Acertos internacionais Hierarquia de tratados de direitos humanos gera impasse, por Moisés Leite Tavares
O conflito gira em torno da hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos, in casu,
o Pacto de São José da Costa Rica ou Convenção Americana de Direitos
Humanos, de 22 de novembro de 1969, incorporado ao ordenamento jurídico
brasileiro por meio do Decreto 678, de 06 de novembro de 1992. O texto
dispõe em seu artigo 7°, item 7, que “ninguém deve ser detido por
dívida, exceto no caso de inadimplemento de obrigação alimentar”. E, na
Constituição Federal brasileira, estatui no artigo 5°, inciso LXVII, que
“ não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel”.
Diante dessa aparente divergência no tocante à
prisão do depositário infiel, preso em razão de dívida existente em
contrato comercial aderido voluntariamente, nasceram cinco correntes
defendendo a hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos, conforme segue
abaixo:
A primeira teoria foi a Monista, que defendia que os
Tratados Internacionais de Direitos Humanos incorporados ao ordenamento
jurídico nacional têm força de norma constitucional face o seu conteúdo
ter compatibilidade material com os direitos e garantias fundamentais
expressos na Constituição Federal, com supedâneo no artigo 5°,
parágrafos 1° e 2°, da Constituição. Defensores: Doutora Flávia Piovesan
e Antonio Augusto Cançado Trindade.
Tivemos a segunda teoria
designada, a Dualista, que sustentava que os Tratados Internacionais de
Direitos Humanos tinham hierarquia de Lei Ordinária, visto ser da
competência do Supremo Tribunal Federal, no jaez de guardião da
Constituição, em julgamento de Recurso Extraordinário, “declarar a
inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”, seu fundamento repousa
no artigo 102, inciso III, alínea “b”, da Lei Maior. Defensor: Supremo
Tribunal Federal.
Até antes da edição da Emenda Constitucional 45,
de 31 de dezembro 2004, esses eram os entendimentos referentes à
hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos, logicamente prevalecendo o
do Pretório Excelso. Com essa Emenda, foi inserido o parágrafo 3° ao
artigo 5° da Constituição, considerando os Tratados e Convenções
Internacionais sobre Direitos Humanos equivalentes às Emendas
Constitucionais, desde que sejam aprovados em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros. Adiante seguem as teorias que surgiram após Emenda 45/2004.
Numa
visão mais imparcial, tivemos a terceira teoria denominada Dualista
Moderada, fundamentando-se no entendimento do Supremo Tribunal Federal,
de que os Tratados de Direitos Humanos anteriores à Emenda
Constitucional 45/2004 possuíam hierarquia de Lei Ordinária e os
posteriores à Emenda 45/2004 tinham hierarquia de norma constitucional,
caso fossem aprovados por três quintos de seus membros em dois turnos de
votação em cada Casa do Congresso Nacional e, os que não fossem
submetidos a esse procedimento teriam hierarquia de Lei Ordinária,
conforme entendimento extraído do artigo 102, inciso III, alínea “b”
combinado com o artigo 5°, § 3°, da Constituição Federal. Defensor:
Júlio Fabrinni Mirabete.
Objetivando solucionar a divergência de
interpretação e de aplicação dos Tratados de Direitos Humanos, surgiu a
quarta teoria designada Constitucionalista – defendida pelo ministro
Celso de Mello, do STF – com o desiderato de solucionar o impasse
decorrente da previsão de prisão para o depositário infiel existente na
Constituição Federal em face da proibição existente na Convenção
Americana de Direitos Humanos.
O dilema levado ao crivo do Supremo
Tribunal Federal foi pacificado com fundamento no artigo 5°, parágrafos
1° e 2°, da Constituição, sob o argumento de que os Tratados de
Direitos Humanos anteriores a Emenda Constitucional 45/2004 teriam
hierarquia de norma constitucional e os que foram internalizados após a
referida emenda, por exigência constitucional deveriam obedecer o
procedimento de votação previsto no parágrafo 3° do artigo 5° da
Constituição para poderem receber o status de norma constitucional.
Devido
o julgamento apreciado pela Corte Suprema ter ocorrido em 2006,
doravante, deveriam solucionar a discussão referente aos tratados que
foram incorporados ao ordenamento jurídico entre os anos, de 2004 e
2006. Isto é, após a Emenda 45/2004. A conclusão inevitável, se deu no
sentido de que os Tratados de Direitos Humanos incorporados ao
ordenamento jurídico anteriormente a Emenda 45/2004 teriam força
normativa constitucional e os tratados incorporados entre os anos de
2004 a 2006 somente seriam equivalentes às Emendas Constitucionais se
fossem aprovados em dois turnos em cada Casa Legislativa do Congresso
Nacional por três quintos de votos. Caso contrário, deveriam receber
tratamento de Lei Ordinária com suporte no artigo 5°, parágrafos 1°, 2° e
3°, da Constituição.
A quinta teoria é a atual Teoria da
Supralegalidade dos Tratados de Direitos Humanos. A tese é defendida
pelo ministro Gilmar Mendes e sustenta que os Tratados de Direitos
Humanos anteriores e posteriores à Emenda Constitucional 45/2004 que não
forem aprovados em dois turnos em cada Casa Legislativa, por três
quintos de votos de seus respectivos membros, deveriam receber
tratamento de norma supralegal, em decorrência de seu conteúdo ter
compatibilidade material com os direitos e garantias fundamentais
expressos na Constituição Federal. Já, os tratados aprovados, devem ter
hierarquia de norma constitucional com lastro no artigo 5°, parágrafos
1°, 2° e 3°, da Constituição brasileira.
Conclusão: os Tratados de
Direitos Humanos, especificamente a Convenção Americana de Direitos
Humanos de 1969, com fundamento na Constituição da República Federativa
do Brasil, não tem hierarquia de norma constitucional, mas sim de Norma
Supralegal, ficando abaixo da Constituição e acima das Normas
Infraconstitucionais. No caso o inciso LXVII do artigo 5° da
Constituição (“não haverá prisão civil por dívida, salvo a do
responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia e a do depositário infiel”) seria uma norma constitucional
de eficácia limitada de efeitos indiretos, cuja norma que regulamentava a
efetivação da prisão do depositário infiel, Lei 8.866/1994, teve sua
incidência revogada pela Convenção, que neste caso, adquiriu força
normativa regulamentadora daquele dispositivo constitucional na parte
correspondente ao depositário infiel.
Necessário esclarecer que,
mesmo com a adoção da Teoria da Supralegalidade, o depositário infiel
poderia vir a ser preso e, para adequar a norma constitucional à
Convenção Americana de Direitos Humanos, foi criada pelo STF a Súmula
Vinculante 25. A norma dispõe “ser ilícita a prisão civil de depositário
infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
Finalmente,
entendemos que, mesmo com a edição dessa súmula, tecnicamente, o dilema
ainda não foi resolvido, em razão do não emprego da expressão
“inconstitucional”, utilizando-se equivocadamente o vocábulo “ilícita”,
dando margem para entendimentos de que a questão é passível de ser
regulamentada por Lei Ordinária e eventualmente poderá vir a ser
considerada lícita a prisão do depositário infiel.
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