Breves considerações sobre a responsabilidade civil dos hospitais, por João Paulo Bettega de Albuquerque Maranhão
Ao
tomar conhecimento da notícia de que nos últimos seis anos as ações
judiciais decorrentes de erro médico aumentaram mais de 200% em nosso
país, não poderia me furtar de tecer algumas considerações sobre o
assunto, em especial no que se refere a responsabilização da instituição
hospitalar onde supostamente foi praticado o erro.
Primeiramente, cumpre esclarecer que a questão da
responsabilidade civil dos hospitais não é tão simples quanto alguns
pretendem fazer parecer. Não se pode presumir a culpa do Hospital, ou
aplicar a teoria do risco empresarial, diante das peculiaridades que
envolvem a natureza do serviço prestado.
Assim, mostra-se conveniente fazer uma demonstração
analítica dos requisitos que têm de estar presentes para que se possa
falar em responsabilidade civil dos hospitais e estabelecimentos de
saúde.
A doutrina costuma estabelecer uma diferenciação
entre responsabilidade contratual (decorrente do descumprimento de
obrigação contratualmente estipulada) e responsabilidade extracontratual
(aquela decorrente da prática de ato ilícito causador de prejuízo).
No primeiro caso (responsabilidade contratual), é
imprescindível que haja, por óbvio, um contrato entre as partes (que
pode ou não estar formalizado por instrumento), e que qualquer delas
tenha descumprido qualquer das obrigações estipuladas. Além disso, é
necessário que haja dano sofrido pela outra parte em decorrência do
inadimplemento contratual.
Quando um paciente dá entrada em um Hospital
espera-se que este preste os serviços necessários ao internamento,
cabendo ao nosocômio, assim, fornecer os equipamentos, os medicamentos e
os materiais utilizados durante o internamento, bem como as instalações
para a realização de eventual cirurgia.
A obrigação do Hospital, pois, é classificada como
sendo “de meio”, cabendo a ele fornecer os meios necessários ao correto
atendimento do paciente.
É que se entendermos que as obrigações dos médicos
são de meio, é inafastável a conclusão de que quando o Hospital e seus
agentes fornecem ao paciente o tratamento previsto na Ciência Médica,
não há que se cogitar da prática de ato ilícito hábil a ensejar sua
responsabilidade civil.
Ou seja, se o Hospital forneceu todos os meios
adequados para a realização do ato cirúrgico e para o tratamento da
paciente, não pode ser apenado por eventuais infortúnios ocorridos
depois da cirurgia e que não decorram logicamente de erro médico ou
deficiência na prestação dos serviços, não podendo se falar em
responsabilidade por eventual dano verificado.
No caso de responsabilidade extracontratual
(aquiliana) não existe contrato entre as partes. Uma delas pratica um
ato, necessariamente ilícito (contrário à disposição legal),
aplicando-se, então, o princípio de que ninguém deve infringir a lei e
os princípios dela decorrentes. A lei estabelece que verificado o dano,
haverá a obrigação de indenizar desde que presentes os requisitos da
responsabilidade civil (culpa e nexo causal).
De qualquer forma, os requisitos para a configuração
da responsabilidade civil aquiliana são: a existência de uma ação ou
omissão, a culpa, o dano e o respectivo nexo de causalidade.
Cumpre destacar, ainda, que a pretensão de
responsabilizar o Hospital de forma objetiva, independente de culpa, com
base nos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, merece ser
analisada corretamente.
O Hospital, muito embora seja prestador de serviços,
não responde por todo e qualquer evento ocorrido em suas dependências.
Se assim o fosse, jamais receberia um paciente para cirurgia, na medida
em que toda cirurgia implica, necessariamente, lesões corporais, de
sorte que o Hospital teria de responder por danos estéticos causados aos
pacientes, o que seria a nosso ver uma interpretação teratológica da
Lei.
