OAB-SP pede que Supremo não decida questão das biografias, por Pedro Canário

A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil prefere que o conflito entre a liberdade de expressão e de imprensa e o direito à privacidade sejam definidos caso a caso pelos juízes de primeira instância. Isso porque, para a presidente da Comissão de Direito Autoral da OAB-SP, Silmara Chinellato, não há “hierarquização em abstrato” entre os dois princípios constitucionais. Portanto, para ela, a prevalência de um sobre o outro deve ser definida nos casos concretos. “Não cabe definição a apriorística nesse caso”, defendeu.
Com essa argumentação, a advogada quer dizer que não cabe ao Supremo Tribunal Federal determinar um padrão de conduta para o Judiciário quando da apreciação desse tipo de conflito. Silmara falou na manhã desta quinta-feira (21/11) durante audiência pública no Supremo para discutir se os artigos 20 e 21 do Código Civil exigem aprovação prévia dos personagens de biografias e se eles afrontam o texto constitucional.
A discussão está posta na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815, ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) para pedir que o STF dê aos artigos do Código Civil a chamada “interpretação conforme a Constituição Federal”. As empresas alegam que, ao exigir autorização prévia dos biografados para publicação de biografias, os dispositivos do CC afrontam o inciso IX do artigo 5º da Constituição: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
O caso foi levado ao Supremo depois de o Judiciário, por reiteradas vezes, ter determinado a retirada de biografias de circulação porque determinados trechos ofendem os biografados ou as personagens citadas. As decisões judiciais se baseiam no inciso X do artigo 5º da Constituição, segundo o qual “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
A ADI está sob relatoria da ministra Cármen Lúcia, que convocou a audiência pública. O pedido é para que o Supremo defina se a publicação de textos biográficos sem autorização do biografado violam o direito à intimidade, ou se a indenização por eventuais violações deve ser posterior à publicação, independente de autorização. E é isso que a advogada Silmara Chinellato não quer que o Supremo faça.
Em sua fala na audiência desta quinta, ela defendeu que a liberdade de expressão não é direito absoluto e que os direitos públicos, como o da informação, não são indisponíveis. “É necessário enfrentar o embate entre o interesse público e o privado”, disse. “Há interesses meramente empresariais em divulgar fatos somente para satisfazer a curiosidade da população, o que não se confunde com interesse público.”
Sem debate
A representante da OAB falou praticamente sozinha na audiência pública. A esmagadora maioria defendeu que o Supremo acabe com a controvérsia de uma vez por todas e diga que nenhuma produção, artística, jornalística ou acadêmica, dependa de autorização prévia de quem quer que seja. “A única saída para más biografias são boas biografias”, resumiu o professor Ivar Hartman, que representou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o IHGB.

Houve uma coincidência histórica na presença do IHGB no “debate”. O instituto foi fundado em 1838 pelo imperador D. Pedro II justamente com o intuito de estimular a produção acadêmica e científica a respeito do Brasil. Era uma época em que a produção científica estava centralizada na Europa, e D. Pedro estava preocupado em construir uma história nacional e valorizar as tradições brasileiras.
A coincidência é que um dos expositores da audiência foi o historiador José Murilo de Carvalho, autor de extensa obra sobre o Império e, inclusive, de uma biografia de D. Pedro II. Na discussão, contou que jamais foi procurado pelos herdeiros do imperador para que se abstivesse de mencionar qualquer episódio. Citou o próprio D. Pedro II: “Quem controla a imprensa é a própria imprensa”.
Carvalho defendeu que não há como estudar história sem as biografias, já que ela é fruto das ações de seus personagens. “Já se foi o tempo em que os estruturalistas pregavam que os indivíduos são meros joguetes, e que a história é fruto da geografia, do clima ou de fatores externos”, ensinou. “Defesa da censura prévia por pessoas públicas é incoerente. Revela visão torta da posição que ocupam na sociedade. É como se quisessem servir-se do povo sem servir o povo. Podemos estar diante do ovo da serpente para acabar com o direito à opinião e ao contraditório.”

Comentários

  1. Pelo que entendi: "assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Creio que algo "decorrente" só se estabelece a posteriori, ou seja, o dano precisa ser cometido para gerar a indenização. Me parece que a coisa empaca em parte na propalada lentidão do judiciário e na necessidade de disciplinar com maior rigor os abusos da mídia. As boas biografias podem abordar questões "delicadas", desde que o façam com todo o rigor ético e científico (existem protocolos de pesquisa para isso). Apenas para tocar num assunto delicado: seria possível fazer uma biografia de Oscar Wilde sem mencionar a questão da homossexualidade? O famoso escritor inglês acabou processado e preso por isso. Existe uma fronteira entre a pesquisa séria e o sensacionalismo grosseiro e a liberdade de se buscar essa fronteira deve prevalecer. Se a lei não conseguir dirimir essa fronteira, o judiciário estará aí exatamente para resolver as pendengas: liberar os trabalhos sérios e punir rigorosamente os abusos. Precisamos acreditar na capacidade e competência do Poder Judiciário de conseguir isso, ou seja, fazer com que a lei se cumpra e a justiça se faça.

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  2. Por isso a posição da OAB: apreciação caso a caso e não algo “vinculante” por parte do STF.
    A reparação nas indenizatórias exige: autoria, nexo de causalidade e dano.
    O critério para a fixação do dano material é o cálculo de tudo aquilo que o lesado efetivamente perdeu, além daquilo que deixou de lucrar. Tem caráter ressarcitório. No entanto, na reparação do dano moral não há ressarcimento, já que é praticamente impossível restaurar o bem lesado, que, via de regra, tem caráter imaterial. O dano moral resulta, na maior parte das vezes, da violação a um direito de personalidade: vida, integridade física, honra, liberdade, etc. De modo que não basta estipular que a reparação mede-se pela extensão do dano.
    Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação do dano moral são: a compensação do lesado pelo dano sofrido e o desestímulo ao lesante, para que este não continue cometendo danos da mesma espécie. Inserem-se nesse contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como a análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido com o ilícito.
    Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a inibir comportamentos antissociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade, traduzindo-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo.
    Indeniza-se para reparar dano material ou moral.

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