CPC/15 e cooperação: um dever do juiz, do juízo ou de ambos? Por Marcelo Mazzola

O novo diploma processual consagrou o dever de cooperação, estabelecendo que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º).
Especificamente no caso do juiz, o dever de cooperação engloba os deveres de a)esclarecimento (agir de modo transparente e pragmático, proferindo comandos claros e objetivos); b) consulta (incentivar o diálogo e fomentar o debate); c) prevenção (alertar riscos e diligenciar para que os atos processuais não sejam praticados de forma viciada ou para que possam ser corrigidos rapidamente – noção intimamente ligada à ideia de primazia de mérito1); e d) auxílio (remover obstáculos impeditivos e reduzir desigualdades).
Ainda sustentamos o dever de comprometimento do juiz, que compreende a ideia de operosidade2 e de máxima dedicação à causa. A ideia é dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado e garantir o comprometimento do magistrado na entrega da prestação jurisdicional. Em outras palavras, é agir com eficiência e extrair o máximo de produtividade da atividade judicante, com menor dispêndio de tempo e de recursos.3
Questão interessante reside em saber se o dever de cooperação se confunde com a identidade física do juiz; se é apenas do juízo onde o magistrado exerce suas atividades ou se é de ambos.
Antes de avançar, vale revisitar alguns conceitos de jurisdição. Para Chiovenda, a jurisdição é "função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos".4 Já na visão carneluttiana, a atividade jurisdicional compreenderia a busca da justa composição da lide,5 uma vez que a lei, abstratamente considerada, não teria essa autonomia.
Atualmente, a ideia de jurisdição não pode mais ser compreendida como a atividade exclusivamente estatal, não apenas em razão do reconhecimento do juízo arbitral (arts. 3º, § 1º, 42 e 337, § 6º, do CPC/15), mas também da notória evolução dos métodos adequados de resolução de conflitos, especialmente a mediação e a conciliação, considerados verdadeiros equivalentes jurisdicionais.
Quanto à figura do juiz, Alexandre Câmara pontua que se trata de pessoa natural e de mero agente do Estado, instituição que se apresenta na relação processual através de um de seus órgãos, os órgãos jurisdicionais, ou, simplesmente, juízos.6
Assim, juízo seria sinônimo de órgão jurisdicional, uma espécie de unidade de serviço dentro da Justiça.7 E, para melhor administração da jurisdição, as causas são distribuídas entre vários órgãos jurisdicionais distintos,8 conforme suas atribuições, observando-se os limites definidos em lei.
Nesse contexto, parece claro que tanto o juiz como o respectivo órgão jurisdicional (ou juízo) – cuja competência se define por regras gerais previamente estabelecidas – devem atuar de forma cooperativa, pois fazem parte de um único sistema de jurisdição estatal.9 De fato, o poder jurisdicional estatal é uno.
Porém, essa noção de unicidade não se confunde com o princípio da identidade física do juiz (suprimido pelo CPC/15).10 Tanto é verdade que, ao longo do feito, diferentes magistrados podem atuar, seja controlando a marcha processual, seja proferindo despachos e decisões.
Essa compreensão é importante, pois, mesmo que um juiz esteja de "passagem" em determinado juízo, em razão de férias do magistrado titular, por exemplo, deverá não apenas cumprir o encargo para o qual foi designado, mas também atuar de forma comprometida e engajada quanto aos feitos que lá tramitam.
Não deve, assim, indeferir – sem fundamento novo – a produção de provas já deferidas; autorizar diligências já indeferidas anteriormente (sem mudança no contexto fático-probatório); determinar a renovação de atos processuais já praticados e que atingiram sua finalidade, entre outros.
Leonardo Greco ressalta que a cooperação deve existir entre todos os órgãos jurisdicionais instados a desempenharem qualquer atividade no processo, "pois todos são detentores do poder jurisdicional do Estado e, por isso, plenamente aptos a praticar com eficácia todos aqueles atos processuais que não dizem respeito à esfera jurídica de competência de cada um, mas que são comuns a todos os órgãos jurisdicionais". 11
Nesse particular, a colaboração entre o Poder Judiciário e o Juízo Arbitral é fundamental para assegurar, por exemplo, o cumprimento de cartas arbitrais (art. 237, IV, do CPC/15), a confidencialidade do procedimento, se houver, (art. 189, IV, do CPC/15) e a extinção da ação judicial quando o árbitro já tiver reconhecido a sua competência (art. 485, VII, do CPC/15). Da mesma forma, o diálogo entre cortes internacionais afigura-se relevante para permitir "a utilização de instrumentos mais modernos de intercâmbio, coordenação e gestão de competências".12
Também cabe mencionar a importância da colaboração institucional, que pode ser traduzida por atos normativos e protocolos, inclusive entre órgãos do Poder Público e o Judiciário, que criam diretrizes e parâmetros para orientar e otimizar a prestação jurisdicional, conferindo maior previsibilidade e segurança procedimental.
Como se sabe, os protocolos institucionais ou administrativos são acordos multilaterais de gestão coletiva de processos, realizados entre Poder Judiciário, Conselho Nacional de Justiça, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, entre outros, e materializam "instrumento valioso de estruturação de políticas públicas, incremento da autonomia pública – democracia participativa – e adequação procedimental a certos tipos de demandas." 13
Dessa forma, não temos dúvidas em afirmar que a cooperação não é um padrão de conduta que possa ser atribuído individualmente a determinado juiz ou juízo (todos os juízes que atuam no feito devem agir de forma colaborativa), mas sim um princípio14 que deve permear tanto a atividade jurisdicional como as relações internacionais e institucionais, a fim de garantir maior coesão, integridade e unicidade sistêmica.
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