Na dicção do artigo 13 da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), árbitro é a pessoa física indicada pelas partes para conhecer e julgar um litígio que tenha por objeto direito disponível. Observe-se que o próprio texto legal impõe ao árbitro o dever de proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e distinção (artigo 13, parágrafo 6º).
Carlos Alberto Carmona enfatiza que a mais importante qualidade que se exige do árbitro é a imparcialidade — vale dizer, a equidistância que o julgador deve manter em relação aos contendores (Arbitragem e processo, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2009, p. 239).
As partes têm, geralmente, a mais ampla liberdade de escolher um árbitro de sua confiança. Contudo, o árbitro “da parte” jamais pode se deixar envolver com os interesses daquele litigante que o indicou, devendo se comportar com independência durante toda a tramitação do procedimento arbitral.
Seja como for, resulta evidente que a escolha unilateral de um respectivo árbitro para a composição do painel, “confere às partes — de forma certa ou equivocada — a sensação de que elas detêm o controle da arbitragem”, circunstância que diferencia esse modo de resolução de conflitos da jurisdição estatal (cf., nesse sentido, Alexis Mourre, Are Unilateral Appointments Defensible? On Jan Paulsson’s Moral Hazard in International Arbitration, Kluwer Arbitration Blog, 5-10-2010; Hans Smit, The Pernicious Institution of the Party-appointed Arbitrator, Vale Columbia Center - Columbia University, n. 33, 2010).
A prerrogativa de indicar árbitro único ou, no painel colegiado, cada qual o seu árbitro, deve ser preservada a ambas as partes. Não obstante, havendo pluralidade de partes no polo ativo e/ou no polo passivo do processo arbitral — denominada multiparty arbitration — pode ocorrer que os respectivos litisconsortes não cheguem a um acordo quanto à seleção do árbitro comum.
A constituição do tribunal arbitral, neste caso, é um dos pontos nevrálgicos para uma arbitragem bem sucedida.
Por inúmeras razões, seria de todo desaconselhável a arbitragem se iniciar com um painel composto, de um lado, pelo árbitro indicado por uma das partes, e, de outro, por um árbitro apontado pela câmara de arbitragem na qual tramita o processo. Na verdade, verificando-se essa hipótese, estaria vulnerada a isonomia a ser necessariamente assegurada a todos os litigantes.
Recordo, a propósito, os termos do artigo 18, sob a rubrica Equal treatment of parties, da Lei Modelo da Uncitral sobre Arbitragem Comercial Internacional: “As partes devem ser tratadas com igualdade e a cada parte deve ser concedida integral oportunidade para ser olvida”.
Examinando esse tormentoso problema, Starvos Brekoulakis (Multiparty and Multicontract Arbitration, QFinance, www.qfinance.com/operators) escreve que nas arbitragens com múltiplos protagonistas, a cada litigante deve ser garantido o direito de influir na constituição do tribunal; caso contrário, a sentença estará exposta ao risco de anulação (“open to annulment”).
A secundar tal doutrina, a Corte de Apelação de Paris, em janeiro de 1992, teve oportunidade de enfrentar situação concreta consubstanciada no famoso precedente Dutco Construction Co. v. Siemens AG-BKMI, no qual a empresa demandante Dutco procedeu, normalmente, à indicação de seu árbitro, enquanto os litisconsortes passivos Siemens AG e BMKI, diante de interesses colidentes, não chegaram a um consenso na escolha do respectivo árbitro. Instados pela Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI) a efetivar a indicação, consignaram expresso protesto e, afinal, acabaram elegendo um árbitro comum (v., a respeito, a minuciosa exposição de Nigel Blackaby e Constantine Partasides, Redfern and Hunter on International Arbitration, 5ª ed., Oxford, University Press, 2009, p.150-151).
Posteriormente, submetida a questão ao controle do Poder Judiciário francês, foi declarada a nulidade da sentença arbitral, com fundamento na premissa de que, havendo litisconsortes, cada co-litigante tem o direito de apontar o seu árbitro, sob pena de violação do princípio da igualdade processual.
