Embargos de terceiro, defesa do executado e formalismo inútil, por Marcelo Pacheco Machado

Com um procedimento comum mais flexível, por ato do juiz ou convenção das partes (CPC, art. 139 e 190), lido a partir da cooperação (CPC, art. 6º), submetido rigorosamente à primazia do julgamento de mérito, fica fácil questionar a utilidade dos procedimentos especiais.
O fato, todavia, é que ainda não estamos diante do seu fim.[1] Estas técnicas processuais, como os embargos de terceiro, continuam ainda muito úteis, especialmente porque capazes de conceder benefícios que o procedimento comum não é capaz de conceder.
Exemplo. A tutela de evidência dos embargos de terceiro, relativa à suspensão liminar do processo principal, não se encontra abarcada pelas hipóteses do artigo 311 do Código de Processo Civil. Pressupõe tão somente a demonstração da verossimilhança das alegações do embargante quanto à situação típica de admissibilidade deste procedimento especial (CPC, art. 678), prescindindo de qualquer demonstração de urgência, abuso do direito de defesa ou tampouco da ausência de impugnação da parte contrária ou de fundamento em precedente (CPC, arts. 300 e 311).[2] Coisa que não se identificava no procedimento comum do CPC/73 e que ainda não há genericamente no CPC/2015.[3]
As técnicas específicas dos embargos de terceiro se direcionam aos indivíduos — partes ou terceiros — que apresentam uma situação de direito material específica, de propriedade, posse ou direito incompatível à constrição (CPC, art. 674). Além da restrição quanto à admissibilidade do procedimento, a lei impõe limitação horizontal à cognição judicial. Não poderia, em sede de embargos de terceiro, o embargante alegar matérias como a prescrição, o excesso de execução ou a nulidade do título executivo, típicas da defesa do executado.
O problema ocorre, todavia, quando o executado, especialmente, possui legitimidade e interesse para o oferecimento simultâneo de embargos de terceiro e das defesas típicas, embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença. Tal como o cônjuge ou o sucessor executado que pretende defender bens particulares, o qual se vê obrigado a se valer de duas técnicas simultaneamente. Embargos de terceiro, para obter tutela de evidência e suspender de imediato a constrição, e embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, para alegar outras matérias de defesa, impugnando o anou o quantum debeatur.
É vantajoso propor as duas demandas, pois a tutela de evidência dos embargos de terceiro se apresenta como medida de mais fácil obtenção que a atribuição de efeito suspensivo à impugnação ou aos embargos à execução, a qual exige periculum in mora (CPC, art. 525, § 6º e 919, § 1º).
Entendemos, no entanto, que a exigência da formação de dois processos distintos, apenas para a produção deste efeito, é anacrônica, e colide com a forte tendência do Código de Processo Civil de 2015 de simplificação do processo e de eliminação do formalismo inútil (e.g. CPC, art. 337 e 343). Não é papel da técnica processual limitar as situações de direito material que admitem tutela jurisdicional, tampouco o formalismo exacerbado está em sintonia com os valores da instrumentalidade e do predomínio da análise do mérito (CPC, art. 488).
O Código vigente, nesse sentido, admite a cumulação dos pedidos típicos de embargos de terceiro e de defesa do executado, formando-se um procedimento comum com características muito especiais. A parte, dotada de legitimidade simultânea para opor embargos de terceiro e defesas do executado, pode reunir suas pretensões distintas num mesmo processo e, com base no § 2º do artigo 327 do Código de Processo Civil, buscar o “emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais” a este procedimento comum que surge.
Cumprindo todos os requisitos exigidos pelo artigo 674 e seguintes do Código de Processo Civil, a parte pode pleitear a tutela de evidência típica dos embargos de terceiros, bem como a citação na pessoa do advogado e a natural distribuição por dependência. No entanto, usará o procedimento comum, de modo que possa cumular este pedido típico de embargos de terceiros com a pretensão de resistência à execução (ou ainda outras), alegando as matérias típicas dos embargos à execução ou da impugnação ao cumprimento de sentença.[4]
A autorização para tanto é expressa no § 2º do artigo 327 do Código de Processo Civil, e justifica-se pelo pleno atendimento do escopo das normas processuais em análise, plena compatibilidade dos pedidos e do procedimento e mesma norma de competência (CPC, art. 327, § 1º). Impedir a cumulação de causas, num mesmo instrumento, seria valorizar a forma em detrimento da racionalidade e da economia processual.

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[1] A este respeito, cf. Marcelo Pacheco Machado, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. XIII, 2017, p. 30.
[2] Pelo art. 273, I, do CPC de 1973, a tutela sumária somente podia ser concedida se comprovada urgência, ou, em outras palavras, periculum in mora. Fora deste caso, somente seria concebível a tutela sumária nas hipóteses de abuso de direito de defesa ou de incontrovérsia parcial (CPC, art. 273, § 6º), casos que a prática demonstrou serem pouco comuns. O mesmo se aplica à lei vigente. Muito embora do CPC/2015 tenha ampliado as hipóteses de tutela de evidência, não é possível afirmar que a mera verossimilhança autorizaria sua concessão. Pelo contrário, seria necessário que esta estivesse respaldada ou em precedente ou no abuso do direito de defesa. Vejamos: “Art. 311.  A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente”.
[3] Ao lado destas vantagens, como técnica especial, os embargos de terceiro têm limitações. Somente serão admissíveis naquelas estritas hipóteses do artigo 674 do Código de Processo Civil.
[4] Pontes de Miranda, em crítica a decisão da Corte de Apelação Federal de 1907, defende a possibilidade de cumulo de pedidos nos embargos de terceiro, afirmando que “nada obsta a que o terceiro inclua na alegação a invalidade do negócio jurídico (ação constitutiva negativa), ou ação declarativa negativa de ineficácia, conforme as espécies”. (Comentários ao código de processo civil, tomo XV, 1977, p. 78). No mesmo sentido, critica a posição pela qual o terceiro não poderia se valer dos embargos para alegar nulidades no processo principal. “Toda nulidade que lhe sirva é, necessariamente, pleno iure; e a resolução judicial que decretou a medida pode ser por ele atacada, com o fundamento mesmo de não ter sido parte”. O mesmo raciocínio para o autor se aplicada à prescrição. (Comentários ao código de processo civil, tomo XV, 1977, pp. 95 e 96).

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