Quanto custa abandonar uma filha na infância e na adolescência? Para a
ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o
preço do abandono é de R$ 200 mil. Esse é o valor que ela arbitrou em
um caso de indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo
pelos pais. O fundamento foi o de que “amar é faculdade, cuidar é
dever”. Na visão da ministra, existem relações que trazem vínculos
objetivos para os quais há previsões legais e constitucionais de
obrigações mínimas, como acontece com a paternidade.
“Aqui não se
fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de
cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de
gerarem ou adotarem filhos”, declarou a ministra. Segundo ela, o amor
estaria alheio ao campo legal, situando-se no metajurídico, filosófico,
psicológico ou religioso.
A ministra observou que o ato ilícito
deve ser demonstrado, assim como o dolo ou culpa do agente. Dessa forma,
não bastaria o simples afastamento do pai ou mãe, decorrente de
separação, reconhecimento de orientação sexual ou constituição de nova
família. “Quem usa de um direito seu não causa dano a ninguém”,
ponderou.
Embora a decisão da 3ª Turma seja inédita, essa não é a
primeira vez que um caso desse tipo é analisado pelos ministros do STJ.
Em 2005, a 4ª Turma rejeitou a possibilidade de ocorrência de dano moral
por abandono afetivo.
Dessa vez, a autora entrou com ação contra o
pai, depois de ter obtido reconhecimento judicial da paternidade, por
ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e
adolescência. Na primeira instância, o pedido foi julgado improcedente. O
juiz entendeu que o distanciamento se deveu ao comportamento agressivo
da mãe em relação ao pai.
A decisão foi reformada pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo, que fixou o valor em R$ 416 mil. O valor da
indenização atual deve ser atualizado a partir de 26 de novembro de
2008, data do julgamento pelo tribunal paulista.
No STJ, o pai
alegou violação a diversos dispositivos do Código Civil e divergência
com outras decisões do tribunal. A relatora não aceitou os argumentos.
Segundo ela, não há por que excluir os danos decorrentes das relações
familiares dos ilícitos civis em geral. “Muitos, calcados em axiomas que
se focam na existência de singularidades na relação familiar —
sentimentos e emoções —, negam a possibilidade de se indenizar ou
compensar os danos decorrentes do descumprimento das obrigações
parentais a que estão sujeitos os genitores”, afirmou.
Nancy
ressaltou que a filha superou as dificuldades sentimentais ocasionadas
pelo tratamento como “filha de segunda classe”, sem que fossem
oferecidas as mesmas condições de desenvolvimento dadas aos filhos
posteriores, mesmo diante da “evidente” presunção de paternidade e até
depois de seu reconhecimento judicial.
“Apesar das inúmeras
hipóteses que poderiam justificar a ausência de pleno cuidado de um dos
genitores em relação à sua prole, não pode o julgador se olvidar que
deve existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o menor que,
para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos
quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e
inserção social”, concluiu.
Para a relatora, o cuidado é um valor
jurídico apreciável e com repercussão no âmbito da responsabilidade
civil, porque constitui fator essencial — e não acessório — no
desenvolvimento da personalidade da criança. “Nessa linha de pensamento,
é possível se afirmar que tanto pela concepção, quanto pela adoção, os
pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que vão além
daquelas chamadas necessarium vitae”, disse.
Para a
ministra, “não existem restrições legais à aplicação das regras
relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de
indenizar/compensar, no direito de família”. E mais: a interpretação
técnica e sistemática do Código Civil e da Constituição Federal apontam
que o tema dos danos morais é tratado de forma ampla e irrestrita,
regulando inclusive “os intrincados meandros das relações familiares”. Com informações da Assessoria de Comunicação do STJ.
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