Conceito
Trata-se de instituto inaugurado em 1973, o qual se encontra regulamentado nos artigos 77 a 80 do Código de Processo Civil.
Na definição de Humberto Theodoro Jr, “chamamento ao processo é o
incidente pelo qual o devedor demandado chama para integrar o mesmo
processo os coobrigados pela dívida, de modo a fazê-los também
responsáveis pelo resultado do feito (…) Com essa providência, o réu
obtém sentença que pode ser executada contra o devedor principal ou os
codevedores, se tiver de pagar o débito”.[1]
Dispõe o artigo 77, CPC:
Art. 77. É admissível o chamamento ao processo:
I - do devedor, na ação em que o fiador for réu;
II - dos outros fiadores, quando para a ação for citado apenas um deles;
III - de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum.
Segundo Fredie Didier Jr., a “sua finalidade primeira é alargar o
campo de defesa dos fiadores e dos devedores solidários,
possibilitando-lhes, diretamente no processo em que um ou alguns deles
forem demandados, chamar o responsável principal, ou os co-responsáveis
ou coobrigados, para que assumam a posição de litisconsorte, ficando
submetidos à coisa julgada”.[2]
Trata-se de procedimento facultativo e, segundo a própria finalidade do instituto, somente o réu pode promovê-lo.
Essa modalidade de intervenção só é cabível no processo de conhecimento[3].
Complementa Fredie Didier que “só cabe o chamamento ao processo se, em
face da relação material deduzida em juízo, o pagamento da dívida pelo
chamante dê a este o direito de reembolso, total, ou parcial, contra o
chamado”.[4]
Frise-se, para se estabelecer uma importante diferenciação deste
instituo para com a denunciação da lide, que nesta “o terceiro
interveniente não tem vínculo ou ligação jurídica com a parte contrária
do denunciante na ação principal. A primeira relação jurídica
controvertida no processo principal diz respeito apenas ao denunciante e
ao outro litigante originário (autor e réu). E a relação jurídica de
regresso é exclusivamente entre o denunciante e o terceiro denunciado”.[5]
Destaca o ilustre doutrinador que, “já no chamamento ao processo, o
réu da ação primitiva convoca para a disputa judicial pessoa que, nos
termos do art. 77, tem, juntamente com ele, uma obrigação perante o
autor da demanda principal, seja com o fiador, seja como coobrigado
solidário pela dívida aforada. Vale dizer que só se chama ao processo
quem, pelo direito material, tenha um nexo obrigacional com o autor”[6].
Fredie Didier Jr. sustenta, calcado nas lições de Barbosa Moreira,
entre outros, que esse instituto de direito processual, no que toca ao
inciso III, do Artigo 77, “revela uma desarmonia entre o direito
material e o direito processual: é que, conforme regra antiga, havendo
solidariedade passiva, pode o credor exigir toda a dívida de qualquer um
dos co-devedores (art. 275 do CC-2002)”[7].
Prazo e procedimento
O artigo 78, CPC, estabelece que:
Art. 78. Para que o juiz declare, na mesma sentença, as
responsabilidades dos obrigados, a que se refere o artigo antecedente, o
réu requererá, no prazo para contestar, a citação do chamado.
Em regra, portanto, o incidente deve ser proposto no prazo de
contestação. Recebendo a petição o juiz suspenderá o curso do processo e
será observado, quanto à citação, o disposto no artigo 79 do CPC, que
manda aplicar, à hipótese, o disposto nos artigos 72 a 74, do mesmo
código.
Há quem afirme[8],
no entanto, possível o chamamento após a contestação, porém antes da
sentença, pois o prazo é estabelecido a benefício do autor, de modo que,
se este concorda, nenhum prejuízo há.
Arruda Alvim critica essa posição, pois entende que ainda que se
admita posição mais liberal a respeito, incidirá a limitação temporal no
art. 264, caput e Parágrafo Único, do CPC, isto é, “mesmo com o
consentimento do autor, o chamamento ao processo não deverá ser admitido
após o saneamento do processo”.[9]
Há precedentes de ser incabível o chamamento ao processo quando da oportunidade de interposição do recurso de apelação[10].
Hipóteses de Chamamento
Três são as hipóteses tratadas no artigo 77, CPC, a respeito do
chamamento do processo. Há, entre eles, um núcleo comum: aquele que
chama outrem, ao processo, entende que este tem, tanto quanto ou mais
que ele, obrigação de responder em face do autor[11].
Chamante e chamado serão litisconsortes. O litisconsórcio tratado, na
espécie, é ulterior, passivo e facultativo. Pode ser unitário ou
simples, a depender da indivisibilidade do bem objeto da dívida
solidária. Se a natureza do bem jurídico for indivisível, tratar-se-á de
litisconsórcio unitário; se divisível, simples. Destaca Didier que:
“sempre que houver pluralidade de devedores de obrigação indivisível
haverá solidariedade”.[12]
Para ser viável o chamamento ao processo necessário é que o réu seja parte legítima[13].
