“Prova”, este é o assunto que tratarei nesta coluna.
Perde-se ou se ganha um processo por causa da prova. A tese do autor
pode ser ótima, mas se não for possível provar os fatos alegados, o
pedido não será acolhido. Muitas vezes, a frustração do cliente é
“saber” que algo aconteceu, mas a realidade não se refletir no processo
e, com isso, a sentença entender que aquilo “não aconteceu”. E é,
também, uma frustração para o advogado.
E o NCPC traz uma série de inovações quanto à prova. Há, por exemplo,
o “ônus dinâmico da prova” (mencionado como umas principais inovações
na coluna anterior)
e a mudança do “princípio do livre convencimento motivado” (CPC73, art.
131) para o “princípio do convencimento motivado” (NCPC, art. 368) [1] e
quais as consequências dessa alteração (se é que há alguma).
Mas pretendo tratar de questões mais prosaicas e menos teóricas, mas
relevantes para o advogado militante,quando busca demonstrar a verdade
dos fatos. Tratarei de 10 aspectos relacionados às provas documental,
testemunhal e pericial (há outros, que podem ser tratados em próxima
coluna). Não são 10 inovações, pois em alguns casos há apenas repetição
do CPC/73. Analisemos juntos:
1) O NCPC, repetindo em grande parte o CPC/73, inicia a seção
destinada à prova documental com o título “da força probante dos
documentos”, discorrendo em diversos artigos a respeito da força do
documento público versus a força do documento privado. Há
artigo que afirma ser “autêntico o documento, quando o tabelião
reconhecer a firma do signatário”. No século XXI, com certificação
digital e livre convencimento motivado do juiz, tem sentido (e
necessidade) regular tanto a dicotomia documento público e privado?
2) Mas, especialmente, causa muita surpresa o NCPC reproduzir
dispositivo do CPC/73 que fala da força probante do telegrama e do
radiograma, com a mesma “força probatória do documento particular, se o
original constante da estação expedidora foi assinado pelo remetente”
Prezado leitor que utiliza telegrama (e não são muitos…), qual foi a
última vez que você foi aos Correios para assinar um telegrama? Ora,
quem envia telegrama o faz pela internet.
E, ainda pior, segundo consulta aos Correios, não existe mais o
radiograma [2] no Brasil, já há algum tempo (como bem destacou o colega de coluna prof. Marcelo Machado, temos um museu de grandes novidades…).
3) Enquanto isso, nenhuma menção específica à força probante do fax
(já superado, mas não extinto como o radiograma) ou do e-mail (fala-se
em correio eletrônico no art. 419, § 3o, mas não sob a perspectiva da
força probante). No momento em que o NCPC regula a força do telegrama
assinado nos correios, resta à doutrina e jurisprudência (esta última,
casuisticamente) tratar da recepção do mail como prova documental. Ou
seja, sem o norte dado pelo NCPC, cada juiz pode entender de determinada
maneira.
4) Mas, felizmente, há boas inovações. Em tempos de smartphone, a
prova multimídia ganha muita força. Melhor mostrar em juízo o vídeo da
batida do carro ou a testemunha ser ouvida, meses depois, em juízo?
Assim, há previsão de como o áudio ou vídeo devem ser levados ao
processo. Como prova documental que é, deve ser juntada aos autos na
inicial ou na contestação, sendo que sua apresentação somente será na
audiência de instrução. Um problema que ocorria na prática é regulado,
de forma clara e simples. É essa a finalidade do Código.
5) Quando à prova testemunhal, excelente previsão diz respeito à
possibilidade de oitiva da testemunha via videoconferência – que
inclusive poderá ocorrer na própria audiência de instrução, com as
demais testemunhas. No âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (sul do país) isso já é comum, mas não havia previsão no Código. E
é importante que haja, para evitar resistências de magistrados mais
refratários a mudanças. Em síntese, há base legal para se requerer que a
oitiva da testemunha seja feita pela internet, de qualquer lugar do
mundo.
6) De modo a desburocratizar e agilizar o processo, a testemunha será
intimada pelo advogado para comparecer à audiência de instrução. Isso
será feito por meio de carta com aviso de recebimento. Se não houver o
envio do AR pelo advogado e a testemunha não comparecer, presume-se a
desistência de oitiva. Se frustrada a intimação via AR, cabe a intimação
via Judiciário. Parece-me uma boa inovação, resta verificar como será a
realidade no cotidiano forense.
7) A arguição da testemunha passa por sensível alteração. Saem as
reperguntas (em que o advogado pergunta ao juiz, que então formula a
repergunta para a testemunha) entram as perguntas do advogado
diretamente para o depoente. Pode o juiz interferir se a perguntas forem
impertinentes ou quiserem induzir a resposta. Ou seja, é o modelo
norte-americano, que vemos em filmes (cross examination). Será
que é uma boa inovação? Pode ser. Resta verificar como, na prática,
juízes e advogados se adaptarão à novidade (que já ingressou no processo
penal em reforma realizada em 2008). A chave para a boa aplicação da
novidade é a boa-fé de partes, advogados e testemunhas.
8) A ordem de oitiva das testemunhas segue, em regra, a mesma
(primeiro do autor, depois do réu). Contudo, considerando o caso
concreto, é possível que o juiz, com o consentimento das partes, altere a
ordem de oitiva das testemunhas para qualquer ordem. Isso pode ser
interessante em situações nas quais a prova testemunhal tem bastante
relevo (como no direito de família) e a situação pode ser inserida no
contexto da flexibilização procedimental e, diante da vontade das
partes, do negócio jurídico processual (este último tema apontado na
minha coluna anterior como um dos destaques do NCPC) [3].
9) Ponto negativo quanto à prova testemunhal fica por conta da oitiva
das autoridades. Há um sensível aumento de pessoas que não precisam
depor no fórum e que podem ser ouvidas em lugar que designarem (ao invés
de igualar as pessoas, há mais distinção). Além dos diginitários que já
constavam do CPC/73, há inclusão de Conselheiros do CNJ e CNMP,
advogado-geral da União, procuradores-gerais dos Estados e municípios,
defensores-públicos gerais federal e estaduais, prefeito e
procurador-geral de justiça [4]. Mas, convenhamos, isso não é algo que
interfira no andamento dos processos do ponto de vista macro.
10) Encerro com a prova pericial. Há inovação que me parece muito
positiva. A criação de um cadastro, pelos tribunais, com profissionais
habilitados e certificados para atuar em determinada área. Ou seja, um
“banco de peritos”, semelhante ao que existe em relação aos tradutores
juramentados. Assim, se nesse banco houver médicos especializados em
geriatria, o juiz escolherá o perito dentre esses profissionais para
realizar uma perícia em caso de interdição de idoso. É uma iniciativa
simples, muito boa para dar transparência, qualificar melhor os peritos e
garantir que a escolha recairá no profissional mais adequado. Além
disso, a OAB e corporações profissionais poderão exercer fiscalização de
maneira mais fácil e isso estimulará que profissionais capacitados
possam se habilitar a atuar como peritos – sem ter de conhecer
pessoalmente o juiz ou escrivão.
Assim, se o leitor conhece alguém com capacidade técnica para atuar
como perito judicial, já vale informá-lo dessa novidade. Mas não precisa
ser por telegrama ou radiograma…
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