Como consequência dessas vicissitudes que se transformaram em verdadeiro leading case, a Corte Internacional de Arbitragem (CCI), em 1998, alterou o seu Regulamento de Arbitragem, ao dispor, no artigo 12.8, que os diversos requerentes ou requeridos deverão designar conjuntamente um árbitro; se não lograrem êxito em tal indicação conjunta, todos os membros do tribunal serão nomeados pela corte, podendo esta escolher qualquer pessoa que repute competente para atuar como árbitro. Tal disposição veio parcialmente reproduzida no artigo 12.2 da reforma introduzida em 2012.
Essa significativa alteração mereceu destaque e elogio da prestigiosa doutrina de Gary B. Born (International Arbitration: Law and Practice, Alphen aan den Rijn, Kluwer, 2012, p. 230).
O Regulamento da Corte Internacional de Arbitragem de Londres (LCIA) foi também modificado, lendo-se no artigo 8.1 que, não havendo consenso entre as partes para a formação do tribunal arbitral, a corte deve escolher o painel, desconsiderando qualquer nomeação eventualmente formulada por uma das partes (“... without regard to any party’s nomination”).
Stefan Kröll (Siemens–Dutco Revisited? Balancing Party Autonomy and Equality of the Parties in the Appointment Process in Multiparty Cases, Kluwer Arbitration Blog, 15-10-2010) informa que, igualmente, o Instituto Alemão de Arbitragem (DIS), na seção 13.2 de seu Regimento, acolheu essa orientação, assegurando a cada litigante o direito de escolher o seu árbitro, inclusive e especialmente na hipótese de os litisconsortes não alcançarem um consenso.
De acrescentar-se que também na experiência arbitral brasileira tem vingado esse mesmo entendimento. Com efeito, apenas a guisa de exemplo, verifica-se que o artigo 6.10 do Regulamento do Procedimento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara Americana de Comércio para o Brasil-São Paulo (Amcham), preceitua que: “Sendo mais de uma parte Requerente ou Requerida e não sendo o conflito submetido a árbitro único, os Requerentes, conjuntamente, e as Requeridas, conjuntamente, designarão seus respectivos árbitros, sob pena de poder o Comitê Gestor fazer a nomeação de todos os três integrantes do Tribunal Arbitral, indicando quem exercerá a presidência dos mesmos”.
O parágrafo 2º do artigo 30 do Regulamento da Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem dispõe, a seu turno, que: “Na hipótese de arbitragem com pluralidade de partes requerentes e/ou requeridas, cada um dos pólos indicará, de comum acordo, 1 (um) árbitro. Na falta de acordo, competirá ao Diretor Executivo da Câmara FGV a nomeação de todos os integrantes do tribunal arbitral”.
Assim, dúvida não há de que o processo arbitral é considerado nulo quando restar violado o tratamento igualitário das partes. É a regra do inciso VIII do artigo 32 da Lei de Arbitragem: “É nula a sentença arbitral se: (...) VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei”.
Ressalte-se, por fim, que o Projeto de Lei 7.108/2014, recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, prestigiou a nova redação do parágrafo 4º, agora introduzido no artigo 13 da Lei de Arbitragem em vigor, então sugerida pelo anteprojeto elaborado pela comissão de juristas, criada em novembro de 2012 pelo Senado e presidida pelo ilustre ministro do Superior Tribunal de Justiça Luís Felipe Salomão. Tal novel dispositivo segue a supra aludida tendência contemporânea, a dispor que: “As partes, de comum acordo, poderão afastar a aplicação de dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou entidade especializada que limite a escolha do árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros, autorizado o controle da escolha pelos órgãos competentes da instituição, sendo que, nos casos de impasse e arbitragem multiparte, deverá ser observado o que dispuser o regulamento aplicável”.
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