Como ficam os modelos negociais entre terrenista e empreendedor no loteamento a partir do programa casa verde amarela, por Debora Cristina de Castro da Rocha e Edilson Santos da Rocha
O proprietário do terreno, usualmente denominado terrenista e o empreendedor, podem ou não, realizar em conjunto todas as etapas para desenvolvimento do loteamento e a respectiva venda dos lotes, visando obter lucros, seja com participação ou não do terrenista na execução do empreendimento.
Para que as partes tenham segurança jurídica na negociação é
preciso que esta seja organizada via contrato, trazendo direitos e deveres de
todos os envolvidos, daí decorre a importância de se ter pleno conhecimento das
modalidades negociais para a completa e eficaz execução de um loteamento.
Ab-initio cita-se o item 3 do parecer normativo CST 15 de
23/07/84:
3. Analisa-se, neste item, a natureza das obras que a pessoa
jurídica executora do empreendimento de loteamento realiza. O titular da área
loteada é proprietário da terra nua; o executor do empreendimento de
loteamento, embora realizando obras em propriedade de outrem, não deixa de ter
direitos sobre as referidas obras. A natureza destes direitos pode variar em
razão dos termos do contrato firmado. (g.n)
Certo pois, se mostra "essencial" a ambas as partes,
"proprietário" e "construtor", que estas tenham plena
compreensão de quais são as possibilidades relacionadas à formatação do
negócio. Pois tal formatação poderá influenciar nas responsabilidades, riscos e
potencial de lucro de cada parte.
Anteriormente, já fora regulada a tributação da atividade
imobiliária em comento pelo parecer normativo CST 15 de 23/07/84, o formato
negocial de parceria já era consolidado pela práxis mercadológica. Por sua vez,
a lei 14.118/2021 (programa Casa Verde Amarela), dentro de suas intenções
legislativas, regulamentou de forma expressa algumas regras importantes para o
formato negocial de parceria para empreendimento de loteamento.
A alínea d) do art. 2 - A da Lei de Parcelamento do Solo (lei
6.766/79), trouxe consigo algumas regras a serem exploradas, quando exige, por
exemplo, em sua segunda parte, a averbação do contrato de parceria, para que
este surta seu esperado efeito erga omnes. Outra questão que merece destaque é
a solidariedade, característica marcante do contrato de parceria.
Art. 2º- A. Considera-se empreendedor, para fins de parcelamento
do solo urbano, o responsável pela implantação do parcelamento, o qual, além
daqueles indicados em regulamento, poderá ser: (Incluído pela lei 14.118/21)
(...)
d) a pessoa física ou jurídica contratada pelo proprietário do
imóvel a ser parcelado ou pelo poder público para executar o parcelamento ou a
regularização fundiária, em forma de parceria, sob regime de obrigação
solidária, devendo o contrato ser averbado na matrícula do imóvel no competente
registro de imóveis; (Incluída pela lei 14.118/21) (...)
Noutro viés, a alínea b) do mesmo dispositivo traz a
possibilidade de que o empreendedor seja o compromissário comprador,
cessionário ou promitente cessionário do imóvel a ser loteado.
Art. 2º-A. Considera-se empreendedor, para fins de parcelamento
do solo urbano, o responsável pela implantação do parcelamento, o qual, além
daqueles indicados em regulamento, poderá ser: (Incluído pela Lei nº 14.118, de
2021) (g. n.)
(...)
b) o compromissário comprador, cessionário ou promitente
cessionário, ou o foreiro, desde que o proprietário expresse sua anuência em
relação ao empreendimento e sub-rogue-se nas obrigações do compromissário
comprador, cessionário ou promitente cessionário, ou do foreiro, em caso de
extinção do contrato; (Incluída pela lei 14.118/21)
Poderão nos dois formatos, ambas as partes terem maior segurança
jurídica e evidente redução de custos, pois na hipótese de "compra e
venda" a transferência da propriedade poderá ocorrer somente após o
pagamento do preço, seja pelo modelo de dação em pagamento "permuta física
ou financeira", ou ainda, se transcorrido o prazo de carência
eventualmente estipulado entre as partes mediante compromisso.
Veja-se que independentemente das formas negociais supracitadas,
o empreendedor restará autorizado a buscar a aprovação e execução do
empreendimento de forma imediata, ou mesmo, às vendas das unidades que,
inclusive, poderão ser realizadas até mesmo em sua integralidade em nome do
titular, de acordo com as disposições contratuais estabelecidas entre as
partes.
Diante do formato negocial mencionado, os atos a serem
praticados pelo empreendedor perante terceiros podem se dar em nome do
proprietário tabular do imóvel, desde que com sua expressa anuência, o que
poderá ser realizado mediante "instrumento de mandato", sem que seja
necessário o estabelecimento de contrato de parceria, mas sim pelos
instrumentos citados no dispositivo legal.