O artigo 77, I, CPC trata do “chamamento do devedor principal”, hoje tratado no artigo 827 do CC:
Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem
direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro
executados os bens do devedor.
Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a
que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo
município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.
Esta hipótese é conhecida como o chamamento do devedor principal.
O fiador é, em regra, obrigado subsidiário, e uma das formas para
fazer valer esse direito (que pode encontrar restrições no artigo 828,
CC) é providenciar o chamamento ao processo do afiançado, na forma o
artigo 77, I, CPC.
Frise-se, ainda que não exista o benefício de ordem, pode o fiador
chamar o afiançado ao processo, o que implica, em face do credor, que
terá de responder, em condições simulares às do devedor, inaplicável o
artigo 595 do CPC[14].
O artigo 77, II, CPC, disciplina a hipótese de existirem vários
fiadores de uma mesma dívida e, na demanda, apenas um ou parte deles
terem sido processados. Trata-se do chamamento do cofiador. Com base nesse dispositivo, poderá o fiador processado chamar os demais ao processo.
Arruda Alvim sinaliza que o chamado ao processo pode, por sua vez,
por compor o polo passivo em litisconsórcio facultativo, chamar outros
fiadores ao processo[15]. Observa-se, aqui, a regra capitulada no artigo 46, Parágrafo único do CPC:
Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
(…)
Parágrafo único. O juiz poderá limitar o litisconsórcio
facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a
rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação
interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.
Já o inciso III, artigo 77, CPC, permite o chamamento de todos os
devedores solidários, quando o credor fazer valer a regra do artigo 275,
CC, e exigir de um, ou de alguns apenas, a dívida comum.
Lembra-se, todavia, que a obrigação solidária pode apresentar origem
não contratual. Considerem-se, primeiro, esses dois artigos do Código
Civil:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais
e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão
dele;
IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos
onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus
hóspedes, moradores e educandos;
V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do
direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a
ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela
reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.
Assim, é perfeitamente possível que a empresa de ônibus, indicada
para compor o polo passivo da demanda, chame ao processo o condutor do
coletivo à ocasião dos fatos, pois, condenados, chamante e chamado, a
empresa, indenizando a vítima, poderá voltar-se executivamente contra o
motorista[16].
Frise-se, por fim, que o chamamento é instituto em benefício do réu, não do autor. Logo, só é admitido quando possa beneficiá-lo[17].
Chamamento ao Processo no CDC
O Código de Defesa do Consumidor estabelece a possibilidade de o réu,
fornecedor de produtos e/ou serviços, chamar ao processo seu
segurador:
Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de
produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste
título, serão observadas as seguintes normas:
I – a ação pode ser proposta no domicílio do autor;
II – o réu que houver contratado seguro de
responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a
integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil.
Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o
réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil.
Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a
informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em
caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra
o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do
Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este.
Se condenada, a seguradora restará obrigada até o limite coberta pela
garantia securitária, sendo relevante destacar que, em caso de falência
do fornecedor a lei prevê o ajuizamento da demanda apenas e diretamente
contra o segurador (CDC, 101, II).
Chamamento ao processo na ação de alimentos
Dispõe o artigo 1.698 do Código Civil[18]:
Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar,
não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão
chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas
obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos
respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as
demais ser chamadas a integrar a lide.
Sentença
Conforme Arruda Alvim, a “sentença, proferida no processo de
conhecimento, que julgar procedente a ação, condenará os devedores e
valerá como título executivo para o credor. Se, após o processo de
conhecimento, um dos devedores, seja o fiador ou o devedor solidário,
saldar a dívida, a mesma sentença que tiver julgado procedente a ação já
valerá também para este, desde logo, como título executivo (…), terá
havido, nesse caso, uma sub-rogação do crédito, passando ao antigo
devedor a credor, nos termos do artigo 80”[19], do CPC.
Dispõe o mencionado artigo:
Art. 80. A sentença, que julgar procedente a ação,
condenando os devedores, valerá como título executivo, em favor do que
satisfizer a dívida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal,
ou de cada um dos co-devedores a sua quota, na proporção que Ihes tocar.
Athos Gusmão Carneiro destaca que “na denunciação, a sentença de
procedência é título executivo, no que à ação regressiva, em favor do
denunciante e contra o denunciado. No chamamento, nem sempre o título
executivo será formado em favor do chamante e contra o chamado; poderá
sê-lo, até, e, favor do chamado (ou de um dos chamados) e contra o
chamante, tudo dependendo de quem vier, ao final, satisfazer a dívida”.[20]
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