A prova pericial no novo CPC e reflexos em erros médicos, por Klaus Cohen Koplin José Antonio Chagas Azzolin
Como se sabe, a prova pericial é cabível, no âmbito do processo civil,
quando mostrar-se indispensável o emprego de conhecimento técnico ou
científico para elucidar algum fato controvertido e processualmente
relevante, isto é, um fato que não esteja ao alcance do conhecimento
acumulado por pessoa de cultura comum[1].
Assim, na grande maioria das demandas que envolvem direito médico, a
utilização desse meio típico de prova faz-se necessária, dado que
habitualmente o julgador encontra-se diante de questões repletas de
enorme tecnicidade e que só podem ser respondidas à luz de um acurado
exame pericial, a ser realizado, normalmente, por profissional da
medicina.
Ordinariamente, consoante se extrai do art. 373 do CPC/2015, incumbe
ao paciente-autor comprovar os fatos constitutivos do seu direito, razão
pela qual deverá aportar aos autos os elementos capazes de demonstrar a
conduta ilícita do médico ou do hospital, quais sejam: o dano, o nexo
causalidade e, eventualmente, a culpa (negligência, imprudência,
imperícia). Ao hospital ou médico incumbe, segundo o mesmo dispositivo
legal, a prova dos fatos extintivos, impeditivos e modificativos do
direito do autor.
É bem verdade que a necessidade de distribuição isonômica do ônus
probatório tem conduzido à inversão do encargo de provar em matéria de
direito médico, uma vez que se verifica um enorme desequilíbrio entre as
partes nesse tipo de demanda. Seja como for, entendemos que, para a
aferição da suposta falta médica, faz-se necessária a realização de
perícia por profissional de medicina, devido à enorme tecnicidade que
escapa aos conhecimentos do magistrado.
Justamente em razão da essencialidade deste meio de prova como fonte
legitimadora da decisão judicial no ramo do direito médico, soa
necessário destacar que o novo CPC passou a estabelecer alguns
requisitos essenciais de validade da prova técnica, dentre os quais
encontra-se a necessidade de “indicação do método utilizado” pelo
experto.
Portando, o operador do direito que vivencia diariamente as
especificidades das demandas que envolvem erro médico, sub-ramo do
direito civil intimamente ligado a este meio típico de prova, precisa
assimilar o quão imprescindível é o esclarecimento do método científico
utilizado pelo perito. E mais, que ao expert cabe a necessária
comprovação de que tal metodologia é predominantemente aceita pelos
especialistas da respectiva área do saber (CPC/2015, art. 473), de forma
a agregar legitimidade ao respectivo laudo técnico apresentado em
juízo. Isso, evidentemente, não é satisfeito pela mera transcrição
descontextualizada de literatura médica ou pela simples relação das
referências bibliográficas (às vezes desatualizadas) que pretensamente
oferecem suporte às conclusões do laudo.
Sobre o tema, ensina Fredie Didier Jr.:
“O CPC estrutura a produção da prova pericial considerando a
necessidade de um controle jurisdicional mais efetivo sobre a perícia.
Parte-se da premissa de que permitir a avaliação livre do juiz sobre a
prova pericial, no que diz respeito a sua cientificidade ou sua
tecnicidade, poderia conduzir ao que se chama ‘junk science’, isto é,
uma falsa ciência.
Daí o estabelecimento de critérios objetivos que auxiliem o juiz no
controle da perícia, de modo a assegurar seja trazido ao processo
jurisdicional conhecimento seguro e confiável, ‘no sentido de
representar de maneira fidedigna aquilo que é aceito pelos especialistas
da área’.
No Brasil, o controle da prova é feito pelo juiz no momento da
valoração da prova e explicitando na fundamentação da sentença. O
CPC-2015 dá ênfase à necessidade de o controle judicial da perícia
começar antes da sua realização. Por isso, cabe ao juiz avaliar
previamente não só a sua necessidade, utilidade, viabilidade e licitude,
como também exigir que o perito ‘indique e comprove suas especialidades
e a capacidade para auxiliar no acertamento dos fatos
técnico-científicos’ (arts. 156, 157, 465, § 2º, II, 473, CPC).
E mais, o juiz brasileiro, no exercício do poder atribuído pelo art.
371 do CPC, avalia a cientificidade do resultado da perícia, a
confiabilidade do laudo, buscando, para tanto, dados não-jurídicos, como
a ‘aceitação ou recusa do método perante os especialistas’. Daí a
exigência legal de que o perito traga ao processo dados necessários para
a aferição de sua capacidade técnica (antes da perícia) e elementos que
se refiram à confiabilidade do método empregado (no bojo do laudo
pericial).
A falta de um controle da prova pericial deste viés configura vício
na fundamentação, apto a conduzir à nulidade da sentença judicial.”[2]
Também inova o legislador ao estabelecer que a fundamentação do laudo
deve se dar em linguagem simples, de forma a desestimular qualquer tipo
de divagação técnica excessivamente complexa e que acabe por não
elucidar as questões técnicas para o qual fora designada a prova
pericial[3].
