Adjudicação pode solucionar impasses na construção civil, por Livi Scocuglia

A demora e o alto custo cobrado pelo Judiciário forçam a criação de saídas cada vez mais específicas para solucionar conflitos. É o caso do setor da construção que conta agora com a adjudicação.
O método requer um engenheiro ou um advogado que tenha vasta experiência em obras que deve analisar os impasses surgidos durante a construção. O objetivo é ajudar as partes na busca de um acordo amigável e permitir a continuidade da obra, ainda que não seja uma solução definitiva da controvérsia.
“A adjudicação não tem o objetivo substituir a arbitragem ou a justiça comum. Ao contrário, é um mecanismo que produz uma solução provisória, “at the time” e “on the spot”. Em jogo, está exatamente o desejo do proprietário da obra que ela seja concluída sem ser ameaçado com paralisações e, de outro lado, o benefício para o construtor de ter suas reivindicações analisadas por um terceiro imparcial, e se tiver razão, receber o pagamento no momento correto”, explica Marcelo Mesquita, árbitro e membro do Instituto de Engenharia.
Mesquista explica que o método que foi desenvolvido na Inglaterra, onde se tornou lei. Hoje, em todo o Reino Unido, qualquer das partes em um contrato de obra pode recorrer a um adjudicador. “E os resultados foram tão positivos que já temos adjudicação em diversos outros países, como África do Sul, Singapura, Austrália, Nova Zelândia”.
O diferencial da Adjudicação é que ela é usada no início do impasse, quando o ânimo das partes ainda é de solução. Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Construção (IBIDiC), Fernando Marcondes, quando as partes optam pela adjudicação, ainda não houve o desgaste que normalmente já se observa quando elas deixam para buscar uma solução em um estágio mais avançado da controvérsia. “Por isso, sua eficácia é muito grande e evita que as partes cheguem à Arbitragem ou ao Judiciário, que são caminhos mais custosos e menos eficazes na solução do problema”.
Em entrevista ao JOTA, os especialistas explicam os pontos positivos do método e como ele deve funcionar no setor da construção no Brasil.
Leia abaixo:
A adjudicação só pode ser usada no setor da construção?
Marcondes: A ferramenta foi criada para o setor da Construção, porém há iniciativas no sentido de utilizá-la em outros tipos de relações contratuais de longa duração – obviamente, com as adaptações necessárias.
Mesquista: Existem realmente outras iniciativas, inclusive em meio eletrônico, onde os adjudicadores não têm contato físico com as partes. O nosso foco, porém, é a adjudicação no setor da construção, onde esse mecanismo vem apresentando excelentes resultados, com uma expressiva queda dos litígios levados às cortes. Na Inglaterra, por exemplo, há registros de que 80% das decisões dos adjudicadores são cumpridas sem qualquer posterior questionamento ao Poder Judiciário ou à arbitragem.
Como o sistema deve ajudar na resolução de conflitos?
Marcondes: A Adjudication é utilizada no início do impasse, antes mesmo que ele se torne um conflito de verdade. O ânimo das partes envolvidas ainda é de solução, não houve o desgaste que normalmente já se observa quando as partes deixam para buscar uma solução em um estágio mais avançado da controvérsia. Por isso, sua eficácia é muito grande e evita que as partes cheguem à Arbitragem ou ao Judiciário, que são caminhos mais custosos e menos eficazes na solução do problema.
Mesquista: Hoje, é inegável, temos um problema estrutural. Nossa justiça é lenta e perde-se dinheiro enquanto se aguarda uma decisão. A arbitragem, por sua vez, é mais rápida, levando em média dois anos o julgamento de conflitos de obra. No entanto, o investimento que as partes fazem na arbitragem, com taxas e honorários de árbitros, é elevado. O mesmo vale para os Dispute Boards, que exigem um desembolso mais alto. A adjudicação, assim, pode nos ajudar a resolver essa dificuldade de ter uma decisão rápida e sem grandes custos, permitindo que uma elevada gama de obras, de médio e pequeno porte, contem com um mecanismo expedito de solução de controvérsias. Em paralelo, sabe-se que um dos grandes problemas nas obras são os impasses gerados quando algum imprevisto ou externalidade torna mais cara a sua execução. O proprietário muitas vezes não concorda com os acréscimos de preço propostos, e o empreiteiro nega-se a continuar os trabalhos sem a garantia de que será remunerado. A adjudicação serve para resolver exatamente esse impasse, no próprio local da obra e durante a sua execução.
Qual a diferença entre a adjudicação e o Dispute Board?
Marcondes: O Dispute Board é mais complexo, pois envolve 3 especialistas em vez de um, além de ter uma série de regras a serem seguidas até que se chegue a uma decisão ou recomendação. É recomendado para obras maiores e mais complexas, ao passo que a Adjudication, por sua menor complexidade e menor custo, é uma solução sob medida para obras menores que, antes de sua criação, não dispunham de um mecanismo de solução “in loco” que lhes fosse economicamente viável.