Como o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo
14, §4º, dispõe que a responsabilidade dos profissionais liberais será
apurada nos termos da legislação civil (que dispõe que a vítima tem o
ônus de comprovar a prática de ato ilícito, dano e nexo causal),
evidentemente que a imputação de responsabilidade feita a Hospitais por
atos ilícitos que teriam sido praticados pelos médicos também segue o
mesmo regramento.
A correta interpretação da legislação é no sentido de
que o Hospital responderá objetivamente, sem que haja necessidade de o
paciente demonstrar a culpa do Hospital, quando for comprovada a culpa
dos médicos. Restando provada a culpa do profissional liberal (médico),
então o Hospital responderá solidariamente com esse pelos danos
causados, independente de o Hospital, enquanto pessoa jurídica, tiver
praticado atos culposos.
Assim, para que o Hospital possa vir a ser
responsabilizado, é imprescindível a prévia comprovação da prática de
ato ilícito por parte dos médicos. (vide STJ – RESP nº 908359/SC - 2ª
Seção – Rel. Min. João Otávio de Noronha, julg. Em 27/08/2008)
Constata-se, pois, que pelo disposto no artigo 14, §4º, do Código de Defesa do
Consumidor, é necessária a comprovação da culpa do
médico para que se possa cogitar em responsabilidade civil por erro
médico, e somente depois de comprovada essa culpa é que se pode
pretender responsabilizar o Hospital.
Além disso, mesmo que se entenda que o Hospital, na
qualidade de prestador de serviços, responde objetivamente por danos
causados aos pacientes (o que não se revela de acordo com o ordenamento
jurídico em função do disposto no artigo 14, §4º, do Código de Defesa do
Consumidor), é evidente que não se trata de responsabilidade solidária e
sim subsidiária: somente se comprovada a culpa do médico é que se
poderá responsabilizar o Hospital, e somente poderá ser exigida qualquer
indenização frente ao
Hospital se o paciente demonstrar que o médico não possui patrimônio suficiente para arcar com a condenação.
Os médicos, assim como o Hospital, têm o dever de
fornecer o serviço da melhor forma possível, exatamente como a ciência
médica determina. Caso sejam observados estes procedimentos e, ainda
assim, haja dano, este só pode ser imputado ao caso fortuito, mas não
aos médicos ou ao Hospital.
Já no que se refere à responsabilização do nosocômio
em decorrência do paciente ser acometido de infecção hospitalar, deve-se
ter em mente que todo processo de infecção ocorrido dentro do Hospital
será chamado de “infecção hospitalar”, mas nem sempre essa infecção
ocorre por fatos imputáveis ao Hospital.
Por exemplo: um paciente pode estar com plena saúde e
ser internado para uma cirurgia estética. Como todo ser humano carrega
em seu corpo germes, bactérias e vírus, é bastante possível que esse
paciente sofra uma infecção depois da cirurgia, que sempre debilita o
corpo. Entretanto, não se pode imputar a responsabilidade por esse fato
ao hospital se esse forneceu todos os equipamentos devidamente
esterilizados, mantendo perfeita assepsia em seu estabelecimento.
Para haver responsabilização por infecção hospitalar,
pois, é necessária a prova de que a equipe médica não tomou os cuidados
necessários para sua prevenção ou então que os médicos não agiram de
maneira adequada para o tratamento dessa infecção.
A doutrina ensina que o Hospital pode ser
responsabilizado pela infecção hospitalar quando esta decorre de
condições de assepsia deficiente ou da ausência de cautelas idôneas para
evitá-la. Somente nessas situações é que o Hospital pode se cogitar da
responsabilização do Hospital, de modo que se faz necessária a prova
desses fatos para a procedência do pedido indenizatório.
Assim, em nosso entendimento, apesar de grande parte
da doutrina entender ser a responsabilidade do Hospital objetiva em
casos de infecção hospitalar, se restar comprovado que o mesmo tomou
todas as providências de precaução e tratamento de qualquer processo
infeccioso ocorrido em suas dependências, não há como ser ele
responsabilizado.
Comentários
Postar um comentário