O cancelamento de precatórios e das RPV´s, por Rafael Oliveira Soares e Sérgio Ludmer

No dia 07 de julho de 2017 noticiou-se, não com o destaque que a inovação impõe, a aprovação da Lei Federal nº. 13.463, de 06 de julho de 2.017, a qual prevê importantíssima alteração na sistemática de pagamentos dos Precatórios e Requisições de Pequeno Valor Federais, autorizando o cancelamento de tais ordens de pagamentos se os valores não forem levantados no prazo de dois anos. A nova lei, de iniciativa do Presidente da República, tramitou por pouco mais de dois meses em regime de urgência no Congresso Nacional, sendo aprovado por maioria no Senado Federal no último dia 5. O motivo para tamanha eficiência legislativa consiste na possibilidade de devolução aos cofres do Tesouro Nacional de pouco mais de R$ 8,6 bilhões de reais, segundo estimativas da própria União Federal. Sem dúvida, esse expressivo montante, especialmente em tempos de crise, ajudará no fechamento das contas públicas.
A leitura despretensiosa da nova Lei, e das razões que a motivaram, levaria qualquer cidadão a concluir que a medida configuraria uma decisão acertada do Executivo e do Congresso Nacional. Isso porque o discurso de que a “recuperação” de valores, não resgatados em razão da inércia de seus beneficiários, para utilização em favor da coletividade soa como republicano. Ocorre, porém, que esses valores, embora custodiados pela União Federal através de seus agentes financeiros, não pertencem à União. No momento em que o Ente Público disponibilizou o pagamento de um processo judicial findo, por força de execução, mesmo que o depósito tenha sido realizado numa instituição financeira pública ou oficial, o valor depositado passou para esfera patrimonial do(s) beneficiário(s). Portanto, esse “confisco travestido” imposto pela Lei 13.463/17 é manifestamente inconstitucional, porquanto ofende, dentre inúmeros princípios e dispositivos da Constituição Federal, o artigo 62, §1º, II, que trata da vedação a detenção de qualquer ativo financeiro, e o próprio caput do artigo 5º, além de seus incisos, considerados cláusula pétrea.
Ademais, a recém promulgada Lei 13.463/17 traz no seu calabouço um novo obstáculo para se receber créditos decorrentes de processos judiciais contra a União Federal. Agora, afora os prazos em dobro, a remessa oficial, as dilações de prazos, o procedimento especial de execução e o sistema de pagamento via precatório e RPV, a União Federal “ganha” a possibilidade de usufruir do seu dinheiro enquanto não é sacado, nos termos da nova Lei 13.463/17, gerando um novo imbróglio para o seu levantamento, se ultrapassado o prazo de dois anos.
O que você herdeiro de um credor público tem a ver com isso? Tudo. O seu parente faleceu, na maioria das vezes, após passar décadas para ter seu direito reconhecido e gerar a ordem de pagamento contra a União Federal. Um processo sucessório ou de habilitação, dependendo da complexidade, pode demorar anos no judiciário brasileiro. Então, se o processo sucessório ou de habilitação ultrapassar os dois anos previstos na Lei 13.463/17, você enfrentará um novo imbróglio para receber um valor que, automaticamente, deveria ser seu.
A insensibilidade do Executivo e do Legislativo nesse tocante, aliada a criatividade para adotar medidas de “ficção fiscal” – geralmente a toque de caixa ou na calada da noite -, inevitavelmente irá causar grave prejuízo aos credores da União Federal que se enquadrarem na hipótese do artigo 2º, da Lei 13.463/17. Acredita-se que a Lei 13.463/17, nos próximos meses, será objeto de ações judiciais questionando sua constitucionalidade. Até lá, caberá aos herdeiros dos credores da União Federal adotar as medidas cabíveis nos juízos competentes.
Nesse talante, os servidores públicos e, especialmente, seus herdeiros, quando credores da União Federal, com precatórios depositados antes do dia 07.07.2015 ou que estejam próximos a alcançar o marco de dois anos a partir do depósito, devem, com a maior brevidade, consultar seus advogados para a adoção das medidas necessárias a fim de evitar o cancelamento dos seus precatórios e RPV´s.
Infelizmente, sem uma intervenção nesse sentido, esses precatórios e RPV´s poderão ser cancelados. Sendo cancelados, não se sabe ao certo, ainda, o lapso temporal que será exigido para o seu pagamento. Recomenda-se, portanto, que os herdeiros de servidores públicos federais credores da União Federal contatem os Sindicatos e Associações as quais seus parentes falecidos integravam para verificar o enquadramento nessa situação. Afinal, parece que aqui, se há algo que o legislador prestigiou, foi o antigo brocardo em latim, dormientibus non sucurrit jus (o direito não socorre os que dormem).

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