Mesquista: Internacionalmente, costuma-se dizer que os Dispute Boards são a “rising star” dos mecanismos de solução de conflito. Por haver um acompanhamento das obras por seus membros, a decisão por eles proferida tende a possuir a melhor qualidade possível. Esse sistema, contudo, exige um investimento maior das partes, que muitas vezes, até por falta de cultura, ainda não o enxergam como o grande facilitador que é. A adjudicação, por sua vez, é um procedimento mais simples e menos dispendioso e que pode facilitar muito nos casos em que o Dispute Board é economicamente pouco atraente ou quando se trate de um problema pontual a ser resolvido.
Quando é que a Câmara de Mediação e Arbitragem do Instituto de Engenharia lançará o regulamento?
Mesquista: A Câmara de Mediação e Arbitragem do Instituto de Engenharia, com uma atitude inovadora, deverá fornecer um serviço de adjudicação para o setor da construção nos próximos meses. Toda uma preparação está em desenvolvimento, inclusive com a seleção de indivíduos para serem adjudicadores. Reconhecendo essa excelente iniciativa, o Instituto Brasileiro do Direito da Construção, IBDiC, tem colaborado com a elaboração do regulamento, em fase de debates. No evento que o Instituto e o IBDiC promovem no próximo dia 28 de setembro, uma primeira versão do Regulamento será apresentado ao público, para sugestões.
Como o adjudicador é escolhido?
Mesquista: A adjudicação inicia-se com um aviso escrito, veiculado de uma parte à outra, contendo uma descrição do ponto a ser decidido e a pretensão dessa parte requerente. Se as partes não chegam a um acordo quanto ao adjudicador, uma entidade deve nomeá-lo. Aí entra, por exemplo, o Instituto de Engenharia. Após isso, como num processo judicial em miniatura, as partes apresentam suas alegações ao adjudicador. Primeiro, a parte requerente; depois, a requerida.
Qual é o prazo máximo para solucionar o impasse?
Mesquista: Todo o procedimento é desenhado para durar de 45 a 60 dias, no máximo. O adjudicado é um só, e não um painel com alguns membros. No final do prazo, uma decisão por escrito é apresentada, contendo as razões e o resultado do julgamento do adjudicador e sua determinação a respeito do pedido da parte requerente. Para tornar mais expedido o mecanismo, não é se permite reconvenção, isto é, um pedido contraposto da parte requerida, que deve iniciar sua própria adjudicação.
Por que a adjudicação é mais barata do que os demais métodos de solução de conflitos?
Marcondes: O fato de se utilizar somente um técnico em vez de três e o fato de ser muito rápido e simplificado.
Mesquista: Os ingleses tem uma descrição que explica bem a adjudicação. Chamam-na de “rough justice”. Como tal, isto é, como uma forma mais rústica e expedita de solução de controvérsias, não se tem todo o aparato de um cartório judicial ou a estrutura físicas que as câmaras arbitrais hoje costuma possuir. Igualmente, o tempo diminuto e o fato de se pagar o adjudicador pelas horas efetivamente despendidas, tornam esse mecanismo mais econômico. Por último, diferente dos Dispute Boards, o adjudicador não acompanha a obra. Em outras palavras, sua atuação é pontual e, assim, menos tempo de trabalho é gasto.
O modelo precisa ser adaptado para o uso no Brasil?
Marcondes: Penso que as adaptações do modelo são poucas. Mais importante é a necessidade de mudança do pensamento das partes envolvidas – uma verdadeira mudança de cultura.
Mesquista: Temos no mundo dois tipos de adjudicação. A prevista em lei, como é hije o caso do Reino Unido, e a prevista contratualmente, como foi antigamente o sistema inglês e se pratica na Africa do Sul e em alguns outros países.  A grande diferença entre eles é que, da adjudicação contratual, não deriva um título executivo, ou seja, uma sentença que permita ao beneficiário exigir o pagamento forçado. No Brasil será assim. Portanto, nossos contratos precisarão ser adaptados para prever mecanismos de reforço à decisão do adjudicador. Não há dúvida, porém, que, como disse o Fernando, a principal mudança é de cultura.  Temos de ter presente que o Poder Judiciário não está, nem estará, aparelhado para decisões em um curtíssimo espaço de tempo e, por isso, é importante buscarmos um meio viável de viabilizar a continuidade das obras com o menor prejuízo para ambas as partes quando houver um impasse entre elas.
Os motivos pelo quais a Inglaterra decidiu optar pela adjudicação são os mesmos do que o Brasil: Demora e alto custo do Judiciário?
Mesquista: Como na Inglaterra, o espírito pragmático prevaleceu e partiu-se para adjudicação como método padrão de solução de conflitos de obra. Não estamos falando de qualquer país,  mas do exato local de origem e berço do due process of law, e um dos países mais desenvolvidos no chamado direito da construção, onde há inclusive cortes altamente especializadas na matéria. Recorrer a adjudicação foi um alternativa adotada pelo próprio setor da construção, que na década de 1990 foi chamado a encontrar uma solução para melhorar os recorrentes conflitos de obra sem impedir que qualquer das partes buscassem seus direitos no Judiciário ou via arbitragem, com todas as garantias constitucionais inerentes para defesa de seus interesses. No atual cenário brasileiro, onde o Poder Judiciário não serve para tutelar com rapidez os direitos das partes e tampouco se pode pensar na arbitragem para todos os casos, é válido voltar o olhar para a experiência britânica, como estão fazendo diversos outros países, em prol de uma melhora do setor da construção.

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