Direitos e obrigações sem fronteiras: A legitimidade passiva do provedor com domicílio no Brasil, por Emelyn Zamperlin
A facilidade de comunicação que a Internet propicia é algo fantástico que ultrapassa fronteiras geográficas e, em segundos, conecta pessoas para infinitas possibilidades. Contudo, essa facilidade pode ser destinada para fins ilícitos e até criminosos. Se isso ocorrer, para conter o dano e identificar o ofensor, a vítima precisa contar com um processo judicial célere e acessível, o que demanda especial cooperação dos provedores de Internet com atuação multinacional.
Isso porque é comum que o ofensor faça uso de contas de e-mails, sites e perfis em redes sociais que são hospedados por grandes empresas de tecnologia, as quais, embora sediadas no exterior, atuam com tamanha expressão no Brasil, que possuem estabelecimentos no país.
Ocorre que ao serem intimadas a agir para conter danos ou identificar usuários, não é raro que grandes empresas brasileiras aleguem ilegitimidade passiva, supondo que a vítima deveria buscar o que pretende junto à sede estrangeira, única que teria ingerência sobre o negócio, porquanto a empresa no Brasil seria responsável apenas por determinada área, como propaganda e marketing. Ou seja, segundo a tese: a marca possui expressão e atuação mundial; o internauta pode fazer uso dos seus serviços a partir de inúmeros países; contudo, se pretender alguma obrigação por parte da empresa, deve ter o ônus de buscar sua sede.
No entanto, essa tese de ilegitimidade há muito foi enfrentada pelo STJ e TJ/SP, e, desde 2014, rechaçada pelo Marco Civil da Internet (lei 12.965/14).
Com efeito, já em 2000 o STJ reconheceu que se a empresa nacional se beneficia de marca mundialmente conhecida, não pode apenas usufruir os bônus dessa atividade, devendo também responder por seus ônus1 - responsabilidade que decorre da Teoria da Aparência, cujo escopo “é a preservação da boa-fé nas relações jurídicas, fazendo com que, em determinados casos, os atos realizados por uma pessoa possam ter efeitos sobre os atos de outra”2.
Esse entendimento segue na jurisprudência do TJ/SP, também há anos, destacando-se que em 2012 o Tribunal Paulista proferiu voto afirmando que se empresas distintas fazem parte de um grupo econômico que explora uma mesma marca, qualquer delas possui legitimidade para responder sobre os serviços ou produto perante o consumidor ou vítima3. Desta maneira, se o grupo possui a empresa ABC Inc, nos Estados Unidos, e a ABC Brasil Ltda., no Brasil, a vítima poderá acionar qualquer delas.
No mesmo sentido, em 2014, o Tribunal Bandeirante afirmou que empresas de um grupo econômico que exploram uma mesma marca “não são empresas estranhas, mas, ao contrário, unem esforços, imagem e estratégias para conquistar o cliente no competitivo mercado (...)”4. Em outra oportunidade, entendeu que a inclusão da empresa sediada no Brasil é legítima quando compõe grupo econômico de atuação mundial, pois:
Isso porque é comum que o ofensor faça uso de contas de e-mails, sites e perfis em redes sociais que são hospedados por grandes empresas de tecnologia, as quais, embora sediadas no exterior, atuam com tamanha expressão no Brasil, que possuem estabelecimentos no país.
Ocorre que ao serem intimadas a agir para conter danos ou identificar usuários, não é raro que grandes empresas brasileiras aleguem ilegitimidade passiva, supondo que a vítima deveria buscar o que pretende junto à sede estrangeira, única que teria ingerência sobre o negócio, porquanto a empresa no Brasil seria responsável apenas por determinada área, como propaganda e marketing. Ou seja, segundo a tese: a marca possui expressão e atuação mundial; o internauta pode fazer uso dos seus serviços a partir de inúmeros países; contudo, se pretender alguma obrigação por parte da empresa, deve ter o ônus de buscar sua sede.
No entanto, essa tese de ilegitimidade há muito foi enfrentada pelo STJ e TJ/SP, e, desde 2014, rechaçada pelo Marco Civil da Internet (lei 12.965/14).
Com efeito, já em 2000 o STJ reconheceu que se a empresa nacional se beneficia de marca mundialmente conhecida, não pode apenas usufruir os bônus dessa atividade, devendo também responder por seus ônus1 - responsabilidade que decorre da Teoria da Aparência, cujo escopo “é a preservação da boa-fé nas relações jurídicas, fazendo com que, em determinados casos, os atos realizados por uma pessoa possam ter efeitos sobre os atos de outra”2.
