Breves considerações sobre o Chamamento ao Processo, por RAfael Bertramello

Conceito

Trata-se de instituto inaugurado em 1973, o qual se encontra regulamentado nos artigos 77 a 80 do Código de Processo Civil.

Na definição de Humberto Theodoro Jr, “chamamento ao processo é o incidente pelo qual o devedor demandado chama para integrar o mesmo processo os coobrigados pela dívida, de modo a fazê-los também responsáveis pelo resultado do feito (…) Com essa providência, o réu obtém sentença que pode ser executada contra o devedor principal ou os codevedores, se tiver de pagar o débito”.[1]

Dispõe o artigo 77, CPC:

Art. 77.  É admissível o chamamento ao processo: 
I - do devedor, na ação em que o fiador for réu;
II - dos outros fiadores, quando para a ação for citado apenas um deles;
III - de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum.


Segundo Fredie Didier Jr., a “sua finalidade primeira é alargar o campo de defesa dos fiadores e dos devedores solidários, possibilitando-lhes, diretamente no processo em que um ou alguns deles forem demandados, chamar o responsável principal, ou os co-responsáveis ou coobrigados, para que assumam a posição de litisconsorte, ficando submetidos à coisa julgada”.[2]

Trata-se de procedimento facultativo e, segundo a própria finalidade do instituto, somente o réu pode promovê-lo.

Essa modalidade de intervenção só é cabível no processo de conhecimento[3]. Complementa Fredie Didier que “só cabe o chamamento ao processo se, em face da relação material deduzida em juízo, o pagamento da dívida pelo chamante dê a este o direito de reembolso, total, ou parcial, contra o chamado”.[4]

Frise-se, para se estabelecer uma importante diferenciação deste instituo para com a denunciação da lide, que nesta “o terceiro interveniente não tem vínculo ou ligação jurídica com a parte contrária do denunciante na ação principal. A primeira relação jurídica controvertida no processo principal diz respeito apenas ao denunciante e ao outro litigante originário (autor e réu). E a relação jurídica de regresso é exclusivamente entre o denunciante e o terceiro denunciado”.[5]

Destaca o ilustre doutrinador que, “já no chamamento ao processo, o réu da ação primitiva convoca para a disputa judicial pessoa que, nos termos do art. 77, tem, juntamente com ele, uma obrigação perante o autor da demanda principal, seja com o fiador, seja como coobrigado solidário pela dívida aforada. Vale dizer que só se chama ao processo quem, pelo direito material, tenha um nexo obrigacional com o autor”[6].

Fredie Didier Jr. sustenta, calcado nas lições de Barbosa Moreira, entre outros, que esse instituto de direito processual, no que toca ao inciso III, do Artigo 77, “revela uma desarmonia entre o direito material e o direito processual: é que, conforme regra antiga, havendo solidariedade passiva, pode o credor exigir toda a dívida de qualquer um dos co-devedores (art. 275 do CC-2002)”[7].


Prazo e procedimento

O artigo 78, CPC, estabelece que:

Art. 78.  Para que o juiz declare, na mesma sentença, as responsabilidades dos obrigados, a que se refere o artigo antecedente, o réu requererá, no prazo para contestar, a citação do chamado.

Em regra, portanto, o incidente deve ser proposto no prazo de contestação. Recebendo a petição o juiz suspenderá o curso do processo e será observado, quanto à citação, o disposto no artigo 79 do CPC, que manda aplicar, à hipótese, o disposto nos artigos 72 a 74, do mesmo código.

Há quem afirme[8], no entanto, possível o chamamento após a contestação, porém antes da sentença, pois o prazo é estabelecido a benefício do autor, de modo que, se este concorda, nenhum prejuízo há.

Arruda Alvim critica essa posição, pois entende que ainda que se admita posição mais liberal a respeito, incidirá a limitação temporal no art. 264, caput e Parágrafo Único, do CPC, isto é, “mesmo com o consentimento do autor, o chamamento ao processo não deverá ser admitido após o saneamento do processo”.[9]

Há precedentes de ser incabível o chamamento ao processo quando da oportunidade de interposição do recurso de apelação[10].


Hipóteses de Chamamento

Três são as hipóteses tratadas no artigo 77, CPC, a respeito do chamamento do processo. Há, entre eles, um núcleo comum: aquele que chama outrem, ao processo, entende que este tem, tanto quanto ou mais que ele, obrigação de responder em face do autor[11].