De fato, o laudo tem de cumprir sua função, que é analisar questões de
fato cuja complexidade escapa ao conhecimento do juiz. Mas isso não quer
dizer que ele deve consistir em um tratado científico, compreensível
apenas ao técnico, mas não ao homem comum. Por isso, “é necessário que
seja didático, concatenado e externe a conclusão do perito com rigor
técnico, preocupando-se, todavia, com a plena intelecção dos
destinatários do documento” [4].
Para que tudo isso seja possível, “dispõe a norma processual que o
objeto da perícia deve ser descrito de forma minudente, assim como a
análise técnica ou científica que em seu bojo se procedeu”[5].
Tudo isso revela que o dever de fundamentação, explicitado dentre o
rol de princípios fundamentais do NCPC (arts. 11 e 489, § 1º), não se
limita às decisões judiciais, permeando também as manifestações
periciais.
Por certo, o legislador pretendeu evitar o resultado nocivo de uma
possível má interpretação do juízo decorrente de laudos obscuros, não
didáticos e equívocos. Ora, em que pese o juízo não esteja
necessariamente atrelado às conclusões do laudo pericial ao realizar seu
julgamento (art. 479 do NCPC), corolário lógico do princípio do livre
convencimento motivado[6]
(art. 371 do NCPC), ordinariamente, a conclusão deste meio de prova
interfere decisivamente na formação de sua convicção a respeito dos
fatos controvertidos objeto da demanda.
Na busca da decisão mais justa e adequada, o NCPC também inova ao
possibilitar que o juízo nomeie “órgãos técnicos ou científicos” (art.
156, §1º), superando a limitação normativa que na égide da legislação
anterior só lhe permitia a nomeação de profissional, pessoa física. Com
efeito, agora lhe é conferido o poder de nomear como perito pessoas
jurídicas, como instituições universitárias de medicina e institutos de
pesquisa aplicados ao estudo da ciência afeta aos fatos a serem
esclarecidos (ex.: gastrenterologia ou cardiologia).
Nesse caso, de forma a evitar qualquer nulidade resultante de
eventual motivo de impedimento ou de suspeição, o órgão técnico ou
científico nomeado para realização da perícia informará ao juiz os nomes
e os dados de qualificação dos profissionais que dela participarão.
O próprio art. 156 do NCPC traz outra novidade, ao prever que, seja
qual for a opção do juízo, deverá suprir sua necessidade junto ao
cadastro mantido pelo Tribunal ao qual o juiz encontra-se vinculado
(art. 156, §1º). Apesar de a existência de tais cadastros já fazer parte
da rotina de diversos tribunais brasileiros, o legislador tornou
indispensável a sua utilização pelo magistrado. Dentre os motivos que
levaram o legislador a estabelecer a obrigatoriedade de vinculação do
juízo, está a possibilidade de se controlar e avaliar as atividades do
perito.[7]
No caso de inexistência de tal cadastro, “a nomeação do perito é de
livre escolha pelo juiz” (art. 156, § 5º). Nesse caso, a investidura do
perito deverá observar os critérios referidos alhures, recaindo sobre
“profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do
conhecimento necessário à realização da perícia”.
Quanto à habilitação do profissional, o NCPC não reproduziu a regra
que previa a necessidade de o perito possuir nível universitário e ser
registrado no órgão de classe competente, presente no Código anterior
(CPC/1973, art. 145, § 1º), a qual já vinha sendo relativizada pelo STJ
quando o conhecimento saber do expert fosse compatível com o trabalho a ser realizado.[8]
Obviamente, esta alteração legislativa não deve ser interpretada como
um instrumento de incentivo à nomeação de peritos sem qualquer
capacitação para trabalhos que exijam a habilitação técnica necessária[9].
Por fim, não menos importante referir que o NCPC passou a franquear
às partes a possibilidade de nomeação consensual de perito. Trata-se de
espécie de negócio processual típico, que dá materialidade à regra
constante do art. 190 do NCPC. Para tanto, as partes deverão ser
plenamente capazes e a causa necessariamente deve tratar de direito que
admita a autocomposição. De fato, não são raras as vezes em que as
partes possuem melhor condição do que o juízo de indicar quais são os
profissionais mais capacitados à realização da perícia.
Percebe-se, pois, que o NCPC trouxe inúmeras inovações no que toca à
prova pericial, todas elas capazes de refletir uma estrutura coesa e
sistemática que busca refletir os influxos da Constituição Federal sobre
o processo, de forma que possamos qualificá-lo como instrumento justo.
Essa nova realidade, representada pelas mudanças expostas, não pode
fugir do conhecimento do operador do direito, sobretudo em se tratando
de demandas que envolvam o erro médico, dado a especificidade impar
deste ramo do direito, que a todo o momento lida com a literatura
médica, tornando as partes e o juízo extremamente dependentes do laudo
pericial do profissional de medicina especializado.
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