O
STJ considera que as recentes decisões acerca de dano moral coletivo
contribuíram para inovação da jurisprudência sobre o tema. A indenização
sobre a violação dos interesses difusos e coletivos, admitida pelo CDC,
deve ter dano examinado e mensurado.
Mudanças
históricas e legislativas têm levado a doutrina e a jurisprudência a
entender que, quando são atingidos valores e interesses fundamentais de
um grupo, não há como negar a essa coletividade a defesa do seu
patrimônio imaterial. As ações podem tratar de dano ambiental,
desrespeito aos direitos do consumidor, danos ao patrimônio histórico e
artístico, violação à honra de determinada comunidade e até fraude a
licitações.
De acordo com a ministra Nancy Andrighi, do STJ, o CDC foi um divisor de águas no enfrentamento do tema. No julgamento do REsp 636.021
ela afirmou que o artigo 81 do código do consumidor rompeu com a
tradição jurídica clássica, de que só indivíduos seriam titulares de um
interesse juridicamente tutelado ou de uma vontade protegida pelo
ordenamento.
Para a ministra, a
evolução legislativa acerca do dano moral coletivo reconhecem a lesão a
um bem difuso ou coletivo corresponde a um dano não patrimonial. Para
ela, "criam-se direitos cujo sujeito é uma coletividade difusa,
indeterminada, que não goza de personalidade jurídica e cuja pretensão
só pode ser satisfeita quando deduzida em juízo por representantes
adequados".
A ministra, que
classifica como inquestionável a existência, no sistema legal
brasileiro, dos interesses difusos e coletivos, citou o ECA, que permite
que o MP ajuíze ações de responsabilidade por ofensa aos direitos
assegurados à criança e ao adolescente.
A ocorrência de dano moral coletivo ainda é polêmica no STJ. No julgamento do REsp 971.844, a 1ª turma entendeu ser necessária a vinculação do dano moral "com
a noção de dor, sofrimento psíquico e de caráter individual,
incompatível, assim, com a noção de transindividualidade –
indeterminabilidade do sujeito passivo, indivisibilidade da ofensa e de
reparação da lesão".
Na ação, o MPF
pedia a condenação da Brasil Telecom por ter deixado de manter postos de
atendimento pessoal nos municípios do RS, o que teria violado o direito
dos consumidores à prestação de serviços telefônicos com padrões de
qualidade e regularidade adequados à sua natureza. O relator, ministro
Teori Zavascki, destacou acórdão do TRF da 4ª região que considerou que o
eventual dano moral se limitou a atingir pessoas individuais e
determinadas.
Em outro recurso (REsp 598.281),
discutia-se dano ambiental cometido pelo município de Uberlândia/MG e
por uma empresa imobiliária, durante a implantação de um loteamento. A
decisão considerou que a vítima do dano moral deve ser, necessariamente,
uma pessoa, uma vez que "A ofensa moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora de individualidade própria; de um vultus singular e único".
Já no REsp 821.891,
a 1ª turma repeliu a condenação por dano moral coletivo por uma empresa
que havia fraudado licitação no município de Uruguaiana/RS. Confirmando
decisão em 1º grau, o ministro Luiz Fux considerou que é preciso haver a
comprovação de efetivo prejuízo para superar o caráter individual do
dano moral. "A fraude à licitação não gerou abalo moral à
coletividade. Aliás, o nexo causal, como pressuposto basilar do dano
moral, não exsurge a fim de determiná-lo, levando ao entendimento de que
a simples presunção não pode sustentar a condenação pretendida".
Em julgamento de outro recurso (REsp 1.057.274),
a ministra Eliana Calmon reconheceu que a reparação de dano moral
coletivo é tema bastante novo no STJ. Na ação civil pública, era
pleiteado o pagamento de indenização de dano moral coletivo de uma
concessionária do serviço de transporte público que pretendia
condicionar o passe livre de idosos no transporte coletivo ao prévio
cadastramento, apesar de o estatuto do idoso exigir apenas a
apresentação de documento de identidade.
A 2ª turma
concluiu que o dano moral coletivo pode ser examinado e mensurado. No
recurso, a ministra reconheceu os precedentes que afastavam a
possibilidade de se configurar tal dano à coletividade, mas asseverou
que a posição não poderia mais ser aceita. "As relações jurídicas
caminham para uma massificação, e a lesão aos interesses de massa não
pode ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que
levará ao fracasso do direito como forma de prevenir e reparar os
conflitos sociais", ponderou.
Para a ministra, o
dano extrapatrimonial coletivo prescindiria da prova da dor, sentimento
ou abalo psicológico sofridos pelos indivíduos. "É evidente que uma
coletividade de índios pode sofrer ofensa à honra, à sua dignidade, à
sua boa reputação, à sua história, costumes e tradições", disse a ministra. De acordo com Nancy, tais dores não são sentidas pela coletividade da mesma forma como pelos indivíduos.
No REsp 1.180.078,
que discutia a necessidade de reparação integral da lesão causada ao
meio ambiente, a 2ª turma entendeu que a condenação a recuperar a área
lesionada não exclui o dever de indenizar. Para o relator, ministro
Herman Benjamin, a reparação ambiental deve ser feita da forma mais
completa, o que inclui o dano interino, o dano residual e o dano moral
coletivo. "A indenização, além de sua função subsidiária (quando a
reparação in natura não for total ou parcialmente possível), cabe de
forma cumulativa, como compensação pecuniária pelos danos reflexos e
pela perda da qualidade ambiental até a sua efetiva restauração", afirmou.
Em outro recurso (REsp 1.221.756),
um banco foi condenado por danos morais coletivos por manter caixa de
atendimento preferencial somente no segundo andar de uma agência,
acessível apenas por escadaria de 23 degraus. A 3ª turma considerou
desarrazoado submeter a tal desgaste quem já possui dificuldade de
locomoção. O relator, ministro Massami Uyeda, destacou que a agência
tinha condições de propiciar melhor forma de atendimento e a indenização
ficou em R$ 50 mil.
Ele destacou que,
embora o CDC admita a indenização por danos morais coletivos e difusos,
não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode
acarretar esse tipo de dano, resultando na responsabilidade civil. "É
preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e
transborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente
para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e
alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva", esclareceu.
Em um caso que
ganhou repercussão nacional, a 3ª turma do STJ confirmou condenação do
laboratório Schering do Brasil ao pagamento de danos morais coletivos no
valor de R$ 1 milhão, em decorrência da comercializar o
anticoncepcional Microvlar sem o princípio ativo, o que ocasionou a
gravidez de diversas consumidoras.
A ACP foi
ajuizada pelo Procon e pelo Estado de SP. De acordo com a decisão, a
comercialização das "pílulas de farinha" foi relacionada diretamente à
necessidade de respeito à segurança do consumidor, ao direito de
informação que estes possuem e à compensação pelos danos morais
sofridos. Juízo de 1ª instância já havia considerado o dano moral
dedutível das próprias circunstâncias em que ocorreram os fatos.
No REsp 866.636,
o laboratório pedia produção de prova pericial, para que fosse
averiguada a efetiva ocorrência de dano moral à coletividade. O pedido,
no entanto, foi refutado pela ministra Nancy Andrighi que considerou que
a prova somente poderia ser produzida a partir de um estudo sobre
consumidoras individualizadas. Para ela, tal contestação seria uma "irresignação
de mérito, qual seja, uma eventual impossibilidade de reconhecimento de
danos morais a serem compensados diretamente para a sociedade e não
para indivíduos determinados".
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