Informação de endereço insuficiente não justifica extinção de ação por abandono de causa, por José Higídio

 Se em algum momento do processo a parte já recebeu intimação no endereço fornecido ao juízo e, depois disso, outra intimação retornar com aviso de recebimento informando que o endereço é insuficiente, não é possível presumir que houve mudança, pois o endereço está atualizado, ainda que incompleto.

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Justiça tentou intimar condomínio, mas aviso de recebimento informou endereço insuficiente

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou uma sentença que havia extinguido um processo sem resolução de mérito por abandono de causa e determinou a continuidade da ação.

De acordo com o colegiado, em casos do tipo, antes de se extinguir o processo sem resolução de mérito por abandono de causa, é necessário prosseguir com outras formas de busca de pessoas estipuladas no Código de Processo Civil — oficial de Justiça e, em último caso, publicação em edital.

Outra premissa ainda foi estabelecida pelos ministros: caso a parte autora pratique atos que comprovem seu desejo de dar continuidade ao processo, ele não deve ser extinto sem julgamento de mérito, mesmo após o prazo de 30 dias de abandono de causa previsto no CPC.

Contexto

A ação levada ao STJ se refere a cobrança de taxas condominiais e foi ajuizada em 2009 por um conjunto residencial contra uma moradora. Nenhuma tentativa de localização da ré deu resultado.

Em 2018, o condomínio pediu a suspensão do processo por 30 dias para procurar novos endereços da mulher, o que foi aceito pelo juízo de primeira instância.

Após o fim desse prazo, o condomínio foi intimado, por meio de seu advogado, para dar andamento ao processo. Mas o aviso de recebimento retornou com a informação de que o endereço era insuficiente.

No ano seguinte, a sentença extinguiu o processo sem resolução de mérito, por abandono de causa. O condomínio recorreu, mas a decisão foi mantida em segunda instância. Por isso, o autor acionou o STJ.

Fundamentação

O parágrafo único do artigo 274 do CPC diz que são presumidas como válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, mesmo que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se eventual modificação não tiver sido devidamente comunicada à Justiça.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, explicou que, se o aviso de recebimento indica endereço suficiente, alguma “informação pormenorizada” está em falta, como o número do bloco condominial ou do apartamento.

Ou seja, não se trata de uma mudança de domicílio, que deveria ser comunicada ao juízo, mas de algum dado específico que não foi informado.

A magistrada ressaltou que o advogado e a parte têm o dever de descrever o endereço “com todos os elementos necessários para que seja possível encontrá-los”. Mas a falta de informações que torna o endereço insuficiente “não atrai a presunção de validade da intimação”.

Segundo ela, quando o endereço for insuficiente, o juiz não deve concluir que “houve manifestação inequívoca da parte quanto à vontade de extinguir o processo”, especialmente se não foram usados todos os meios de busca da parte.

Nancy indicou que a presunção de validade da intimação prevista no parágrafo único do artigo 274 “admite prova em contrário do endereçamento incorreto da carta” por qualquer motivo — por exemplo, o endereço atualizado já constar dos autos, mas passar despercebido.

A relatora ainda lembrou que o dispositivo não impede os demais meios de comunicação. O artigo 275, por exemplo, determina que a intimação será feita por oficial de Justiça quando não der resultado por meio eletrônico ou pelo correio.

Por fim, a ministra destacou que o abandono da causa “exige a manifesta desídia da parte autora”. Assim, se for demonstrado que o autor não tinha interesse em abandonar a causa, não é possível extinguir o processo, mesmo após o prazo de 30 dias.

“Ignorar a vontade da parte autora, que pretende continuar com o processo, além de desconsiderar o elemento subjetivo característico do abandono da causa, também desprestigia a celeridade e a economia processual, pois exigir-se-ia do autor o ajuizamento de uma nova ação para resolução da demanda”, assinalou.

Caso concreto

Nancy não constatou provas de que houve mudança de endereço. Na verdade, houve falta de algumas informações, como o bloco e o número do apartamento. Isso impediu a entrega da carta.

O condomínio, na pessoa do síndico, já havia recebido intimação em outro momento do processo — no mesmo endereço que, mais tarde, o aviso de recebimento considerou insuficiente.

Mas, por algum motivo, a última intimação “suprimia alguns dados”, o que levou os Correios a concluírem que o endereço era insuficiente.

De acordo com a relatora, as instâncias ordinárias presumiram que a informação “endereço suficiente” tem o mesmo significado que mudança de endereço. Isso é equivocado e “não há presunção de validade na intimação enviada”.

A magistrada apontou que a Justiça deveria ter tentado outras formas de comunicação antes de extinguir a ação.

Além disso, os próprios recursos apresentados pelo condomínio “revelam que não houve intenção da parte em desistir do processo”. Este fato, por si só, “já deveria ter sido considerado para reformular a sentença”.

Atuou no caso o escritório Carneiro Advogados.

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REsp 2.089.756

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