É possível, no mundo dos fatos, a coexistência de relações com vínculo
afetivo e duradouro, e até com objetivo de constituir família, mas a
legislação ainda não confere ao concubinato proteção jurídica no âmbito
do direito de família. A observação foi feita pelo ministro Luis Felipe
Salomão, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao votar
dando provimento a recurso especial da esposa para restabelecer
sentença que negou à concubina o reconhecimento de união estável, para
efeito de receber pensão. Tudo começou quando o concubino morreu
e a concubina foi à Justiça, com ação declaratória de reconhecimento de
união estável em face da sucessão do falecido, representada pela
esposa. Na ação, afirmou que ela e o falecido assumiram publicamente a
relação desde janeiro de 2000, como se casados fossem, e passaram a
residir juntos em 2002. O advogado disse que, apesar de
formalmente casado com a esposa., o falecido estava separado de fato
desde 2000, sendo possível a habilitação da autora da ação junto ao
Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (Ipergs), para o
recebimento de pensão relativa ao benefício previdenciário do
companheiro. Afirmou também que ele não deixou totalmente a esposa
porque ela havia ficado doente, após sofrer um acidente. Na
contestação, a defesa da esposa afirmou que ela permaneceu casada com o
falecido por 36 anos, até a sua morte em 2005, sem que ele jamais
tivesse abandonado o lar. Argumentou que a própria concubina escrevera
carta admitindo que ele continuava casado, não podendo ser reconhecida a
união estável paralela, mas mero relacionamento extraconjugal. A
ação foi julgada improcedente. Segundo o juiz, não foi comprovado que,
em algum momento, o falecido tenha tentado terminar o casamento para
formar uma entidade familiar com a autora. A concubina apelou, e o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) deu provimento ao
recurso.
Família paralela “Se, mesmo
não estando separado de fato da esposa, vivia o falecido em união
estável com a autora/companheira, entidade familiar perfeitamente
caracterizada nos autos, deve ser reconhecida a sua existência, paralela
ao casamento, com a consequente partilha de bens”, justificou o
tribunal gaúcho. A esposa recorreu ao STJ, sustentando a mesma
alegação: é impossível o reconhecimento de união estável, na medida em
que o falecido continuou casado e convivendo com ela, não tendo sido
demonstrada pela outra parte a separação de fato. Em parecer, o
Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso. Em
decisão unânime, a Quarta Turma declarou a impossibilidade de
reconhecimento da união estável concomitante ao casamento. “Mesmo que
determinada relação não eventual reúna as características fáticas de uma
união estável, em havendo o óbice, para os casados, da ausência de
separação de fato, não há de ser reconhecida a união estável”, afirmou o
ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso. Ele observou que
a manutenção de uma sociedade conjugal por finalidades outras que não
as tradicionalmente imaginadas pela doutrina ou pela sociedade não
descaracteriza como casamento a união voluntária entre duas pessoas.
“Descabe indagar com que propósito o falecido mantinha sua vida comum
com a esposa, se por razões humanitárias ou por qualquer outro motivo,
ou se entre eles havia vida íntima”, considerou. Ao dar
provimento ao recurso especial, o relator ressaltou que tal ingerência
agride a garantia de inviolabilidade da vida privada e, de resto, todos
os direitos conexos à dignidade da pessoa humana. “Não se mostra
conveniente, sob o ponto de vista da segurança jurídica, inviolabilidade
da intimidade, vida privada e da dignidade da pessoa humana, abrir as
portas para questionamento acerca da quebra da affectio familiae, com vistas ao reconhecimento de uniões estáveis paralelas a casamento válido”, concluiu o ministro.
O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
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