É possível a alienação, por procuração, de bem imóvel não especificado previamente? Por Adriano Ferriani
O art. 661, caput, do Código Civil diz que o mandato em termos gerais só confere poderes de administração.
A venda não é considerada ato de mera administração, mas sim de alienação.
O parágrafo
primeiro do mesmo artigo, por sua vez, diz que "para alienar, hipotecar,
transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da
administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e
expressos".
Resta perguntar: o
que são poderes especiais e expressos? Resposta: são especiais os
poderes que extravasam os atos de mera administração. São expressos os
poderes que nascem de uma declaração. No referido texto de lei, a
palavra expressos significa o contrário de implícito. Ou seja,
não se pode conceber um poder subentendido de alienação. Precisa haver a
manifestação expressa do mandante nesse sentido.
No entanto, parte
significativa da jurisprudência tem entendido que não basta o poder
especial contido na procuração para viabilizar a venda de bem imóvel.
Seria também necessária a descrição precisa do imóvel que se pretende
alienar. O Superior Tribunal de Justiça (Resp. 262.777-SP) já decidiu,
em 2009, nesse sentido: "Para realização de negócio jurídico que
transcende a administração ordinária, tal qual a alienação de bens
imóveis, exige-se a outorga de poderes especiais e expressos, com a
respectiva descrição do objeto a ser negociado" (Relator: Ministro Luis
Felipe Salomão).
Em outras
palavras, a interpretação majoritária ordena a imprescindibilidade da
individualização dos poderes e também a precisa identificação dos bens a
serem negociados. Não é preciso encarecer a quantidade e a importância
das consequências práticas advindas desse entendimento. Basta lembrar
que o cartório de registro de imóveis pode não registrar a compra e
venda de um imóvel alienado nessas condições. E se não há registro do
título aquisitivo, tecnicamente não há transferência da propriedade.
Tal compreensão
não nos parece a mais acertada. Claramente, o adjetivo "expressos"
qualifica o substantivo "poderes". Logo, os poderes devem ser expressos.
Não há na lei absolutamente nenhuma menção à necessidade de
identificação precisa dos bens a serem negociados por procurador. Nem se
pode extrair tal conclusão do texto legal. O legislador assim se
pronunciou ("poderes expressos") porque no caput do mesmo artigo
661 do CC, não há necessidade de especificar expressamente os poderes
que decorrem da mera administração. Ex: para locar, não é necessário
poder expresso, pois estaria compreendido na ideia de administração.
Diferentemente, o poder para a alienação em nenhuma circunstância pode
ser presumido. Deve resultar, expressa e inequivocamente, da procuração.
Além disso, a
leitura do art. 661 do CC sob tal perspectiva cria limitação muito
significativa à vontade das partes. As pessoas, pelas mais variadas
razões, podem julgar conveniente a outorga de procuração com maior
amplitude, principalmente para amparar ausências de duração mais
prolongada por parte do mandante.
Muitas vezes, o
objetivo pode ser o de vender bens futuros, que ainda não podem por essa
razão ser identificados porque ainda não integram o patrimônio do
mandante. A interpretação ora comentada simplesmente aniquila tal
possibilidade.
Extrair da lei o
que ela não contém é inadequado, ainda que o objetivo seja o de aumentar
a segurança das relações negociais e evitar simulações. Ninguém pode
ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei (art. 5o, II, da CF).
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