Esse entendimento segue na jurisprudência do TJ/SP, também há anos, destacando-se que em 2012 o Tribunal Paulista proferiu voto afirmando que se empresas distintas fazem parte de um grupo econômico que explora uma mesma marca, qualquer delas possui legitimidade para responder sobre os serviços ou produto perante o consumidor ou vítima3. Desta maneira, se o grupo possui a empresa ABC Inc, nos Estados Unidos, e a ABC Brasil Ltda., no Brasil, a vítima poderá acionar qualquer delas.
No mesmo sentido, em 2014, o Tribunal Bandeirante afirmou que empresas de um grupo econômico que exploram uma mesma marca “não são empresas estranhas, mas, ao contrário, unem esforços, imagem e estratégias para conquistar o cliente no competitivo mercado (...)”4. Em outra oportunidade, entendeu que a inclusão da empresa sediada no Brasil é legítima quando compõe grupo econômico de atuação mundial, pois:
(...) sendo parte do todo, deve encontrar os meios necessários para dar cumprimento ao quanto a ela se determine, pouco importando que a base de seus dados esteja sediada em outros países, uma vez que estas mesmas bases são acessíveis via internet, e isto acaba, ainda que no meio virtual, fazendo comunicar o que é físico ao digital (...)5.
Somando a esse entendimento, ainda em 2014, o Marco Civil da Internet positivou a Teoria da Aparência ao consagrar que as normas nele previstas, as quais contemplam o fornecimento de dados e remoção de conteúdos, devem ser observadas pelos provedores estrangeiros que ofertem serviço ao público brasileiro ou possuam ao menos um integrante do grupo econômico no país6; e que a empresa estrangeira e a filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no país respondem solidariamente pelo pagamento de multa por infrações ao Marco Civil da Internet7.
Com a legislação especial, o reconhecimento da legitimidade passiva das empresas nacionais ganhou ainda mais força e expressão, reforçando o Tribunal Paulista que não há razões para a empresa alegar impossibilidade técnica ou ilegitimidade se, pertencendo ao mesmo grupo econômico, não encontrará dificuldades para cumprir com a obrigação8,baseado no seguinte entendimento:
Com a legislação especial, o reconhecimento da legitimidade passiva das empresas nacionais ganhou ainda mais força e expressão, reforçando o Tribunal Paulista que não há razões para a empresa alegar impossibilidade técnica ou ilegitimidade se, pertencendo ao mesmo grupo econômico, não encontrará dificuldades para cumprir com a obrigação8,baseado no seguinte entendimento:
(...) tratando-se de grupo econômico, o trânsito de informações é não apenas necessário como imprescindível, não se afigurando crível que exista, entre ambas as empresas, matriz e representante brasileira absoluta independência e incomunicabilidade. Ademais, é certo que a jurisprudência pátria já se firmou no sentido de que a empresa com sede no exterior, que tem filial no Brasil, aqui vindo a explorar atividade econômica e, por sua vez, obtendo lucro, não pode se valer de repartições internas de competência e atuação para fins de se esquivar ao cumprimento da legislação brasileira no que tange ao direito do consumidor9.
Portanto, a jurisprudência há tempos sedimentou entendimento desfavorável à tese de ilegitimidade passiva e o Marco Civil da Internet positivou a Teoria da Aparência.
Conclui-se, assim, que é preciso que as barreiras geográficas ou administrativas dentro do grupo econômico sejam superadas, a fim do provedor entregar à vítima, da forma mais ágil possível, o quanto lhe compete para contribuir com a contenção de danos e afastamento do anonimato.
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1. Nesse sentido: “(...) se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as consequências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos”. Resp 63981/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, p. 20.11.2000.
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1. Nesse sentido: “(...) se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as consequências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos”. Resp 63981/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, p. 20.11.2000.
2. REsp 369971 / MG. Julgado em 16/12/03, sob a relatoria do Ministro Castro Filho, da Terceira Turma.
3. Apelação 2204332320098260100 SP 0220433-23.2009.8.26.0100. Julgada em 7/8/12, sob a relatoria do Des. Rui Cascaldi, da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
4. Apelação nº 0079190-86.2012.8.26.0100. Julgada em 18/12/14, sob a relatoria do Des. Francisco Loureiro, da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
5. Agravo de Instrumento nº 2029968-56.2014.8.26.0000. Julgado em 20/5/14, sob a relatoria do Des. João Batista Vilhena, da 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
6. Artigo 11, § 2º.
7. Artigo 12, Parágrafo único.
8. Agravo de Instrumento nº 2174916-23.2016.8.26.0000. Julgado em 26.11.2016, sob a relatoria do Des. Moreira Viegas, da 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
9. Apelação 1086138-22.2015.8.26.0100. Julgada em 9/5/17, da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
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