Uma comédia de erros. Assim o desembargador José Guilherme de Souza,
da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal,
classificou Habeas Corpus que chegou a sua mesa sem, segundo ele,
justificativa aparente. Embora tenha julgado o pedido procedente, o
desembargador afirmou que o caso lhe trouxe um sentimento de
“perplexidade”.
“O primeiro ponto a destacar, porque causa aguda
espécie e acendrada perplexidade, é a circunstância de que se trata de
uma seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais
impetrando uma ordem de HC em favor de uma advogada militante naquele
estado-membro”, afirmou. A Ordem questionou ato de juiz de Brasília, que
acatou denúncia por suposto crime de ação privada cometido contra
magistrado também de Minas Gerais.
“Por que um juiz e uma advogada
mineiros viriam, em última análise, a litigar no foro de Brasília (...)
se, além de ambos laborarem na terra de Tiradentes, Dona Beja e
Tancredo Neves, o próprio 'fato delituoso' em si teria lá tido lugar?”,
questionou Guilherme de Souza, para, em seguida, admitir que ainda
espera uma resposta.
O caso teve início quando uma advogada
encaminhou denúncia à atual corregedora nacional de Justiça, ministra
Eliana Calmon, na qual questionava as condutas de juiz que, a seu ver,
constituiriam irregularidades funcionais e abuso de poder. O juiz, por
sua vez, entendeu que a reclamação não poderia ser feita e, por meio do
Ministério Público de Brasília, iniciou procedimentos que vieram a
culminar com uma Ação Penal contra a advogada por injúria e difamação. O
juiz alegou, por exemplo, que a paciente “atirava farpas contra a sua
honra, objetivando denegrir a sua imagem”.
“Se isso fosse crime,
todo cidadão brasileiro que reclamasse contra um mau proceder de juiz
estaria inevitavelmente condenado a comparecer às barras dos tribunais
e, daí, à prisão!”, exclamou o desembargador Guilherme de Souza.
“Retornaríamos aos tempos de João Sem Terra e aos abusos do despotismo
absolutista, do poder sem limites que não conhece leis, salvo aquelas
que ele próprio engendra”.
A OAB-MG, então representada pelo
advogado João Antonio Cunha Nunes, entrou com HC contra ato do 2º
Juizado Especial Criminal da Circunscrição Especial Judiciária de
Brasília, que recebeu a denúncia contra a advogada. A ordem veio
acompanhada de pedido de liminar, sob a alegação de falta de justa causa
para a Ação Penal, configurando constrangimento ilegal por parte da
autoridade.
“Reclamar ao Conselho Nacional de Justiça (...) ou a
qualquer órgão de controle interno ou externo do proceder funcional dos
juízes, não é e não pode constituir crime. É direito constitucional do
cidadão”, afirmou Guilherme de Souza. “Nesse descortino, aliás, nesse
desalentador panorama, em que a paciente, e sua respectiva impetrante,
bateram a várias portas do Judiciário sem merecerem o devido, necessário
e respeitoso atendimento, concluo que a autoridade coatora cometeu ato
de cerceamento da liberdade (...) ao receber a denúncia tal como
formulada.”
Assim, a 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do
Distrito Federal decidiu conceder HC em favor da advogada e trancar a
Ação Penal por falta de justa causa. O relator, por fim, ainda lembrou
declaração do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Carlos
Velloso, que, quando integrou a Suprema Corte, alertou que "homens não
são anjos e, portanto, juízes também não são".
Habeas Corpus 2012 00 2 009174-4.
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