Chamante e chamado serão litisconsortes. O litisconsórcio tratado, na espécie, é ulterior, passivo e facultativo. Pode ser unitário ou simples, a depender da indivisibilidade do bem objeto da dívida solidária. Se a natureza do bem jurídico for indivisível, tratar-se-á de litisconsórcio unitário; se divisível, simples. Destaca Didier que: “sempre que houver pluralidade de devedores de obrigação indivisível haverá solidariedade”.[12]

Para ser viável o chamamento ao processo necessário é que o réu seja parte legítima[13].

O artigo 77, I, CPC trata do “chamamento do devedor principal”, hoje tratado no artigo 827 do CC:

Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.

Esta hipótese é conhecida como o chamamento do devedor principal.

O fiador é, em regra, obrigado subsidiário, e uma das formas para fazer valer esse direito (que pode encontrar restrições no artigo 828, CC) é providenciar o chamamento ao processo do afiançado, na forma o artigo 77, I, CPC.

Frise-se, ainda que não exista o benefício de ordem, pode o fiador chamar o afiançado ao processo, o que implica, em face do credor, que terá de responder, em condições simulares às do devedor, inaplicável o artigo 595 do CPC[14].

O artigo 77, II, CPC, disciplina a hipótese de existirem vários fiadores de uma mesma dívida e, na demanda, apenas um ou parte deles terem sido processados. Trata-se do chamamento do cofiador. Com base nesse dispositivo, poderá o fiador processado chamar os demais ao processo.

Arruda Alvim sinaliza que o chamado ao processo pode, por sua vez, por compor o polo passivo em litisconsórcio facultativo, chamar outros fiadores ao processo[15]. Observa-se, aqui, a regra capitulada no artigo 46, Parágrafo único do CPC:

Art. 46.  Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
(…)
Parágrafo único.  O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.


Já o inciso III, artigo 77, CPC, permite o chamamento de todos os devedores solidários, quando o credor fazer valer a regra do artigo 275, CC, e exigir de um, ou de alguns apenas, a dívida comum.

Lembra-se, todavia, que a obrigação solidária pode apresentar origem não contratual. Considerem-se, primeiro, esses dois artigos do Código Civil:


Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.


Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

Assim, é perfeitamente possível que a empresa de ônibus, indicada para compor o polo passivo da demanda, chame ao processo o condutor do coletivo à ocasião dos fatos, pois, condenados, chamante e chamado, a empresa, indenizando a vítima, poderá voltar-se executivamente contra o motorista[16].

Frise-se, por fim, que o chamamento é instituto em benefício do réu, não do autor. Logo, só é admitido quando possa beneficiá-lo[17].


Chamamento ao Processo no CDC


O Código de Defesa do Consumidor estabelece a possibilidade de o réu, fornecedor de produtos e/ou serviços,  chamar ao processo seu segurador:

Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:
        I – a ação pode ser proposta no domicílio do autor;
        II – o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este.


Se condenada, a seguradora restará obrigada até o limite coberta pela garantia securitária, sendo relevante destacar que, em caso de falência do fornecedor a lei prevê o ajuizamento da demanda apenas e diretamente contra o segurador (CDC, 101, II).


Chamamento ao processo na ação de alimentos

Dispõe o artigo 1.698 do Código Civil[18]:

Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.



Sentença

Conforme Arruda Alvim, a “sentença, proferida no processo de conhecimento, que julgar procedente a ação, condenará os devedores e valerá como título executivo para o credor. Se, após o processo de conhecimento, um dos devedores, seja o fiador ou o devedor solidário, saldar a dívida, a mesma sentença que tiver julgado procedente a ação já valerá também para este, desde logo, como título executivo (…), terá havido, nesse caso, uma sub-rogação do crédito, passando ao antigo devedor a credor, nos termos do artigo 80”[19], do CPC.

Dispõe o mencionado artigo:

  Art. 80.  A sentença, que julgar procedente a ação, condenando os devedores, valerá como título executivo, em favor do que satisfizer a dívida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou de cada um dos co-devedores a sua quota, na proporção que Ihes tocar.


Athos Gusmão Carneiro destaca que “na denunciação, a sentença de procedência é título executivo, no que à ação regressiva, em favor do denunciante e contra o denunciado. No chamamento, nem sempre o título executivo será formado em favor do chamante e contra o chamado; poderá sê-lo, até, e, favor do chamado (ou de um dos chamados) e contra o chamante, tudo dependendo de quem vier, ao final, satisfazer a dívida”.[20]

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