É comum o empreendedor prospectar terrenos que reúnam as
características e requisitos legais apropriados, evitando, contudo, imobilizar
capital na aquisição imobiliária. Para tanto, costuma-se celebrar com o
proprietário da gleba um contrato, pelo qual, a grosso modo, o loteador
obriga-se a obter a aprovação, a executar as obras do loteamento e a
comercializar os lotes, mediante a futura partilha do resultado
econômico-financeiro do empreendimento ao proprietário ou, ainda, pela entrega
de porcentual de lotes acabados.
São várias as formas de se estruturar uma parceria para
loteamento, dentre as quais é possível citar o contrato de parceria, nos termos
do parecer Normativo CST 15/1984; a permuta física por lotes futuros; a permuta
física, com retenção de fração ideal; a permuta financeira por % de VGV, ou
compra e venda com pagamento futuro; a sociedade em conta de participação
(SCP); sociedade de propósito específico (SPE). Sendo, pois, as últimas duas
hipóteses adequadas a proprietários que realmente desejam empreender e se
lançar no mercado imobiliário como empreendedores do ramo.
Independentemente de como as partes estabelecem as divisões de
lucros e receitas, ou mesmo as formas de pagamento, o art. 2º-A da Lei de
Parcelamento do Solo (lei 6.766/79), inserido pela lei 14.118/21, trouxe uma
divisão expressa de responsabilidades entre as partes, quando em sua alínea b)
dispõe sobre a sub-rogação das obrigações contraídas pelo promissário
comprador, quando na hipótese de extinção do contrato, ou seja, trata-se,
portanto, de responsabilidade subsidiária de cumprimento de todas as obrigações
referentes ao empreendimento.
Do dispositivo supramencionado, há que se considerar que, quando
se fala em extinção contratual, não há qualquer menção à sua forma, veja-se que
nesse sentido, independentemente da modalidade, seja ela por resolução,
resilição ou distrato, a sub-rogação pelo proprietário das obrigações
contraídas pelo empreendedor é a regra!
Portanto, há que se considerar um necessário grau elevado de
atenção à hipótese, pois em tese, mesmo diante de inadimplemento, restará tão
somente ao proprietário exigir o adimplemento do empreendedor, pois, em uma
almejada Resolução, segundo o texto legal, este estará possivelmente trazendo
para si a responsabilidade pela consecução do empreendimento, dentre outras
inúmeras obrigações contraídas pelo Construtor.
Por outro lado, a modalidade em comento traz algumas vantagens
consideráveis para o proprietário, dentre as quais, cita-se a reserva de
domínio do imóvel loteado em nome do proprietário; a negociação por preço justo
e certo e, por fim; a desnecessidade de interferência por parte do proprietário
na execução do empreendimento.
O contrato de parceria, por sua vez, é um instrumento atípico
pelo qual as partes, empreendedor e proprietário, ajustam uma série de
responsabilidades, direitos e obrigações que deverão ser cumpridas para a
consecução do objetivo comum. É a forma mais comum e difundida na associação
entre proprietário e empreendedor.
Nesse sentido, da lição de Vicente C. Amadei1, extrai-se que:
Este tipo de contrato é o mais utilizado para realização de um
loteamento e é o mais conveniente tanto para o empreendedor como para o
proprietário de uma gleba. A compra de uma gleba por um empreendedor torna o
negócio praticamente inviável, do ponto de vista econômico financeiro, dado o
seu alto custo. No caso de parceria esse custo é zero para o empreendedor e os
custos financeiros para implementação do loteamento também é zero para o
proprietário. A parceria viabiliza o negócio para os dois interessados.
Em razão da extensa aplicação de tal modalidade negocial no
mercado imobiliário brasileiro, decorreu a necessidade de sua regulamentação
para fins fiscais, resultando no já citado parecer normativo CST
- coordenador do sistema tributário 15/1984, pelo qual a pessoa
jurídica empreendedora em determinado loteamento está sujeita ao tratamento
tributário de que tratam os arts. 285 a 288 do Regulamento do Imposto de
Renda/80. (atuais arts. 410 a 414 do RIR/99).
Vale ressaltar que os titulares de glebas, usualmente optam por
esse arranjo atípico denominado contrato de parceria, justamente porque, além
do padrão fiscal determinado, tal modalidade possibilita aos proprietários
manterem para si, o domínio do imóvel, exercendo determinado controle sobre a
atividade do loteador.
No entanto, destaque-se que o proprietário tabular do imóvel
deve manter o dever de cautela com tal modalidade negocial, em razão da
possibilidade de ser responsabilizado, a exemplo, por demandas de natureza
trabalhista, consumerista, ambiental e urbanística, não somente como
proprietário, mas também no caso de o contrato de parceria ser interpretado
como sociedade em comum.
Com efeito, o contrato de parceria consiste na reunião de duas
ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, para a consecução de um empreendimento
comum, no qual elas se obrigam a contribuir com recursos (terra nua, mão de
obra, insumos, atividades administrativas) para futura partilha do lucro.
