As
empresas com freqüência se vêm diante do seguinte dilema: Qual a melhor
estratégia a adotar de modo a garantir uma menor carga tributária? É
melhor procurar o CARF ou o Poder Judiciário?
O CARF é um tribunal administrativo especializado e muito respeitado pelos profissionais da área tributária. Por outro lado, existe o Poder Judiciário que pode assegurar diversos direitos ao contribuinte.
Em
verdade não se trata apenas da melhor estratégia, existem diversos
fatores que direcionam necessariamente para um ou outro caminho. As duas
esferas, administrativa e judicial, são eficientes dentro da sua
competência. É importante ter claro que as razões de existir, as
atribuições e os objetivos dos tribunais administrativos e judiciais são
completamente diferentes. Em alguns casos o CARF pode ser uma opção
interessantíssima, em outros casos, apenas o Poder Judiciário pode dar
uma solução eficiente à questão. É preciso entender os dois para saber
como melhor utilizá-los.
Quando
os Tribunais Administrativos Tributários foram criados, tinham por
objetivo principal exercer controle sobre seus próprios agentes. Por
exemplo, se ocorresse erro ou arbitrariedade por parte de um agente
fiscal, o contribuinte reclamava junto ao órgão competente e o ato do
fiscal (auto de infração lavrado) era analisado por outros agentes
fiscais, que o mantinham ou o alteravam (a alteração poderia acabar
inclusive piorando a situação do contribuinte).
Hoje
esta forma se sofisticou. Há muito tempo nos Tribunais Administrativos
existem representantes também dos contribuintes, mas a idéia principal
continua exatamente a mesma. Tanto é assim, que quando se julga um
processo administrativo, os julgadores convalidam o procedimento fiscal e
mantêm o auto de infração, ou julgam improcedente o lançamento
realizado, ou ainda anulam apenas uma parte do lançamento.
Também
por esta razão é que na discussão administrativa a exigibilidade do
crédito tributário se suspende. De fato, quando há uma impugnação do
contribuinte, o lançamento pode vir a ser alterado pela própria
Administração Pública, razão pela qual no decorrer do processo
administrativo, o crédito não pode ser exigido. Somente com o julgamento
definitivo no Tribunal Administrativo, o crédito tributário se torna
indiscutível no âmbito da Administração e o tributo poderá ser exigido
do contribuinte.
Pelos
motivos mencionados, o CARF, que é um tribunal administrativo, somente
julga casos em que o contribuinte já foi autuado. Na esfera
administrativa, o contribuinte sempre tem uma posição passiva.
Geralmente se trata de uma empresa que escolheu uma determinada
estratégia tributária e a fiscalização entendeu que a estratégia adotada
estava em desacordo com as leis e, em vista disso, lavrou um auto de
infração.
O
CARF também não tem competência para julgar qualquer defesa. Por
exemplo, o CARF jamais poderá reconhecer a inconstitucionalidade de uma
lei, porque não é essa a sua finalidade, a sua função é aplicar a lei, e
não julgar se a lei é válida ou inválida, somente o Poder Judiciário
tem esta competência.
Por outro lado, ao Poder Judiciário cabe a função de fazer cumprir todas as leis do país, inclusive, a Constituição Federal,
que é lei hierarquicamente superior às demais. O Poder Judiciário pode
declarar nula uma lei, se esta lei entrar em conflito com a Constituição
(lei inconstitucional). O Poder Judiciário pode anular as decisões de
qualquer tribunal administrativo, inclusive as do CARF, se entender, por
exemplo, que a decisão do Tribunal Administrativo está em desacordo com
as leis.
Em vista dessas diferenças, passo dar exemplos de como utilizar melhor o CARF e o Poder Judiciário.
Pois
bem, imagine a seguinte situação, a empresa foi autuada porque a
fiscalização entendeu que ela pagou a menor um tributo. Ela deve ir ao
CARF ou pedir a anulação do auto de infração perante o Poder Judiciário?
Depende.
