na
relação entre eles é fundamental em qualquer situação. Mas, na guarda
compartilhada, isso parece ser mais importante, pois os pontos de
contato e, consequentemente, de desavenças, são potencialmente maiores.
De qualquer modo, o
juiz tem espaço confortável, pela letra da lei ("sempre que possível"),
para atribuí-la ou, diferentemente, optar pela guarda unilateral. O
interesse que deve preponderar é o do menor. Nesse sentido, a guarda
deve ser conferida ao genitor que revelar melhores condições para
exercê-la.
Melhores condições não
são sinônimo de dinheiro. A lei expressamente põe em destaque o afeto
nas relações com o genitor e com o grupo familiar, a saúde, a segurança e
a educação (art. 1583, parágrafo segundo, do CC). Todos esses fatores
devem ser considerados em conjunto, não havendo hierarquia entre eles.
Por tudo isso, a
resposta à primeira pergunta deve ser negativa. O fato de a mãe ter se
prostituído no passado não é fator determinante para a guarda ser
atribuída ao pai em eventual disputa.
A análise suscita outra
dúvida, que não tem a ver com o caso citado, mas sim com o título do
presente texto: e se a prostituição é atual? Tal fato seria autorizador
da perda da guarda? E do poder familiar?
O Código Civil, no art.
1638, dispõe que uma das causas da perda do poder familiar é a prática
de atos contrários à moral e aos bons costumes. Alguns autores
exemplificam o comando legal exatamente com a prostituição.
Entretanto, tal artigo
de lei deve ser interpretado em harmonia com outros princípios, mormente
aquele que prioriza sempre o interesse do menor. A prostituição da mãe
que prejudica a criança porque exercida, por exemplo, nos aposentos
domésticos, pode sim acarretar a perda do poder familiar e,
consequentemente, da guarda. Principalmente se estiver associada a
outras condutas nocivas (drogas, alcoolismo, etc). Se, de outra forma, a
prostituição é exercida como se fosse outra profissão qualquer, com
discrição e ampla preservação psíquica do menor, não há razão para
destituir a mãe (ou o pai, se ele se prostituir) do poder familiar.
Não se pode utilizar o
instituto da perda do poder familiar como forma de punição do genitor
que pratica atos contrários à moral ou bons costumes. Ainda que
infringindo os deveres matrimoniais. O primeiro interesse é o da
criança. A prostituta, apesar da profissão, pode educar a criança com
valores éticos muitas vezes mais nobre do que o outro genitor que tenha
profissão regulamentada.
Sobre isso, é
importante lembrar que o Código Civil de 2002, diferentemente do que
constava da lei do Divórcio (lei 6.515 de 26 de dezembro de 1977), não
priorizou a guarda da criança em benefício do cônjuge inocente na
dissolução do casamento.
Em
conclusão, a interpretação mais adequada para o art. 1638, inciso III,
do CC, que admite a perda do poder familiar se houver atos contrários à
moral ou aos bons costumes, deve sempre levar em consideração o efetivo
ou potencial prejuízo da criança. E não simplesmente a conduta
descontextualizada da relação de maternidade ou paternidade. Do
contrário, o remédio pode ser pior que a doença.
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