CPC nos tribunais: A ratificação do Recurso Especial no regime de repetitivos, por Rodrigo Becker e Victor Trigueiro
Para muitos operadores do direito, o Superior Tribunal de Justiça é reconhecido como um tribunal formador de jurisprudência defensiva. Este termo foi cunhado pela doutrina para qualificar o comportamento dos tribunais, tendente a criar empecilhos processuais para o conhecimento de recursos.
Na coluna de hoje, trataremos sobre mais uma dessas tentativas de impedir o conhecimento de Recursos Especiais perante o Superior Tribunal de Justiça.
Refiro-me ao entendimento firmado no AgRg no AREsp 503.133/SC, Relator Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, que entendeu ser necessária a ratificação do Recurso Especial interposto quando houver superveniente regulamento da matéria (pelo tribunal recorrido) em razão de recurso especial repetitivo, independentemente de ter havido alteração do julgamento.
Eis o teor da ementa do julgado acima referido:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SOBRESTADO. POSTERIOR JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO. REAPRECIAÇÃO DO TEMA PELA CORTE REGIONAL. NECESSIDADE DE RATIFICAÇÃO.
- Havendo superveniente rejulgamento da matéria em razão de recurso repetitivo (art. 543-C, § 7º, II, DO CPC), o recurso especial anteriormente interposto deve ser ratificado de modo expresso, sob pena de ser considerado prematuro, pouco importando se não houve alteração do julgado.
- Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 503.133/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 11/02/2015)
Esclarecendo o caso em apreço, delineia-se a seguinte situação: Recurso Especial interposto perante o tribunal “a quo”, sobrestado em razão da afetação de RESP paradigma no regime de repetitivos (previsto no revogado artigo 543-C, §7º, II do CPC 73).
Uma vez estabelecido o julgamento do caso paradigma (recurso especial repetitivo), segundo o Superior Tribunal de Justiça, caberia ao recorrente ratificar o recurso especial interposto, após o rejulgamento da causa pelo tribunal recorrido, independentemente de alteração do julgamento por ele proferido.
Estabelecida a hipótese, passo a examinar a compatibilidade do referido entendimento com o CPC de 1973, vigente ao tempo em que o acórdão, que definiu a exigência da ratificação, acima citado, foi proferido, e com o Novo Código de Processo Civil.
CPC 73
Como cediço, o artigo 543-C inaugurou a sistemática de julgamento de recursos especiais por amostragem, que terminou por se denominar de recurso especial repetitivo. Segundo a referida sistemática, uma vez identificada uma grande quantidade de recursos especiais sobre o mesmo tema, caberia ao STJ identificar recursos representativos da controvérsia, suspender os demais recursos em tramitação para definir a tese jurídica a ser aplicada aos casos pendentes e futuros, sem, no entanto, força vinculante.
Por força do art. 543-C, §7º, publicado o acórdão, os recursos especiais sobrestados na origem poderiam ter dois destinos: i) negativa de seguimento, na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ii) novo exame pelo tribunal de origem, na hipótese de acórdão recorrido divergir da orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Na sequência, dispunha o §8º que na hipótese “ii” acima descrita, o tribunal de origem faria o exame de admissibilidade do recurso especial e ato contínuo, encaminharia para o STJ.
Como se pode perceber da leitura dos dispositivos acima mencionados, não há previsão legal para a exigência de ratificação do Recurso Especial anteriormente interposto. Ao contrário, o Código era bastante claro ao estabelecer que uma vez mantida a divergência entre o acórdão recorrido e o entendimento firmado no RESP paradigma, deveria o tribunal recorrido proceder ao juízo de admissibilidade do recurso anteriormente interposto, independentemente de manifestação do recorrente.
Resta clara a desnecessidade de ratificação, considerando-se que a irresignação do recorrente persiste, na medida em que o tribunal recorrido afastou-se do posicionamento firmado pelo STJ.
Trata-se, portanto, à luz do CPC 73, de evidente equívoco na interpretação da lei pelo STJ, motivada pela busca de subterfúgios para o não conhecimento de recursos regularmente interpostos pelos jurisdicionados.
CPC 2015
Dada a vigência do novo Código de Processo Civil, cumpre-nos refletir sobre a possibilidade de manutenção do entendimento ora analisado, à luz das regras que regem o regime de Recursos Especiais Repetitivos, regulamentados no artigo 1.036 e seguintes do novo código.
Deixo de apresentar maiores detalhes quanto ao procedimento, pois,mutatis mutandis, o regramento é bastante parecido entre os Códigos.
Há, no entanto, grande diferença no que se refere ao efeito vinculante, que doravante se extrai dos entendimentos firmados em recurso especial e extraordinário repetitivos. A respeito da eficácia vinculante dos precedentes no novo CPC, há vasta publicação a respeito, motivo pelo qual nos concentraremos no elemento principal desta discussão.
Pois bem.
Segundo o artigo 1.040, uma vez publicado o acórdão paradigma: (i) o tribunal recorrido negará seguimento ao recurso, se o acórdão coincidir com a orientação do tribunal superior; (ii) havendo divergência entre o acórdão recorrido e o entendimento firmado pelo tribunal superior, caberá ao órgão que proferiu o acórdão, reexaminar o processo, adequando-o ao entendimento Transcrevo abaixo os artigos do novo código pertinentes em relação ao que se discute:
Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:
I – o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior;
II – o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;
Por sua vez, o Artigo 1.041 determina que, mantido o acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior, na forma do art. 1.036, §1º.
Eis o teor do dispositivo:
Art. 1.041. Mantido o acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior, na forma do art. 1.036, § 1o.
Está claro, com a redação do artigo acima citado, não haver espaço para a exigência de ratificação do Recurso Especial. A única providência cabível é o encaminhamento do recurso especial ao STJ, após a realização do juízo de admissibilidade.
Interessante notar o disposto no §2º do mesmo artigo, que dispensa expressamente a necessidade de ratificação do recurso especial anteriormente interposto, quando o recurso versar sobre outras questões, que não sejam aquelas identificadas com o caso paradigma.
À guisa de conclusão, pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça ora analisado não encontrava respaldo no procedimento estabelecido pelo CPC de 73. A vigência do CPC 2015 é uma oportunidade para que a Corte reveja seu posicionamento, deixando de exigir a ratificação do recurso especial na hipótese de rejulgamento da causa pelo tribunal recorrido, sob pena de grave ofensa ao devido processo legal.
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