O CARF não pode julgar a inconstitucionalidade de uma lei. Assim, se a
defesa for fundada apenas na legislação infra-constitucional e em fatos e
provas documentais (se a prova documental e pericial resolvem a
questão) a empresa deve procurar o CARF. Exemplo prático: Se há
divergências na interpretação do sentido da lei tributária, o CARF pode
ser procurado, como no caso em que se discute o sentido do termo
"insumo" para fins de crédito de PIS e Cofins.
Mas,
se a defesa for fundada em questões constitucionais o CARF é impedido
de julgar o caso, então a empresa terá que ir ao Judiciário e pedir a
anulação da auto de infração com base na inconstitucionalidade da
exigência. Exemplo prático muito conhecido e que ocorreu num passado não
muito distante é o da alegação de inconstitucionalidade da inclusão de
receitas financeiras na base de cálculo do PIS e da Cofins da lei 9.718/98.
Esta questão somente poderia ser apreciada pelo Judiciário, pois a
principal alegação era de inconstitucionalidade da lei. Ao final, o STF
declarou inconstitucional o alargamento da base de cálculo.
E se no caso houver dois fundamentos de defesa, um de ordem constitucional e outro ligado à lei ordinária, o que fazer?
Se
o fundamento de ordem legal for muito forte a empresa pode tentar uma
defesa junto ao CARF. Se sair ganhadora, ótimo. Se sair perdedora, ainda
tem a opção de pleitear perante o Judiciário a anulação da decisão do
CARF com base na questão constitucional e levar novamente à apreciação
do Judiciário as questões legais e as provas. É bom esclarecer que em
casos nos quais a matéria de prova é complexa, o juiz nomeia um perito
de sua confiança e as partes também indicam seus assistentes técnicos.
Se a empresa está pagando um imposto, que foi criado por uma lei inconstitucional e quer deixar de pagá-lo?
A única via para evitar o pagamento, nesta hipótese, é por meio do Poder Judiciário.
Outra
questão que se coloca ocorre quando a empresa adota um procedimento
controverso (quando não há unanimidade acerca do melhor procedimento). O
que deve fazer? (i) Tomar uma posição ativa e procurar o Poder
Judiciário para assegurar o seu procedimento, ou (ii) ficar quieta e na
hipótese do fisco autuar, apresentar defesa perante o CARF?
Pois
bem, a principal vantagem de adotar a opção (ii) é que se a empresa
tiver sorte, talvez jamais seja autuada e, passados cinco anos, se não
houve autuação, o fisco não poderá exigir mais nada por força da
decadência (isto está se tornando cada vez mais difícil, porque a
fiscalização federal tem atuado de forma contundente).
Por
outro lado, as vantagens de procurar o Poder Judiciário adotando uma
posição ativa é que a empresa pode evitar uma autuação fiscal enquanto
discute a questão. De fato, uma liminar ou o depósito dos valores
controversos, suspende a exigibilidade de crédito tributário e impede o
lançamento pela fiscalização.
Noto
que evitar o lançamento é um cuidado que não deve ser desconsiderado no
momento da escolha da estratégia, pois é de conhecimento geral que
quando a fiscalização lavra um auto de infração são aplicadas multas de
ofício no patamar de 75%, e se o contribuinte for acusado de sonegação,
sobe à casa dos 150%. Acrescidos dos juros SELIC, os autos de infração
atingem valores astronômicos e, se ao final o contribuinte não tiver
sucesso, o benefício que obteve se converte em um débito, em média, três
vezes maior à economia realizada. Há um risco muito grande em esperar
uma autuação. O contribuinte deve estar muito bem calcado e documentado
para assumir este risco.
A
desvantagem de procurar o Judiciário é que, se não for concedida uma
liminar, o contribuinte não poderá usufruir imediatamente do benefício
econômico, pois se quiser manter suspensa a exigibilidade do crédito
tributário deverá fazer um depósito. Na hipótese de depósito, se ao
final sair vencedor, usufruirá de todo o benefício e levantará os
valores depositados sem correr o risco de aumentar o seu passivo com um
auto de infração.
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* Amal Nasrallah é advogada do escritório Pacífico, Advogados Associados
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