Tal figura aproxima-se muito do conceito de sociedade empresária
trazido pelo art. 981 do Código Civil:
Art. 981. CC: Celebram contrato de sociedade as pessoas que
reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício
de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Veja-se que, no contrato de parceria, ocorre exatamente a
hipótese do sobredito artigo, na medida em que o proprietário permite que o
empreendedor edifique as ruas e demais acessões sobre o seu imóvel para futura
alienação de lotes, com divisão dos lucros da empreitada.
E, cada qual concorre para o êxito do negócio mediante uma
contribuição específica, seja entregando a posse direta para construção do
projeto aprovado, seja com recursos e insumos para a execução das obras,
comercialização e gestão da carteira de recebíveis.
Ocorre que, sendo a parceria enquadrada no conceito de
sociedade, enquanto não registrados os atos constitutivos, reger-se-á pelas
regras da sociedade em comum, sendo uma delas (e a mais gravosa) aquela do art.
990:
Art. 990, CC/02: Todos os sócios respondem solidária e
ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem,
previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade. (g. n.)
Veja-se que a própria alínea d) do art. 2º-A, da lei 6.766/79,
introduzido pela lei 14.118/21, admitiu tal entendimento, quando dispõe acerca
da solidariedade entre os parceiros do empreendimento.
Logo, a partir de tal interpretação, agora corroborada pela
legislação vigente, é possível responsabilizar solidariamente o proprietário parceiro
do empreendimento, o qual, muitas vezes, assume inconscientemente os riscos do
negócio, podendo, a depender da idoneidade do loteador, colocar todo o seu
patrimônio pessoal em jogo.
Além disso, como o proprietário permanece como dono do imóvel ao
longo da execução do projeto até posterior alienação aos adquirentes finais,
pode responder também a esse título perante os consumidores, credores
trabalhistas, obrigações previdenciárias, sendo comum que esse tipo de
empreendimento dê origem a ações civis públicas questionando a legalidade das
licenças, a infração a normas urbanísticas e ambientais, restando ao
proprietário voltar-se contra o empreendedor pela via regressiva.
Importante ressaltar que, em regra, os contratos de parceria não
são oponíveis contra terceiros, recomendando-se que seja averbado perante o
registro de imóveis, a fim de se reforçar eventual tese de irresponsabilidade
do proprietário em demandas propostas por adquirentes ou até mesmo para
reforçar e dar publicidade ao conteúdo normativo e a distribuição de direitos e
obrigações estabelecida entre as partes integrantes do contrato perante o
Ministério Público, Prefeitura e demais órgãos públicos.
Com efeito, a alínea d) do art. 2º-A, da lei 6.766/79,
introduzido pela lei 14.118/21, ao conceituar o empreendedor, estabeleceu que
pode figurar em tal condição a pessoa física ou jurídica contratada pelo
proprietário do imóvel a ser parcelado ou pelo poder público para executar o
parcelamento ou a regularização fundiária, em forma de parceria, sob regime de
obrigação solidária, devendo o contrato ser averbado na matrícula do imóvel no
competente registro de imóveis.
Não cabe somente ao proprietário os riscos. O empreendedor
também aporta quantias vultosas no empreendimento, na maioria das vezes
superior ao próprio valor da terra nua. Considerando a necessidade de registro
especial do art. 18 da lei 6.766/79, que determina a apresentação de diversas
certidões, é possível que eventuais passivos do proprietário atinjam a gleba a,
por conseguinte, afetem adversamente a execução do negócio.
Necessário, portanto, se estabelecer mecanismos contratuais que
mitiguem esse risco, como a obrigação do proprietário em manter o imóvel livre
e desembaraçado de quaisquer ônus ou gravames, comunicar imediatamente
eventuais restrições ou contingentes que tenham potencial de prejudicar o
empreendimento, possibilidade de quitação de dívidas com sub-rogação no crédito
e eventual abatimento do repasse, dentre outras.
Por fim, conclui-se que, independentemente de tratar-se de
proprietário ou empreendedor, quando há pretensão de se desenvolver um
empreendimento imobiliário, além das especificidades sobre a obra e análise de
mercado para aferir a sua viabilidade comercial, é indispensável o planejamento
prévio sobre o modelo jurídico a ser adotado, tanto para o proprietário, para o
empreendedor propriamente dito, quanto para os eventuais parceiros do negócio a
ser celebrado.
__________
1 AMADEI, Vicente Celeste e AMADEI, Vicente de abreu. Como
Lotear Uma Gleba - o parcelamento do solo urbano em seus aspectos essenciais
(loteamento e desmembramento) - 4ª edição. Campinas/SP, Millenium Editora,
2014, p. 443.
Epa! Vimos que você copiou o texto. Sem problemas, desde que
cite o link: https://www.migalhas.com.br/depeso/365882/os-modelos-negociais-entre-terrenista-e-empreendedor
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